Cadeias produtivas da bioeconomia carecem de assistência técnica em áreas rurais da Amazônia

A pesquisa foi realizada em oito territórios amazônicos nos Estados do Pará, Amapá e Amazonas.

A consolidação de cadeias produtivas voltadas para a promoção da conservação da floresta, a regeneração dos ecossistemas, a inclusão social e o combate à pobreza em áreas rurais da Amazônia esbarra na ausência de oferta de assistência técnica qualificada e direcionada às demandas do produtor. É o que aponta o estudo ‘Assistência técnica para a bioeconomia na Amazônia: dos desafios à solução’, divulgado pelo Instituto Escolhas, organização não governamental (ONG) que trabalha com estudos e análises sobre o desenvolvimento sustentável e desafios socioambientais.

O documento aborda a necessidade de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) na bioeconomia, abrangendo atividades econômicas que englobam todas as cadeias de valor da biodiversidade, orientadas pelos conhecimentos tradicionais, pela ciência e pela busca de inovações no uso de recursos biológicos e renováveis, a exemplo do manejo sustentável da floresta para extrair produtos como castanhas, frutos, borracha, óleos, madeira, pescados, fibras e plantas medicinais; a indústria que processa esses produtos (alimentos, bebidas, cosméticos, fármacos, moda, construção); a agricultura, a piscicultura e o turismo sustentáveis.

Processamento da castanha na mini usina da Comunidade do Rio Novo, um afluente do Rio Iriri, na Terra do Meio. Foto: Lilo Clareto/ISA

A pesquisa foi realizada em oito territórios amazônicos: Baixo Amazonas (PA), Baixo Tocantins (PA), Estuário Amazônico Amapaense (AP), Marajó (PA), Médio Juruá (AM), Médio Solimões (AM); Terra do Meio (PA) e na Transamazônica e Xingu (PA). No total, 141 pessoas participaram do estudo, tanto como demandantes (produtores individuais ou em empreendimentos) ou ofertantes de Ater.

O levantamento, elaborado a partir de dados primários e de dados secundários disponíveis, se concentrou na oferta de Ater para produtores de açaí, andiroba, cacau, castanha-do-brasil e pirarucu e identificou, ao todo, 131 demandas por assistência técnica nos territórios analisados, com potencial para “gerar atividade econômica circular, regenerativa, sustentável, inclusiva, com benefícios coletivos e locais”.

A quantidade e a disponibilidade dos técnicos é um dos principais pontos críticos apontados pelas organizações que ofertam Ater. Atualmente, o setor privado, seja ele com instituições privadas ou sem fim de lucro, terceiro setor, é o maior responsável pela assistência técnica ofertada para a bioeconomia, correspondendo a 52% do total de organizações que participaram do estudo.

“A maior parte das organizações afirmou não conseguir dar conta das demandas dos produtores. Soma-se a isso, a complexidade logística de atendimento desses territórios, com grandes distâncias dos centros urbanos e o uso de diferentes modais de transporte, bem como a dificuldade de manter uma infraestrutura mínima necessária para lidar com tal complexidade. No caso das instituições públicas de Ater, destacou-se a necessidade de ampliação de suas equipes para que possam ampliar sua capacidade de atendimento”,

diz o documento.

Manejo dos peixes pirarucu. Foto: Adriano Gambarini/OPAN

Outro ponto crítico apontado por 75% das organizações participantes da pesquisa é a escassez de recursos financeiros para a oferta de serviços desse tipo de assistência. As organizações do terceiro setor e cooperativas de produtores relataram sofrer com a contratação temporária e intermitente dos seus serviços de Ater, realizada por meio de editais e chamadas públicas estatais.

A oferta de doações de curto prazo e intermitentes vindas da filantropia e do investimento social privado também foi apontado como um gargalo. O estudo alerta que essa intermitência de recursos acaba comprometendo a eficácia do serviço.

O levantamento aponta ainda que a ausência de uma assistência e um acompanhamento mais efetivo têm impacto direto em atividades como o controle de entradas e saídas dos recursos financeiros, pagamento de impostos, digitalização dos registros, pagamento dos cooperados, entre outros pontos.

Como desdobramento, acabam sendo afetados a precificação dos produtos, negociação de compra e venda, mapeamento e estudo de mercados, acesso a mercados institucionais (compras públicas), fortalecimento da marca e desenvolvimento de planos de negócios.

Um exemplo destacado pelo estudo é o da cadeia da castanha-do-brasil. O levantamento abarcou as regiões do Baixo Amazonas (PA) e Terra do Meio (PA), com destaque para os municípios de Altamira, São Félix do Xingu, Alenquer, Oriximiná e Óbidos, onde vivem aproximadamente 900 produtores extrativistas, entre ribeirinhos, quilombolas e indígenas.

Um dos principais desafios na coleta da semente é a logística, uma vez que a retirada dos ouriços das árvores, realizada manualmente, e a quebra dele para a separação das sementes, ocorre de maneira pulverizada em todo o território amazônico. Com isso, um grande volume de castanha é necessário para cobrir os custos elevados da atividade extrativista no campo, bem como dos deslocamentos de longa distância.

Entre as necessidades relatadas estão a de assistência técnica para a adoção de boas práticas de coleta (manuseio e seleção das castanhas, uso de equipamentos limpos) e armazenamento (controle da umidade) para evitar contaminações e para o aprimoramento da logística para ampliar a relação de custo-benefício no escoamento da produção. 

Árvore do açaí. Foto: Giorgio Venturieri/Embrapa

A necessidade de melhoria na logística também foi destacada na cadeia do pirarucu, cujo manejo é realizado por populações ribeirinhas que vivem próximo aos lagos temporários onde o peixe se reproduz. A atividade é regulada por legislação específica para garantir a manutenção e sustentabilidade da espécie.

A pesquisa se concentrou nas regiões do Médio Juruá e Médio Solimões (AM), com destaques para os municípios de Jutaí, Fonte Boa, Carauari e Tefé, e apontou a demanda para o desenvolvimento de logística adequada para o transporte do pirarucu (manipulação e acondicionamento refrigerado), de modo a garantir a qualidade do produto e o menor custo.

Houve também a demanda para a implementação de estruturas físicas adequadas às exigências sanitárias para o abate, evisceração, sangria e limpeza do peixe; de processos de tratamento e aproveitamento dos resíduos descartados durante o processamento (ossada, carcaça, pele e escamas), além de maior agilidade na elaboração dos relatórios base para pedido de autorização de pesca ao órgão ambiental competente.

Na cadeia do açaí, o território selecionado pelo estudo diz que ao menos 4 mil pessoas estão envolvidas em associações e cooperativas de produtores e extrativistas que atuam na coleta e manejo do fruto.

Entre as necessidades relatadas estão a de assistência técnica para o manejo adequado dos açaizeiros e de outras espécies vegetais de interesse econômico e ecológico para o aumento da biodiversidade, da produtividade e rentabilidade da área; adequação do descarte do caroço de açaí; a adequação de práticas e processos de manejo do fruto, considerando a maturação, o armazenamento e o transporte; e a produção consorciada do açaí com outros produtos da bioeconomia, como andiroba e murumuru, com o intuito de gerar renda durante a entressafra. 

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