Entre 2020 e 2021, a terra indígena perdeu o equivalente a 1.340 estádios de futebol
A Terra Indígena Piripkura é habitada por Tamandua e Baita, dois indígenas da etnia Piripkura em isolamento voluntário e que sobreviveram a sucessivos massacres contra seu povo nas décadas passadas. O território é definido por uma portaria de restrição de uso, renovada por períodos. Em 2018, foi prorrogada por três anos após a comprovação da presença dos isolados no território. Apesar de ser de usufruto exclusivo dos indígenas, a TI ainda aguarda a conclusão de sua demarcação. A portaria que dispõe sobre a TI Piripkura é válida até setembro de 2021, o que também aumenta a pressão sobre o território. Outro ponto que pode estar pressionando o território é a Instrução Normativa (IN) n°9/2020 da Funai.
A IN n°9/2020 facilita a vida de quem está tentando grilar terras em áreas indígenas que ainda não foram homologadas, como é o caso da TI Piripkura. Isso porque possibilita que o proprietário irregular avance na regularização de propriedades em terras indígenas ainda em processo de demarcação. A IN permite que a Funai emita uma Declaração de Reconhecimento de Limites para supostas propriedades – irregulares – nesses territórios. A nova norma da Funai também exclui esses territórios do Sistema de Gestão Fundiária (Sigef) do Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra). Com isso, o proprietário irregular ganha um certificado que permite que ele faça operações como desmembrar, transferir e até comercializar uma terra ilegal. A Instrução Normativa foi anulada pela Justiça, mas a Funai foi novamente notificada por estar descumprindo a ordem judicial e continuando a aplicar a regra.
Tamandua e Baita sobreviveram a um massacre de madeireiros na década de 1980. Segundo relatos de Jair Candor no documentário “Piripkura”, os indígenas conseguiram escapar de uma emboscada e se esconderam, enquanto os brancos matavam todos seus parentes.
O monitoramento do ISA tem encontrado áreas desmatadas desde maio de 2020, conforme a tabela. Mesmo em janeiro, mês chuvoso e que o desmatamento tende a arrefecer, os desmatadores não pararam. As imagens de radar utilizadas pelo Sirad-Isolados permitem ver a derrubada mesmo no período de chuvas, pois detectam as alterações na floresta embaixo das nuvens.
Sirad-Isolados
O primeiro boletim do ano, lançado hoje, traz dados sobre o desmatamento nos territórios dos isolados em 2020 e em janeiro de 2021. Todo esse desmatamento detectado é ilegal, em territórios de usufruto exclusivo dos povos indígenas e que deveria estar sendo protegido pelo Estado. As populações indígenas vivendo em isolamento voluntário são especialmente vulneráveis e dependem exclusivamente dos recursos da floresta para sobreviver. Na pandemia da Covid-19, essa proteção se torna ainda mais urgente. Os alertas fornecidos pelo boletim do ISA ajudam a apontar quais são os territórios mais críticos e podem fornecer informações importantes para a elaboração de denúncias à imprensa e às autoridades
Em 2020 (de abril a dezembro), foram 2.295 hectares de desmatamento distribuídos em 15 terras indígenas. A Terra Indígena (TI) Piripkura foi a mais desmatada, com 962 hectares, seguida da TI Araribóia, com 375 hectares, e da TI Uru-Eu-Wau-Wau, com 294 hectares.
Em janeiro de 2021, o desmatamento seguiu nessas três terras indígenas mais ameaçadas. Foram identificados 375 hectares na TI Piripkura, 31 hectares de desmatamento na TI Araribóia, e 10 hectares na TI Uru-Eu-Wau-Wau.
Na TI Uru-Eu-Wau-Wau foram registrados desmatamentos na borda do território. Além dos Jupaú, Amondawa e Oro Win, três grupos de indígenas isolados com presença confirmada também estão ameaçados por invasões. Já são mais de 18 mil hectares ocupados ilegalmente por não indígenas. Com dados fornecidos pela Agência Nacional de Mineração (ANM), também foram identificados 335 pedidos entre requerimentos de lavra garimpeira e de licenciamentos e pesquisas, em um raio de 20 km em torno do território.
A TI Araribóia é outra em estado crítico de invasões, e sofre sobretudo com o roubo de madeira. No território, habitam os Awá Guajá isolados e os Guajajara, povo de contato antigo com os brancos. Há alguns anos, os Guajajara criaram os Guardiões da Floresta, um grupo que tenta inibir as invasões por meio da proteção territorial. Uma tarefa de responsabilidade do Estado, mas que acaba sendo assumida pelos indígenas devido à inação do governo.