Defensores da Amazônia: Angela Mendes e a retomada da Aliança dos Povos da Floresta

Comitê Chico Mendes, desmonte do ICMBio e o papel dos jovens em defesa da Amazônia também foram temas da entrevista com a ativista ambiental,  filha de Chico Mendes.

A luta pela preservação das florestas e dos povos que habitam a Amazônia revive um momento tragicamente histórico. Há quase 40 anos, lideranças extrativistas, indígenas e ribeirinhas lançaram a Aliança dos Povos da Floresta iniciada em 1985, durante o primeiro encontro nacional dos seringueiros, em Brasília.

Liderada por nomes como Chico Mendes e Ailton Krenak, a Aliança teve repercussão internacional e foi fundamental para a inclusão de políticas de proteção ambiental e direitos a indígenas ao texto da Constituição Federal. 

Com o aumento de atividades predatórias como queimadas, agropecuária e garimpo na Amazônia, lideranças e ativistas ambientais retomam as articulações da Aliança dos Povos da Floresta. 

Coordenadora do Comitê Chico Mendes, a ativista ambiental Angela Mendes relembrou a história da Aliança original. Comitê Chico Mendes e desmonte do ICMbio também foram temas em entrevista com a ativista ambiental e filha de Chico Mendes.

Angela Mendes coordena o Comitê Chico Mendes e é uma das lideranças da retomada da Aliança dos Povos da Floresta.
(Foto: Reprodução / Facebook)

Portal Amazônia: A retomada da Aliança dos Povos da Floresta deu os primeiros passos no ano passado. Quais ações foram realizadas e quais serão os próximos passos da articulação?

Angela Mendes: Só fazer um pouco o resgate histórico do que foi a Aliança original que a gente fala. Na década de 80 num cenário muito adverso, também de muito conflito e violência tanto para povos extrativistas, seringueiros, quanto para os indígenas.

Começaram essa aproximação no sentido de reunir as forças e unificar as pautas de lutas deles para que pudessem avançar. Tanto resistir, naquele cenário difícil que se colocava em relação às ameaças, como avançar na conquista política do territórios.

Foi idealizada pelo meu pai, por Ailton Krenak, por várias lideranças indígenas e extrativistas uma aliança que, naquela época, já foi uma visão muito a frente do tempo dessas lideranças. Esse sentido de coletividade e união de forças para enfrentar um inimigo comum que, naquela época eram grileiros, madeireiros, pecuaristas e que permanecem até hoje sendo esse público ameaçador pra essas populações e hoje com um agravante que tem o poder público. Tem também um parlamento totalmente com foco no agronegócio, com relações e interesses com o agronegócio predatório e que tem pautado no Congresso muitas matérias que ameaçam a integridade das liderarás e dos seus territórios.

Como desde 2016 a gente vem percebendo um aumento nessas ameaças, a partir de 2018 isso se agravou consideravelmente. Em 2019 nós passamos o ano conversando, Comitê Chico Mendes e lideranças indígenas sobre a necessidade de retomar essa força potente da Aliança. Então, na semana Chico Mendes de 2019 nós juntamos lideranças extrativistas e indígenas para pactuar essa retomada forte. Isso aconteceu em dezembro do ano passado, em fevereiro fomos convidados pelo Cacique Raoni para participar do grande encontro de lideranças indígenas em Piaraçu, (aldeia às margens do rio Xingu, no Mato Grosso) onde reforçamos a Aliança e onde a aliança foi uma proposta amplamente aceita tanto é que constou no manifestado de Piaraçu, lançado pelas 47 lideranças indígenas que estavam lá participando.

No início de março tivemos nossa primeira reunião de trabalho, a gente elencou um calendário, desenhou as ações seguintes para que em dezembro, na semana Chico Mendes agora de 2020, a gente já tivesse consolidada de fato as ações pragmáticas da Aliança. Isso, infelizmente, foi logo quando começou a pandemia. Nós também lançamos uma campanha de arrecadação para apoio no combate ao Covid no âmbito da Aliança. É uma campanha também que atende extrativistas e indígenas. Então, enquanto a gente não consegue a consolidação ampla dessa aliança a gente vai trabalhando localmente. Aqui no Acre a gente tá caminhando, no Amazonas também a Aliança tem funcionado muito bem, falta a gente então definir os próximos passos como a própria governança da Aliança, um planejamento mais pragmático. Mas, aos poucos, a gente vai retomando isso. Enquanto não retomamos, é luta do jeito que a gente pode lutar, com as armas que a gente tem pra resistir.

Portal Amazônia: No último dia 28 de agosto, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) completou 13 anos. Há alguma relação entre a autarquia federal e o Comitê Chico Mendes, poderia nos explicar como funciona cada instituição?

Angela Mendes: O Comitê é uma articulação de movimentos, de companheiros e de militantes da época do meu pai. Foi criado logo após o assassinato do meu pai, com o primeiro objetivo de mobilizar a sociedade, autoridades e governo para que houvesse a apuração do crime cometido contra ele, do assassinato dele. E fez isso através da mobilização da sociedade internacional, da mobilização da pressão que esses movimentos exerceram sobre o governo brasileiro. Ele é uma articulação, ele não tem personalidade jurídica, somos todos voluntários e voluntárias e trabalhamos com muita força e com muita disposição pra seguir mantendo e protegendo o legado do meu pai.

O ICMBio é um órgão do governo criado na gestão da Marina (Silva) enquanto ministra pra fazer a gestão das Unidades de Conservação, então é quem faz a gestão das Reservas Extrativistas que são o que a gente considera o legado mais concreto do Chico. A gente sabe que das dificuldades iniciais, foi um órgão criado sem muita estrutura, sem muita capacidade técnica, que teve uma série de desafios, mas que talvez nunca tenha passado por uma situação tão difícil como agora. O que a gente tá vendo é que o governo tem minado e sucateado todos esses órgãos que ele não conseguiu exterminar e extinguir assim que assumiu, como era o desejo ao tentar extinguir o Ministério do Meio Ambiente.

Então hoje, a gente tem uma situação de servidores que são ameaçados quando estão cumprindo a sua função, ameaçados de morte e quando chegam são ameaçados de demissão e exoneração, justamente por estar cumprindo com essa função.

Portal Amazônia: Esse ano, você publicou nas redes sociais uma carta deixada pelo Chico Mendes para os jovens do futuro de 2120, ano em que, segunda a carta, será celebrado 100 anos de revolução. A carta originou a realização do festival Jovens do Futuro. Fale um pouco sobre a carta, sobre o festival e sobre o papel do jovem em defesa da Amazônia.

Angela Mendes: Ele deixou essa carta em 88 e é uma carta muito inspiradora, a gente acha que é uma carta muito antecipatória. Ele chama a geração atual pra começar essa revolução que em 2120 vai fazer 100 anos, então a gente tem aí 100 anos pra fazer essa revolução, e que momento mais propício pra se começar uma revolução.

O festival aconteceu dia 6 de setembro, o dia que a carta foi escrita, com 3 horas de duração contando com a participação de jovens de fala política e de cultura, de jovens de todo mundo, é uma grande mobilização. Essa carta do meu pai é inspiradora, inclusive, da criação do Núcleo Jovem dentro do Comitê, tem inspirado jovens das Reservas Extrativistas de todo Brasil a lutar por seus sonhos, lutar por seus territórios. A gente sabe que quando ele escreveu essa carta, estava falando do papel estratégico do jovem na manutenção desses territórios.

Não vão existir territórios, assim como não vai existir um planeta, não vai existir um futuro se o jovem dessa geração não assumir esse papel.

Com informações do Canal Amazon Sat

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