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Sábado, 20 Abril 2024

Conselheira Tutelar recebe prêmio por resgatar criança de situação de maus tratos, no Pará

Conselheira Tutelar recebe prêmio por resgatar criança de situação de maus tratos, no Pará

Existe algo que você diz todos os dias ao acordar? Para o menino M.N, de 11 anos, por um período de três anos, a frase foi: "Deus, Socorro". Privado de sua infância, a criança era obrigada, pelo pai, a trabalhar vendendo pupunhas, todos os dias, em sinais de trânsito da Avenida Doca de Souza Franco, em Belém. O tempo que permanecia no local variava, mas a meta diária de vendas, estipulada pelo pai (R$150 dias de semana e R$ 200 aos finais de semana) não diminuia, o que fazia o pequeno permanecer por horas e horas nas ruas.

No dia 5 de maio deste ano, a criança, sem saber, teve seu clamor atendido: chegou às mãos da Conselheira Tutelar Odilene Kerscher, de 44 anos, uma requisição do promotor Januário Constâncio Dias Neto, com um pedido: que o conselho encontrasse um filho a pedido da mãe. Neste sábado (8), Odilene foi homenageada com o Troféu Imprensa, no Hangar Centro de Convenções e Feiras da Amazônia, por sua atuação no caso da criança.

Foto: Fernando Araújo/Agência Pará

"O mérito não é só meu", resume ela, fazendo questão de destacar todas as pessoas envolvidas no processo e relatando que, sem elas, seria impossível realizar o trabalho. Na solução do caso foi envolvido promotoria; ministério público; conselho tutelar; polícia militar e civil; e a prefeitura de Ananindeua. Todos agiram no cumprimento do seu dever com maestria. Foram exatamente 15 dias desde que o documento foi entregue para ela até que o menino retornasse para os braços da mãe.

Odilene lembra da manhã em que recebeu o caso. "Foram passadas poucas informações, eu só tinha o nome da criança e a informação de que ele corria risco de vida. Como o pai mudava muito de endereço, a mãe não sabia onde ele morava, não sabia sequer se ele estava vivo", lembra.

Ao receber o caso, a conselheira imediatamente acionou a promotoria de Ananindeua, que permitiu que fosse feita uma varredura para descobrir se ele estava matriculado e frequentando alguma unidade educacional da região. M.N foi localizado na Escola Gonçalves Dias, no bairro da Água Branca.

A conselheira e mais três policiais militares foram até o local. Ao encontrar o menino, Odilene se deparou com uma criança de 11 anos aparentando ter 7; corpo magro; uma seriedade incomum para um menino da sua idade e uma grande apatia. Os cabelos longos e lisos escondiam o rosto, assim como o olhar baixo. Depois de receber a permissão da escola, Odilene conversou com o menino por quase três horas.

Foto: Fernando Araújo/Agência Pará

Depois de muita resistência o menino caiu em choro e contou detalhes dos abusos que sofria. O pai e a madrasta usavam drogas e batiam nele além de obrigá-lo a trabalhar de domingo a domingo. A magreza era pela má alimentação, ele almoçava todos os dias algum salgado antes de ser levado para trabalhar e o cabelo longo era para esconder as cicatrizes das agressões que ele tinha na cabeça quando ousava dizer que não queria ir trabalhar.

Mesmo com muito medo, a criança mostrou a Odilene e aos policiais militares, onde era a casa do pai. Na casa, eles constataram a existência de outras duas crianças, mas que não passavam pela mesma situação de M.N. Vizinhos confirmaram os abusos que a criança passava e que os outros dois não tinham o mesmo tratamento.

Dentro do carro, vendo os policiais e a conselheira confirmarem tudo o que sofria, essa foi a última vez que M.N viu a casa do pai biológico e da madrasta. Daí, foi apenas esperar para fazer o caminho de volta para a mãe.

No mesmo dia, M.N foi levado para a casa de acolhimento da prefeitura de Ananindeua, cujo endereço não é divulgado para preservar a segurança das crianças. Além dessas, o município conta com outras casas que são divididas por idades: de 0 a 6 anos; de 6 a 12; e de 12 a 18 anos.

O local é amplo e conta com educadores especializados e um cachorro tirado das ruas, o Spyke, que é um grande amigo das crianças. No espaço, elas fazem seis refeições por dias, vestem roupas de doação, já que quando são resgatadas vão apenas com a roupa do corpo e dormem em quartos separados por sexo. Há ainda espaço para brincar ao ar livre, tomar banho de piscina e até colher frutas do pé da árvore. "A ideia é que a criança possa ter algum tipo de ressocialização, nem que seja por um curto período de tempo", diz a conselheira Odilene Kerscher.

Uma das educadoras da casa lembra que M.N era muito introvertido e que por vezes era comum pegá-lo com o olhar perdido. Quando questionado, ele sempre respondia com "não é nada".

A Conselheira Odilene Kerscher explica que trabalhar com a garantia de direitos da criança e adolescente é algo desafiador. "Essa criança nunca vai esquecer o que foi feito com ela, até mesmo porque a infância dela foi roubada. Nosso trabalho não é fazer com que ela esqueça, mas sim com que ela crie novas lembranças que possam ser mais fortes que o sofrimento que lhe foi causado. Tenho certeza que ela lembrará pra sempre de toda a equipe envolvida no seu resgate", diz.

O reencontro

A agressão na família do menino começou com a mãe, O.S, que chegou a registrar dois boletins de ocorrência contra o pai do garoto, que a espancava. Em uma das brigas, ele saiu de casa levando a criança, sob ameaça. Desde esse dia, a mãe ficou três anos sem ver o filho até que fez o pedido para o promotor Januário Constâncio Dias Neto, que depois chegou à conselheira.

A mãe fez o pedido porque o pai mudava muito de endereço e dessa forma ela não conseguia encontrar a criança. Mas com todos os entes públicos funcionando juntos, ele voltou para a sua família, em Santa Maria do Pará. "Foi um dia muito bonito. Ele chorou muito e só dizia 'Mãe, não me deixa mais' e ela repetia o mesmo. Ali, eu vi que todo o trabalho da equipe valeu a pena", disse a conselheira.

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