Olimpio Guarany*
Há cerca de um ano, uma doença desconhecida atingiu as plantações de mandioca na região norte do Amapá, colocando quatro municípios em situação de emergência. Em Oiapoque, comunidades indígenas perderam suas roças, o que comprometeu a produção da farinha e outros derivados, considerados a base da alimentação e a principal fonte de renda. A Embrapa constatou que a doença causa um crescimento excessivo das hastes laterais da planta, produzindo sintomas semelhantes a uma vassoura. O caule fica negro por dentro e, quando cortado, a planta começa a morrer, especialmente de cima para baixo. Nos casos mais severos, a planta morre completamente.
Sobre esse assunto, conversei com o engenheiro agrônomo e doutor em desenvolvimento socioambiental, Antônio Claudio, chefe da Embrapa no Amapá. Ele comentou que a instituição se uniu a outras congêneres da Franca e da Alemanha para identificar a origem da doença. Inicialmente pensou-se que era uma bactéria, mas o laboratório da Alemanha já identificou que é um tipo de fungo não descrito aqui no Brasil. O ministério da Agricultura deverá ser comunicado oficialmente em breve. O dr. Antônio Claudio afirma que esse patógeno veio de fora e entrou no Amapá pela fronteira. A preocupação é que ele já saiu da região do município do Oiapoque e atinge comunidades em Calçoene, casos do Carnot e Cunani.
Diante desse quadro grave, é imperioso que medidas urgentes sejam tomadas pelos setores competentes do poder público. Antonio Claudio chegou a dizer que a Embrapa vai tentar fazer uma barreira para tentar limitar o avanço do fungo.
Entendo que estamos diante de um flagelo sociocultural, já que a mandioca é a mais tradicional cultura do nosso povo, especialmente dos povos originários. É da mandioca que se produz a farinha, componente básico da dieta alimentar, o beju, a goma, o tucupi e os alimentos a partir da folha da maniva. Não podemos deixar morrer a principal cultura de um povo. Imaginem que, sem a roça, os indígenas ficam sem ocupação, tendo que consumir farinha produzida em outros lugares, com sabores, texturas e cores diferentes das tradicionais. Além disso, a rotina do dia a dia desses povos fica comprometida.
Ao que se sabe, uma empresa de Santa Catarina, usando biotecnologia, desenvolveu um fertilizante foliar, reconhecido pelo ministério da Agricultura, que fez diversos testes em comunidades indígenas e quilombolas de Oiapoque e Cunani, colhendo excelente resultados.
Penso que o que está em jogo aqui não é apenas uma planta, mas a sobrevivência de uma cultura, de um modo de vida. A mandioca não é apenas um alimento; ela é a alma dessas comunidades, a essência de sua identidade. A perda das roças significa a perda de autonomia, de tradição, de histórias passadas de geração em geração. Cada planta que morre carrega consigo um pedaço da alma de um povo. Não podemos assistir inertes a essa tragédia. Precisamos agir agora, com urgência e determinação, para salvar não apenas as plantações, mas a dignidade e a identidade de milhares de pessoas. Se deixarmos essa doença vencer, estaremos permitindo que uma parte vital da nossa história desapareça para sempre. Não podemos deixar que isso aconteça. É nosso dever lutar pela preservação da mandioca, pela continuidade das tradições e pelo futuro de nossos povos originários.
Sobre o autor
Olimpio Guarany é jornalista, documentarista, economista e professor universitário. Realizou a expedição histórica, navegando o rio Amazonas, desde a foz até o rio Napo (Peru) por onde atingiu o sopé da cordilheira dos Andes e depois subiu a Quito, Equador (2020-2022), refazendo a saga de Pedro Teixeira, o conquistador da Amazônia (1637-1639).
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