Mulheres são protagonistas do extrativismo na Amazônia

Presença feminina em posições de liderança e nas várias etapas das cadeias extrativistas tem crescido na região.

Cada vez mais as mulheres estão se tornando protagonistas de atividades que antes eram predominantemente masculinas, um movimento que vem provocando verdadeiras transformações na vida e cotidiano de populações amazônicas.

“A gente costuma dizer que a mulher não é dona só do lar, nós também somos donas da terra e trabalhamos na proteção do território”. É assim que a líder indígena Shirley Arara, da Terra Indígena (TI) Igarapé Lourdes, em Rondônia, explica a participação das mulheres na organização social das comunidades extrativistas tradicionais da Amazônia.

A comunidade de Shirley trabalha com a coleta e comercialização da castanha-da-amazônia e do açaí. Se antes essas cadeias de valor eram dominadas por homens, que realizavam desde a coleta até o beneficiamento desses produtos, hoje a presença feminina se tornou mais forte. Segundo Shirley, as mulheres são responsáveis por grande parte da produção extrativista na Terra Indígena Igarapé Lourdes.

Essa tendência de crescimento da presença feminina nas cadeias extrativistas se repete em outros locais, como no município de Beruri, no Estado do Amazonas, que possui uma usina de beneficiamento de castanha-da-amazônia. Por lá, aproximadamente 40% dos trabalhadores formais da usina são mulheres.

“Antigamente, as mulheres não eram envolvidas na cadeia. Elas cozinhavam, cuidavam dos filhos e da casa para que seus maridos entrassem nos castanhais enquanto elas faziam o trabalho doméstico. Essa realidade mudou. Hoje as mulheres vendem a própria produção e querem ter acesso ao mercado também”, 

conta Sandra Amud, diretora presidente da Associação dos Agropecuários de Beruri (Assoab).

Mulheres são protagonistas do extrativismo na Amazônia – Foto: Divulgação

A Assoab adquire castanha in natura de 342 famílias coletoras da TI Itixi Mitari e da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Piagaçu-Purus. Desde 2015, Sandra está à frente da gestão da associação e promoveu uma série de melhorias administrativas para solucionar os gargalos da cadeia da castanha. Para ela, ter uma mulher na liderança de uma organização como a Assoab acabou inspirando outras mulheres a se envolverem mais na atividade extrativista e a serem líderes em suas comunidades.

“Estar à frente da associação serve de exemplo para outras mulheres, você acaba empoderando elas a se envolverem em movimentos sociais, mudando a vida de suas famílias. As mulheres estão engajadas e envolvidas na cadeia da castanha e de outros produtos da sociobiodiversidade”, diz Sandra.

Mas para chegar ao cenário de hoje, as famílias extrativistas associadas à Assoab receberam parcerias valiosas que incentivaram a organização social e produtiva, e resultaram em melhorias significativas na comunidade.

Parcerias 

Uma das parceiras que acreditaram e apoiaram o trabalho de Sandra e da Assoab foi o projeto Cadeias de Valor Sustentáveis, iniciativa resultado de um acordo de cooperação internacional entre a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) e o governo brasileiro. Por meio da parceria, a Assoab levou treinamento sobre boas práticas de manejo na cadeia da castanha, construiu paióis comunitários para armazenamento dos produtos, disponibilizou Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e proporcionou capacitações em gestão e organização comunitária para as comunidades extrativistas.

“O projeto abriu as portas para que pudéssemos chegar nas comunidades, levando conhecimento para que houvesse uma produção de qualidade e as pessoas trabalhassem de forma organizada. Isso não era feito antes. As pessoas costumavam vender direto para o atravessador sem saber por quanto saía a produção delas. Quando começamos a fazer esse trabalho de campo, isso mudou a realidade dos castanheiros de Beruri”, explica Sandra.

Um exemplo de mudança foi que, com a nova gestão e qualificação dos extrativistas, a saca da castanha-da-amazônia deixou de ser comercializada por R$ 30 e passou para R$ 50, um valor acima do mercado, que vem beneficiando muitas famílias extrativistas.

A unidade de Beruri foi a primeira usina de castanha no Brasil de base comunitária a receber a certificação Cadastro Geral de Classificação (CGC) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) que permite à Assoab conduzir as primeiras experiências para exportação da castanha produzida pelos associados.

Trabalho que inspira

A presença de mulheres na liderança inspira outras mulheres a se engajarem. No caso de Keivan Neves, diretora administrativa da Assoab, o trabalho na cadeia da castanha a inspirou a ter coragem para ser ela mesma. Keivan é transsexual e declara que, por meio do trabalho desenvolvido junto aos extrativistas, pode finalmente assumir a sua real identidade de gênero.

“Fui me empoderando por meio do meu trabalho, aplicando meus conhecimentos para que esse trabalho pudesse ser desenvolvido da melhor forma possível e fui mostrando para as pessoas que eu tinha potencial de contribuir com minha comunidade e organização”, 

revela Keivan.

Ela conta que o empoderamento alcançado e o trabalho realizado lhe proporcionaram mais coragem para assumir novos desafios. “O que mais me deixou feliz e à vontade nesse processo de descoberta é que fui muito bem aceita e compreendida pelas pessoas e parceiros com que trabalho. A Assoab tem relação com vários parceiros estratégicos, então essa compreensão me deixou bem à vontade para ser apenas quem eu sou”, diz.

Fortalecimento

O fortalecimento das mulheres nas cadeias extrativistas da Amazônia também se relaciona com a valorização das comunidades que vivem dessas atividades. “Toda essa transformação gerou engajamento de jovens e mulheres que não havia antes. Estamos falando de uma cadeia produtiva que nos últimos quatro anos conseguiu alocar mais mulheres na atividade de coleta e na usina de beneficiamento, oportunizando a muitos jovens que tivessem acesso à renda na primeira experiência profissional no mercado”, afirma Keivan.

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