Foto: Miguel Rangel Júnior/ Wikimedia Commons
Em uma propriedade rural da Gleba Mercedes, no município de Sinop (MT), um agricultor se surpreendeu ao encontrar um macaco no telhado de sua casa. O episódio, ocorrido durante a seca, expôs o cenário que envolve os zogue-zogues que vivem na região: a busca por sobrevivência diante de um território cada vez mais restrito.
Cinco indivíduos circulam no fragmento florestal da fazenda, isolados entre áreas desmatadas e o lago formado pelo represamento de uma usina hidrelétrica nas proximidades.
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A espécie, identificada cientificamente como Plecturocebus grovesi, existe apenas no norte do Mato Grosso e foi inserida entre os 25 primatas mais ameaçados do planeta.
Com peso inferior ao de um gato doméstico e pelagem marcada por tons alaranjados na barba, o zogue-zogue perdeu mais de 40% de seu habitat original. Estudos apontam que, caso o ritmo de degradação permaneça, a redução pode alcançar 80% em poucas décadas.
Macacos zogue-zogue vivem isolados em pequenos fragmentos de floresta no norte do Mato Grosso e a espécie enfrenta perda acelerada de habitat. Entre a pressão do desmatamento e o avanço de um grande reservatório hidrelétrico, grupos de primatas permanecem encurralados.
Moradores e organizações ambientais iniciaram um projeto de reflorestamento em áreas degradadas próximas aos fragmentos onde os primatas vivem. A ação busca criar corredores naturais que permitam a migração entre diferentes trechos de mata, ampliando o espaço disponível e reduzindo o isolamento dos grupos.
Dados sobre o zogue-zogue
O primatólogo Gustavo Canale, professor associado da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), é um dos 20 autores do artigo que apresentou o zogue-zogue para o mundo científico. Ele conta que, no momento, parte dos esforços é para confirmar a distribuição da espécie e qual o seu limite ao sul.
“Nós já confirmamos a espécie aqui no município de Sinop e tem algumas populações que a gente sabe que ocorrem ali mais ou menos na região de Lucas do Rio Verde. E aí vamos descer mais na transição, entrando verdadeiramente no Cerrado do estado, para ver se o limite sul dessa espécie, como a gente imagina, é essa transição Amazônia e Cerrado. Então onde ocorre Cerrado propriamente dito, a espécie não ocorreria”, explica no artigo.
A distribuição do zogue-zogue está delimitada por barreiras naturais formadas pelos rios Juruena, Teles Pires e Arinos. Essas fronteiras, aliadas ao avanço da agropecuária, ao fogo e à fragmentação florestal, resultam em manchas isoladas de habitat. Em municípios como Alta Floresta, dados ambientais mostram forte expansão do uso agropecuário e retração equivalente da cobertura florestal ao longo das últimas décadas.
Pesquisadores relatam que a perda de vegetação é acelerada no norte mato-grossense, área inserida no chamado “arco do desmatamento”. Fragmentos pequenos tendem a não sustentar populações viáveis no longo prazo, e incêndios florestais — comuns na região — aumentam a vulnerabilidade dos primatas. Barreiras como hidrelétricas e a abertura de estradas também dificultam a circulação dos grupos, ampliando o isolamento genético e espacial.
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A barreira formada pelo reservatório
Na Gleba Mercedes, além do desmatamento, a família de cinco zogue-zogues vive limitada pela elevação do nível da água causada pela barragem de uma usina hidrelétrica. Moradores relatam que a formação do lago transformou um antigo riacho em uma área alagada de cerca de 300 metros, que os primatas não conseguem atravessar. A alteração na paisagem reduziu ainda mais o habitat acessível e separou grupos que antes compartilhavam um mesmo conjunto contínuo de floresta.
O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) no Mato Grosso fez, em 2023, imagens desses animais na Gleba Mercedes. As imagens ajudam a organização a adquirir recursos para os moradores da região reflorestarem a região e assim manter a espécie desses macacos protegida.
Pesquisadores e organizações locais seguem mobilizados para reconectar áreas fragmentadas. Projetos de reflorestamento comunitário, plantio de espécies nativas e monitoramento de grupos isolados dos macacos avançam como alternativas para ampliar o habitat do zogue-zogue e reduzir o risco de desaparecimento em longo prazo no Mato Grosso.
Mesmo com duas grandes porções de floresta ainda existentes na região, o isolamento entre fragmentos menores é apontado por especialistas como um desafio crítico para a continuidade da espécie. Por isso, a criação de corredores florestais e esse acompanhamento das populações se tornaram ações essenciais para garantir a sobrevivência do primata.
