Conter vazamento de petróleo na Margem Equatorial seria mais difícil que em desastre no Golfo do México, aponta estudo

Modelos mostram que um eventual vazamento de petróleo na Margem Equatorial alcançaria até 132 km em 72 horas, ameaçando diretamente espécies como a onça-pintada.

Foto: Coordenação-Geral de Observação da Terra/INPE

Um grupo internacional de pesquisadores alerta que a exploração de petróleo planejada para a costa do Amapá, na chamada Margem Equatorial, pode gerar impactos ambientais e sociais de grandes proporções. Além da vida marinha, um vazamento ameaçaria onças-pintadas e outras espécies emblemáticas em áreas protegidas insulares e costeiras, manguezais e ecossistemas de zonas úmidas costeiras, além da pesca e dos produtos florestais não madeireiros, como o açaí, que sustentam povos tradicionais e indígenas.

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É o que mostra estudo publicado na revista Nature Sustainability na quarta (1º) e conduzido por cientistas das universidades Federal e Estadual do Amapá (UNIFAP e UEAP), do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e parceiros. A equipe se baseou em modelos que simulam a dispersão de óleo em ambientes aquáticos, considerando variáveis como a vazão do rio Amazonas, marés, correntes, ventos e características do ambiente costeiro.

A partir disso, a pesquisa indica que a mancha de um derramamento poderia se espalhar por até 132 quilômetros em apenas três dias, afetando biodiversidade, áreas protegidas e o abastecimento de água em cidades costeiras.

Leia também: A dualidade da exploração de petróleo na Margem Equatorial: o que é e como afeta a Amazônia?

“Enquanto o licenciamento ambiental se concentra na capacidade da empresa petrolífera estatal de resgatar a vida selvagem marinha em caso de derramamento, a questão muito mais fundamental é a capacidade de tapar um vazamento, caso ocorra”, explica o pesquisador Philip Fearnside, do INPA, um dos autores do estudo.

A profundidade do poço proposto, de 2,88 quilômetros, e a presença de correntes oceânicas mais fortes e complexas dificultariam muito a contenção em comparação ao desastre de 2010 no Golfo do México, mostram os pesquisadores. Na ocasião, o vazamento ocorreu de um poço em água de 1,5 quilômetros de profundidade e levou mais de cinco meses para ser contido.

Acidente na Margem Equatorial também apresenta riscos socioeconômicos

O estudo também ressalta riscos socioeconômicos. O Amapá tem mais de 700 mil habitantes, com grande concentração em comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas que dependem da pesca artesanal e da coleta de produtos florestais, como açaí, castanha-do-brasil e cacau.

margem equatorial no amapá
Margem Equatorial. Imagem: Reprodução

Só a cadeia do açaí na área da Foz do Amazonas, a chamada Margem Equatorial, movimentou mais de R$ 6 bilhões (cerca de US$ 1 bilhão) em 2023, valor que estaria ameaçado por eventual contaminação. O derramamento de óleo na costa do Nordeste brasileiro, em 2019, que afetou milhares de pescadores, é lembrado pelos pesquisadores como referência para possíveis impactos.

Para além de acidentes, os autores alertam que experiências anteriores com royalties do petróleo no Brasil mostraram aumento da desigualdade e piora de indicadores sociais, em vez de melhorias sustentáveis. Eles questionam a narrativa de que a arrecadação com petróleo na Margem Equatorial financiaria a transição energética, já que a dependência do combustível fóssil tende a se tornar inviável diante das metas climáticas globais.

“A necessidade global de interromper o uso de combustíveis fósseis nos próximos anos significa que os supostos benefícios econômicos e de emprego do projeto seriam muito temporários”, avalia Fearnside.

Como alternativas, o artigo defende o aproveitamento do potencial solar do Amapá: apenas 1% da área do estado poderia gerar cinquenta vezes mais energia do que a população consome hoje. Outras vias propostas incluem a valorização da bioeconomia local, com agregação de valor a produtos como açaí e andiroba, e o fortalecimento do turismo comunitário.

*O conteúdo foi originalmente publicado pela Agência Bori

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