Um destino para cinzas vegetais na Amazônia: resíduo de biomassa tem potencial como fertilizante

O geólogo Alan Albuquerque analisou o potencial das cinzas como fertilizante na tese ‘Resíduo mineral a partir de biomassas amazônicas como uma fonte alternativa de nutrientes para a agricultura’.

O Brasil enfrenta um problema em relação à dependência de fertilizantes. Sendo uma potência agrícola, o país demanda uma grande quantidade desses insumos, que provêm nutrientes para o crescimento das plantas. Porém, em 2021, 85% dos fertilizantes consumidos vieram do exterior, de acordo com a Associação Nacional para Difusão de Adubos (ANDA), representando uma alta demanda de recursos e deixando o Brasil em uma posição vulnerável a questões externas.

Outro fator que gera mais consumo de fertilizantes é o crescimento da bioenergia. De 2010 a 2020, a oferta interna de energia elétrica da biomassa subiu de 4,7% para 9,1%, no Brasil, conforme a Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Portanto mais insumos são necessários para a produção de matéria-prima, que será queimada no processo de geração de energia. Esse cenário envolve outros problemas, a formação de cinzas vegetais pela queima de biomassa e a dificuldade de manejo deste resíduo mineral.

Pensando em soluções para reutilizar as cinzas e sabendo que elas apresentam boa capacidade de fornecer nutrientes essenciais para as plantas, o geólogo Alan Rodrigo Leal de Albuquerque analisou o potencial das cinzas como fertilizante na tese ‘Resíduo mineral a partir de biomassas amazônicas como uma fonte alternativa de nutrientes para a agricultura’, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geologia e Geoquímica (PPGG/IG) da Universidade Federal do Pará (UFPA).

O pesquisador coletou amostras de cinzas de biomassas amazônicas na Viso Fertilizantes, indústria de fertilizante de fosfato calcinado, no município de Bonito (PA). Em seguida, foi feita a caracterização química e mineralógica do resíduo por meio de equipamentos analíticos, como o difratômetro de raios X. “Para avaliar a eficiência agronômica das cinzas, como disponibilidade e absorção de nutrientes nos solos e plantas, foram aplicados ensaios de incubação com solo e cultivo de aveia (Avena sativa) em câmara de crescimento”, completa Alan de Albuquerque.

Foto: Acervo da pesquisa

Bons resultados tanto em solo ácido quanto em solo orgânico

Os resultados da caracterização indicam uma produção de cerca de 4,7 a 9,9 toneladas de cinzas por dia pela indústria de fertilizante e apontam que o resíduo não apresenta variações composicionais significativas ao longo do ano. No quesito mineralógico, as cinzas são compostas por materiais amorfos, anortita, quartzo, clinopiroxênio e espinélio.

O solo utilizado no experimento de incubação foi o Latossolo Amarelo distrófico, que apresenta caráter ácido e baixos teores de nutrientes extraíveis. Os dados mostram que a aplicação de cinzas resultou em uma elevação moderada do pH do solo (diminuição da acidez), um aumento na disponibilidade de nutrientes essenciais para as plantas, como fósforo (P), cálcio (Ca), magnésio (Mg) e potássio (K), além da redução da toxicidade do alumínio (Al³+) trocável.

No outro experimento, a aveia foi cultivada em três solos ácidos, com diferentes teores de matéria orgânica e com três dosagens de fertilização mineral. O estudo concluiu que as cinzas afetaram positivamente a disponibilidade de macronutrientes (P, Ca, Mg e K) e micronutrientes (boro, cobre e ferro). Mesmo com elevada quantidade de resíduo mineral, não houve risco de toxicidade por metais pesados nem aumento da salinidade dos solos e das águas.

Nos solos orgânicos, as cinzas favoreceram a transformação de fósforo inorgânico (Pi) em fósforo orgânico (Po), estimulando a produção e nutrição das plantas. Logo a tese sugeriu misturar as cinzas com fontes de matéria orgânica e materiais de calagem. “A sugestão visa aumentar, quando necessário, a eficiência agronômica desse resíduo mineral, pois as cinzas não têm capacidade de fornecer todos os nutrientes importantes para o bom desenvolvimento de uma planta, que, além de macronutrientes, exige teores adequados de carbono, nitrogênio e micronutrientes”, explica Alan Rodrigo Leal de Albuquerque.

Portanto a pesquisa verificou que as cinzas vegetais, produzidas da queima de biomassa para produção de energia, têm potencial como fertilizante alternativo para o solo. Por sinal, segundo a pesquisa, há relatos do uso desses resíduos na agricultura desde o período antes de Cristo. Enquanto isso, no Brasil, há desafios a serem enfrentados.

“Um dos principais gargalos para a reutilização em larga escala das cinzas vegetais em sistemas agrícolas ou florestais no Brasil está, sobretudo, em nossa precária condição logística, ainda mais desafiadora na região amazônica. A principal saída é investir em pesquisa e desenvolvimento de sistemas produtivos que considerem o contexto local”, 

conclui o geólogo.

Sobre a tese: Resíduo mineral a partir de biomassas amazônicas como uma fonte alternativa de nutrientes para a agricultura foi apresentada por Alan Rodrigo Leal de Albuquerque, em 2021, no Programa de Pós-Graduação em Geologia e Geoquímica (PPGG/IG) da UFPA, sob orientação dos professores Simone Patrícia Aranha da Paz e Rômulo Simões Angélica.

*O conteúdo foi originalmente publicado pelo Jornal Beira do Rio, edição 166, da UFPA, e escrito por Bruno Roberto

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