Foto: Reprodução/Rede Amazônica RO
Chuvas intensas e temporais causam estragos em Rondônia há semanas. Apesar disso, o rio Madeira continua batendo níveis mínimos históricos, como no dia 11 de outubro, de 19 centímetros. O cenário é explicado pela geografia: a maior parte da vazão do Madeira vem do Peru e da Bolívia.
As chuvas começaram a cair no estado em setembro, após meses de estiagem. Em poucas semanas houve um acumulado de 75 mm de precipitação somente em Porto Velho, de acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).
Essa quantidade é o primeiro volume considerável em pelo menos quatro meses. Em junho e julho não ocorreram chuvas na capital de Rondônia. Já em agosto choveu apenas 16 mm.
O engenheiro hidrológico do Serviço Geológico do Brasil (SGB), Guilherme Cardoso, explicou ao Grupo Rede Amazônica que somente a chuva nos rios Madre de Dios e Beni influenciam significativamente no nível do rio Madeira.
“O Madeira depende quase que exclusivamente das chuvas que caem na Bolívia e no Peru, onde estão os rios Beni e Madre de Dios. Eles são os verdadeiros fornecedores de água para o rio, e quando não chove nas cabeceiras andinas, o Madeira aqui em Rondônia não sente os efeitos das chuvas locais”, respondeu.
O especialista explicou que cerca de 70% da vazão do rio Madeira vêm das regiões de cabeceira na Bolívia e no Peru. Isso faz com que o rio funcione como uma ‘artéria’ conectada diretamente ao ’coração’ das montanhas desses países. Quando não chove lá, o ‘corpo’ do rio aqui enfraquece, independentemente do volume de chuva que cai sobre Rondônia.
Enquanto o rio permanece baixo, as chuvas caem sobre cidades de Rondônia. Ventos arrancam telhados e arrastam carros, como ocorreu em Governador Jorge Teixeira, onde um temporal na última semana causou estragos. A dependência climática das regiões andinas é o que mantém o Madeira em seu estado de crise, como destaca o engenheiro hidrólogo Guilherme Cardoso:
“Não há previsão de melhora no curto prazo. O nível do rio só vai se recuperar quando as chuvas voltarem a cair nas cabeceiras. Segundo o Serviço Nacional de Meteorologia e Hidrologia [da Bolívia] tanto da Bolívia e do Peru indicaram chuvas abaixo da média para essa próxima quinzena de outubro”.
A vida paralisada
Pela primeira vez na história, o Porto de Cargas de Porto Velho, vital para o escoamento de produtos como soja e biocombustíveis, foi paralisado.
As operações foram suspensas no dia 23 de setembro, à medida que o rio se tornou inavegável para grandes embarcações. O porto continua parado, afirmou a assessoria que faz a gerência do porto.
“Os armadores e operadores portuários continuam aguardando o nível do rio apresentar melhores condições pra navegação. Por enquanto seguem com as atividades de movimentação de cargas interrompidas”, informou a administração do local.
Além disso, os moradores das comunidades ribeirinhas viram os poços amazônicos secos, assim como o rio. Sem acesso à água, eles dependem de carregamentos enviados pela Defesa Civil Municipal e as secretarias de assistência social de Porto Velho e do estado de Rondônia.
Ribeirinhos agora caminham por antes era possível andar de barco. A imensidão de água se transformou em um deserto de areia.
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A seca tem forçando os moradores do distrito de Calama, em Porto Velho, a desenvolverem novas estratégias de navegação. Pescadores, como Moises Correia, usam as hélices de embarcação para criar ‘caminhos’ na lama.
Moises, que vive há 15 anos em Calama, conta que os pescadores precisaram se organizar para manter uma rota de acesso ao porto. Com o rio cada vez mais seco, eles começaram a usar as hélices de suas voadeiras para cortar a lama, criando um canal.
“Em todos esses anos aqui, nunca vi o rio nesse estado. Os lagos estão secos, e a boca do rio, na entrada do Amazonas não dá mais para passar embarcação grande”, relata o ribeirinho.
Monitoramento do nível das águas
Atualmente, o rio Madeira é monitorado por três estações da Rede Hidrometeorológica Nacional (RHN), operadas pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB), na Residência de Porto Velho (REPO). Elas são equipadas com sistemas automatizados, réguas linimétricas e pluviômetros. O monitoramento integra o Sistema de Alerta Hidrológico do Madeira (SAH Madeira), disponível na plataforma Sace, no site do SGB.
Os dados sobre o nível e a vazão são coletados a cada 15 minutos e o comportamento do rio é analisado com base em previsões de chuva, gerando boletins com prognósticos da bacia e previsões dos níveis do rio.
O Sistema Sace, usado pelo SGB para monitorar os principais rios no Brasil fez alterações nas suas legendas dentro do sistema. Em outubro foi implementada uma função que permite a representação da situação de estiagem nas estações da bacia pela primeira vez. Antes, o sistema indicava apenas a situação de cheia.
“Essa alteração ajuda a entender em que fase de seca o rio se encontra. O monitoramento contínuo é fundamental para que as autoridades e a população possam acompanhar a gravidade da situação e planejar medidas preventivas ou de mitigação, caso o nível do rio continue a cair”, explica Guilherme Cardoso.
Segundo o engenheiro hidrólogo, ao contrário das cotas de inundação, que seguem critérios bem definidos pela Coordenadoria Municipal de Proteção e Defesa Civil (Compdec), as cotas de estiagem não têm um critério tão específico.
“Para criar essa representação no sistema, a equipe do SGB se baseou na cota mínima histórica, atingida durante a última seca severa, e na cota de permanência de 10%, que indica o nível abaixo do qual o rio permanece em condições de seca extrema.”
A modificação no sistema foi feita em outubro, desde então, o acompanhamento das condições do rio Madeira se tornou mais detalhado, facilitando a geração de relatórios e boletins que mostram com mais precisão o comportamento do rio durante os períodos de estiagem.
*Com informações da Rede Amazônica RO