Pesquisadores encontram novas espécies de corujas da Amazônia e Mata Atlântica

O artigo descreveu duas novas espécies de corujinhas para a ciência e eleva uma terceira já conhecida também para a categoria de espécie

Pesquisa desenvolvida por uma equipe internacional de cientistas do Brasil, Finlândia e EUA descreveu duas novas espécies de corujinhas para a ciência e eleva uma terceira já conhecida também para a categoria de espécie. O trabalho apresentou uma análise detalhada sobre a variação morfológica, vocal e genética de um grupo do gênero Megascops da Amazônia e da Mata Atlântica. O estudo foi conduzido pelo ornitólogo Sidnei Dantas como parte de sua tese de doutorado no Museu Goeldi e que contou com a orientação do pesquisador Alexandre Aleixo, professor da pós-graduação do Museu Paraense Emílio Goeldi e atualmente curador de aves do Museu Finlandês de História Natural na Universidade de Helsinki, Finlândia.

Uma delas é a corujinha-do-Xingu (Megascops stange), encontrada na Floresta Nacional Tapirapé-Aquiri, na região de Carajás, estado do Pará. O seu nome científico é em homenagem a Irmã Dorothy Mae Stang (1931-2005), norte-americana naturalizada brasileira, que por mais de 40 anos ensinou práticas sustentáveis a pequenos agricultores na Amazônia e os encorajou a se organizar e lutar pelos seus direitos à terra contra madeireiros, fazendeiros e especuladores que tentavam expulsá-los para estabelecer grandes propriedades voltadas para o agronegócio, o que levou ao seu assassinato. O nome vulgar corujinha-do-Xingu refere-se à área amazônica onde a nova espécie é encontrada, entre os rios Tapajós e Xingu, região onde Irmã Dorothy era muito ativa como líder comunitária.

Foto: Divulgação

A outra espécie descrita por Sidnei Dantas e colaboradores foi a corujinha-de-Alagoas (Megascops alagoensis), batizada em homenagem ao estado de Alagoas, no Nordeste brasileiro, onde foi registrada pela primeira vez em fevereiro de 2001, e onde a maioria da população conhecida ainda existe. A espécie é encontrada em apenas cinco fragmentos isolados de floresta atlântica em Alagoas e Pernambuco.

As duas novas espécies descritas recentemente já surgem para a ciência como ameaçadas de extinção pelo desmatamento e degradação florestal. A corujinha-do-Xingu é endêmica da área da Amazônia mais severamente afetada pelos gigantescos incêndios de 2019. Por sua vez, a corujinha-de-Alagoas já pode ser classificada como Criticamente Ameaçada de Extinção, devido ao grande grau de fragmentação em sua pequena área de ocorrência.

Terceira corujinha

Além das duas espécies novas já citadas, os pesquisadores também apontam uma terceira ave – antes tratada como uma população de corujinha-orelhuda, mas hoje foi validada à condição de espécie por estudos recentes. Eles se referem a corujinha-de-belém (Megascops ater). Essa corujinha é endêmica do setor mais desflorestado da Amazônia e seu status de conservação deve ser avaliado com mais atenção a partir de agora.

A pesquisa

As corujinhas do gênero Megascops são um grupo de 23 espécies de aves noturnas de médio porte distribuídas por todas as Américas. Com a realização de estudos mais detalhados envolvendo sequenciamento de DNA e análises vocais, a possibilidade do reconhecimento de novas espécies se torna maior, tendo em vista os hábitos noturnos das corujas.

No estudo, foi identificado que existem seis linhagens genéticas diferentes no complexo corujinha-sapo/corujinha-orelhuda que são distinguidas pelo canto, o que é um forte indicativo de que elas são espécies distintas. A cor da plumagem, por outro lado, é altamente variável, uma condição bem documentada em outras espécies de corujas.

A pesquisa também identificou que quatro das seis linhagens genéticas já são reconhecidas como subespécies ou têm nomes científicos disponíveis. No entanto, as outras duas linhagens não eram reconhecidas ou batizadas até o momento. Assim, os autores descreveram essas linhagens, diferenciáveis pelo canto e geneticamente, como espécies novas.

Ao todo, foram analisadas 252 espécimes taxidermizados (na sua maioria depositados na coleção do MPEG), 83 gravações e 49 amostras genéticas, cobrindo toda a área de distribuição do complexo corujinha-sapo/corujinha-orelhuda. Grande parte dos espécimes foram coletados pela equipe de pesquisa nas florestas tropicais da América do Sul. Também foi utilizado o material de coleções biológicas brasileiras e norte-americanas, coletado ao longo de séculos, sendo essencial para completar a amostragem sem precedentes do estudo.

“O estudo não seria possível sem as grandes coleções biológicas do Brasil e outros países, que eu visitei no meu doutorado e que nos mandaram materiais essenciais, tanto genéticos como morfológicos. Isso ilustra bem a importância dessas instituições de pesquisa para o progresso da Ciência e portanto dos países que elas representam”, explica o primeiro autor Dr. Sidnei Dantas, atualmente trabalhando no Eco Lodge Cristalino, na Amazônia matogrossense.

Parte do estudo também foi desenvolvido no Laboratório Pritzker de Sistemática Molecular e Evolução do Field Museum, Chicago, EUA, onde ele foi co-orientado pelos ornitólogos John Bates e Jason Weckstein, co-autores do estudo. Atualmente, J. Weckstein vive e trabalha na Filadélfia, EUA, no Departamento de Ciências da Biodiversidade, Terra e Meio Ambiente da Academia de Ciências Naturais da Universidade de Drexel. Em Drexel, juntou-se a equipe a pós-doutoranda Therese Catanach, que conseguiu com sucesso sequenciar fragmentos de DNA de um espécime de 170 anos da corujinha-orelhuda da coleção de aves da Academia de Ciências Naturais, que foi essencial para o estudo.

Os pesquisadores explicam que as espécies de corujas em geral, incluindo as pertencentes ao gênero Megascops, são difíceis de distinguir por plumagem e tamanho, de forma que, para as aves noturnas, a comunicação vocal é mais importante que o reconhecimento visual. Existe uma diferenciação mais rápida do canto, enquanto a coloração da plumagem evolui num ritmo mais lento. Em 2017, uma nova espécie de Megascops foi descrita na Colômbia, com base primariamente em evidências genéticas e de canto. Tal método foi fundamental para a descrição feita por Sidnei Dantas no início de 2021, que identificou as espécies corujinha-do-Xingu e corujinha-de-Alagoas. 

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