Pesquisa analisa hibridização de peixes-boi na costa amazônica

A pesquisa também revelou parte da história evolutiva dos peixes-boi, comprovando pela primeira vez que a espécie dos rios amazônicos é mais antiga do que a dos mares.

Foto: Flávia dos Santos

O peixe-boi é um mamífero aquático caracterizado por seu grande porte, sua dieta vegetariana e seu comportamento calmo, quase gentil. Não há, entretanto, um único tipo de peixe-boi. Existem no mundo três espécies distintas, sendo duas delas nativas do Brasil: o peixe-boi-da-amazônia (Trichechus inunguis), que habita os rios do bioma que carrega no nome; e o peixe-boi-marinho (Trichechus manatus), que vive na região costeira do país.

Apesar dos lares distintos, uma análise genética dos animais revelou uma até então invisível hibridização natural – ou seja, a reprodução e “mistura” das duas espécies – na foz do Amazonas. A descoberta é fruto da pesquisa de Flávia dos Santos Tavares, que em 2020 deu início ao seu mestrado para decifrar a genética destes carismáticos mamíferos marinhos com apoio do Programa Bolsas FUNBIO – Conservando o Futuro.

Em seu mestrado, concluído em 2022, Flávia fez coletas de material genético das duas espécies a partir de animais resgatados e reabilitados no Centro de Mamíferos Aquáticos do ICMBio, em Itamaracá, Pernambuco.

Os peixes-boi-marinho, também conhecidos como manatis, podem ser encontrados em diferentes pontos da costa do Brasil, entre o Alagoas até o Amapá. E é justamente na foz do rio Amazonas, no Pará, que seu caminho se sobrepõe com o do peixe-boi-da-amazônia, restrito à Bacia Amazônica.

Ao fazer a análise genética dos animais oriundos da foz do Amazonas, Flávia se surpreendeu ao se deparar com híbridos, indivíduos que carregavam genes de ambas as espécies. De acordo com a pesquisadora, há muitos fatores que podem levar à hibridização natural de espécies e a alta semelhança genética é um dos mais importantes.

Foto: Flávia dos Santos

Ainda que seja um fenômeno natural na foz do Amazonas, onde o rio encontra o mar, a pesquisadora explica que certos contextos podem pressionar as populações de peixes-boi para essa hibridização, como o desmatamento da mata nas margens dos rios, a perda de habitat, a caça ilegal ou mesmo a captura acidental por pescadores.

Em resumo, quanto menor for a oferta de alimentos, a qualidade do ambiente e o número de indivíduos em idade reprodutiva, maiores as chances dos peixes-boi se aventurarem fora dos seus domínios tradicionais e acabarem reproduzindo com seus “primos” de água salgada.

Tanto o peixe-boi-marinho quanto o amazônico são considerados ameaçados de extinção de acordo com a avaliação nacional do ICMBio.

A pesquisa também revelou parte da história evolutiva dos peixes-boi, comprovando pela primeira vez que a espécie dos rios amazônicos é mais antiga do que a dos mares, com muitos sinais de ancestralidade entre todos do grupo taxonômico, e permitindo uma maior compreensão da árvore genealógica destes parentes distantes dos elefantes e mamutes.

Estudar o passado é crucial para entender como os peixes-boi “evoluíram na região amazônica e em outros habitats, se adaptando e diversificando ao longo do tempo”, acrescenta.

Flávia é encantada pelo estudo dos mamíferos aquáticos desde a graduação e já na iniciação científica mergulhou nos mistérios dos peixes-boi. Aos poucos, a própria pesquisadora ajuda a encontrar respostas para as perguntas sobre estes animais e a entender como garantir sua conservação.

“Os peixes-boi ainda são enigmas para os estudos de biodiversidade”, pontua. “Foi crucial o apoio do Bolsas FUNBIO para avançar com as pesquisas. As coletas de material dos peixes-boi requerem um manejo bastante organizado e programado, principalmente por se tratar de diversos fatores como: serem animais ameaçados de extinção, serem animais com instruções específicas de manejo para reintrodução à natureza, animais de grande porte etc”, completa a doutoranda.

Foto: Flávia dos Santos

O encantamento – e a pesquisa – continua no doutorado, em que agora Flávia quer conhecer melhor esses híbridos de peixe-boi e caracterizá-los geneticamente, um dado vital para auxiliar o manejo e conservação dos animais porque mesmo sendo natural, a ciência ainda não sabe quais seus efeitos a médio e longo prazo.

Do lado preocupante da balança, a hibridização pode gerar um desequilíbrio genético nas populações e gerar uma pressão seletiva na escolha por parceiros sexuais. Com isso, pode haver uma diminuição da capacidade reprodutiva, o que poderia levar até mesmo à extinção no longo prazo, alerta a pesquisadora. O que afeta não apenas as espécies, mas os ecossistemas que dependem delas.

No próximo passo da sua pesquisa, Flávia espera que os estudos genéticos dos híbridos tragam ainda mais respostas e possam orientar as melhores estratégias de manejo e conservação para garantir o futuro dos peixes-boi, tanto nos rios quanto no mar.

*O conteúdo foi originalmente publicado pela FUNBIO

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