Considerada uma carne de caça, a carne de javali é uma das mais consumidas do Brasil. Foto: Blog Central das Lareiras
Um estudo publicado recentemente pela revista científica Nature revelou que o desmatamento reduziu em 75% o acesso à carne de caça pelos povos indígenas e comunidades tradicionais da Amazônia. Segundo a pesquisa, áreas desmatadas da Amazônia estão contribuindo para a redução do insumo, importante fonte de alimento dos habitantes daquela região.
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Mas, o que é carne de caça? É permitido consumir este tipo de alimento? Quais os riscos? Porque é um item fundamental para os povos tradicionais? Para responder essas perguntas, o Portal Amazônia conversou com o Luiz Antônio Nascimento, sociólogo e doutor em História Social para explicar sobre esse tipo de alimento.
O que é carne de caça?
Também conhecida como carne exótica, a carne de caça é aquela derivada de animais silvestres que vivem habitualmente na natureza e que não são domesticados. Paca, cutia, veado e tatu são alguns dos exemplos de espécies mais consumidas.
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A carne de caça é considerada uma prática milenar na alimentação da humanidade, que desde os tempos primórdios utilizou da caça e consumo de animais para sobrevivência, algo que perdurou até os dias de hoje através dos povos originários e comunidades tradicionais.

“A humanidade se moldou ao longo de sua existência, em grande parte, devido ao consumo de proteína animal. A necessidade da caça foi fundamental para a sobrevivência das sociedades primitivas, tornando-se também uma tarefa política e social, voltada para abastecer e alimentar a comunidade. “Transformou-se em um ato de sociabilidade”, explicou o professor..
Além da subsistência dos povos e comunidades tradicionais, a carne de caça oferece uma segurança nutricional em proteínas, ferro, vitaminas B e zinco àqueles habitantes. “Existem pesquisas publicadas recentemente que na Amazônia brasileira, tem uma produção média de 370 toneladas de carne de caça, o que dá mais ou menos 25 quilos per capita por ano. Isso demonstra o quanto é fundamental a caça para esses povos”, comentou o sociólogo.
Carne de caça na Amazônia
O consumo da carne de caça é comum e faz parte da cultura alimentar de ribeirinhos, indígenas e populações tradicionais. Na região amazônica, mamíferos como paca, cutia, queixada (porco-do-mato), tatu, capivara e veado são historicamente os mais consumidos.
Jacarés das espécies açú, tinga, iguanas e lagartos também são algumas das caças que se tornam alimentos para as comunidades tradicionais.

Tipos da carne de caça
As carnes de caça podem ser divididas em três tipos principais: aves de caça, caças pequenas e caças grandes. As aves de caça mais comuns são pato, ganso, faisão e codorna. Avestruz e perdiz também entram nessa categoria.
Já as carnes de caça pequenas, como o próprio nome indica, são compostas por animais selvagens de pequeno porte, como coelho, paca, capivara, queixada e caititu.
As carnes de caça grandes são algumas das mais apreciadas, incluindo animais como veado, javali, bisão e jacaré. Répteis e anfíbios como cobra e rã, respectivamente, também entram na lista das carnes de caça.

Legislação
Essencial para o sistema alimentar dos povos e comunidades tradicionais, a carne de caça vem crescendo drasticamente nas cidades, especialmente no mercado informal, por meio da caça e venda ilegal. Isso tem provocado uma série de impactos negativos na saúde pública, na preservação dessas espécies e na alimentação tradicional dos povos originários.
O sabor mais forte e marcante, a textura mais firme da carne e o teor menor da gordura são alguns dos fatores que explicam a alta procura do item. Países da América do Norte como Estados Unidos e Canadá são bem flexíveis quanto à prática da caça dos animais.
No Brasil, a caça de animais silvestres e o comércio da carne de caça é proibida. A Lei 5.197/167, que dispõe sobre a proteção à fauna, em seu artigo 2º proíbe “o exercício da caça profissional”, enquanto que o artigo 3º veda o “comércio de espécimes da fauna silvestre e de produtos e objetos que impliquem na sua caça, perseguição, destruição ou apanha”.
A norma prevê a comercialização da carne em duas exceções: no caso de animais silvestres criados em cativeiros legalizados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e nos programas oficiais de manejo sustentável.
Javali, a exceção
O javali é o único animal que pode ser caçado legalmente no Brasil. Isso porque o Ibama, através da Instrução Normativa Nº 03/2013, autoriza a caça e abate da espécie, que é considerada como uma das piores espécies invasoras do mundo pela União Internacional de Conservação da Natureza.

Oriundo da Europa e introduzido no país na década de 1960 para o consumo de carne, o animal se espalhou e sua reprodução descontrolada resultou numa série de impactos ambientais e socioeconômicos, se tornando a segunda maior causa dos prejuízos na agricultura e pecuária brasileira. Diante da ameaça constante, o Ibama estabeleceu a IN 03/2013 visando o controle populacional do javali no território brasileiro.
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No entanto, a caça do animal exige uma série de regulamentações como, por exemplo, o registro dos caçadores como CACs (Colecionadores, Atiradores Desportivos e Caçadores), que devem atuar com uma autorização específica.
Riscos
Apesar de ser um importante item na cultura alimentar dos povos tradicionais, o consumo da carne de caça através de animais não criados e abatidos de forma legal está associada à transmissões de doenças aos seres humanos. Raiva, tuberculose, toxoplasmose e hanseníase são alguns exemplos de zoonoses que podem ser transmitidas através da contaminação das carnes de caça.

Entre 2019 e 2021, uma pesquisa apontou que 78% das 170 amostras de carne de caça de animais silvestres coletadas em Coari, município distante 363 quilômetros de Manaus, estavam contaminadas com Mycobacterium leprae, bactéria que dá origem a hanseníase. Além da doença de pele, foram detectados outros patógenos que dão origem a outras doenças como a leishmaniose, doença de Chagas e toxoplasmose.
O estudo, intitulado “Carne de Caça e saúde Humana: levantamento e detecção de zoonoses em carnes de caça comercializada na região do médio Rio Solimões”, foi coordenado pela doutora em Genética, Conservação e Biologia Evolutiva, Waleska Gravena, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam).
