Confira agora algumas curiosidades sobre os novos animais, destacando a importância das descobertas e a inspiração dos pesquisadores no momento de atribuir-lhes um nome. A lista completa com as novas espécies já está disponível na mais recente edição do Destaque Amazônia; confira:
Aranhas
Os aracnídeos são predadores pertencentes a uma subclasse do filo dos artrópodes que inclui, aranhas, ácaros, carrapatos, escorpiões, opiliões, entre outros. Estima-se que existam mais de 60 mil espécies diferentes de aracnídeos, classificados em 11 Ordens, sendo as mais conhecidas a Acari (ácaros e carrapatos), Scorpiones (escorpiões) e Araneae (aranhas). As aranhas se distinguem de outros aracnídeos pela fisiologia e pela capacidade de produzir seda. São animais com grande diversidade de estilos de vida, com hábitos diurnos ou noturnos e diferentes estratégias de predação, utilizando teias ou caça por busca ativa e emboscada.
A observação do trabalho dos sistematas na classificação das novas espécies permite entender como se dá o avanço da ciência e também revela um momento curioso: ao nomear as espécies, os cientistas se divertem homenageando colegas, a cultura do lugar onde a descoberta foi realizada, sem falar nas referências do mundo pop. Os artigos publicados em revistas especializadas de Zoologia são a principal forma de comunicar ao meio científico a descoberta das espécies.
O grupo do pesquisador e coordenador de Pesquisa e Pós-Graduação do Museu Goeldi, Alexandre Bonaldo, fez a reclassificação da família Oonopidae, descrita em 1800 e atualmente em fase de alterações. A grosso modo, diferenças na estrutura do abdômen de machos e fêmeas de espécies descritas mais recentemente fizeram com que as subfamílias até então conhecidas não servissem mais para classificá-las, exigindo a reformulação das categorias pelos pesquisadores envolvidos.
“O grupo de pesquisa em sistemática de aranhas do MPEG descreveu 141 espécies novas para a ciência nos últimos cinco anos. Estes esforços são geralmente realizados no contexto de revisões taxonômicas, trabalhos que abordam as descrições de espécies novas e, também, a contextualização das espécies previamente conhecidas. Nas revisões, o número de espécies avaliadas é, em geral, maior do que o número de espécies reconhecidas como novas. Outra peculiaridade desses estudos é que o corte é taxonômico e não geográfico”, acrescenta Bonaldo.
“Sapo morcego”
Ozzy Osbourne, uma das figuras mais lendárias e anedóticas do heavy metal mundial, já foi homenageado diversas vezes em sua vida como rockstar. Um grupo de cientistas brasileiros, fãs do músico e de sua banda Black Sabbath, descobriram uma nova espécie de sapo na floresta amazônica, a qual deram o nome de Dendropsophus ozzyi.
O anfíbio pertence ao gênero Dendropsophus, do qual fazem parte outras 88 espécies. Um aspecto que diferencia o D.ozzyi de seus “parentes” e da maioria dos anuros (sapos, rãs e pererecas) é a habilidade dos machos de se comunicarem por meio de cantos de anúncio de alta frequência, que podem alcançar a marca de nove quilohertz, comparável apenas aos sapos das espécies Odorrana tormota e Huia cavitympanum.
Ao ouvirem o trinado agudo e potente da nova espécie, os pesquisadores lembraram o som de um morcego, como explicou o biólogo que fez parte da equipe da descoberta, Pedro Peloso, pesquisador colaborador do Museu Goeldi e atualmente integrado ao quadro da Universidade Federal do Pará. A associação seguinte foi com o “Príncipe das Trevas”, Ozzy Osbourne, que em um show espantou a plateia ao arrancar com uma mordida a cabeça de um morcego atirado ao palco – mais tarde, Osbourne explicou ter pensado que o animal fosse de plástico. Daí veio o epíteto final “ozzyi” e a homenagem.
No estudo publicado pelo grupo de cientistas no periódico Zootaxa, que contou com a participação do biólogo Marcelo Sturaro, do Museu Goeldi e da Universidade de São Paulo, outros traços únicos do Dendropsophus ozzyi foram descritos. A começar pelo grande saco vocal, um pedaço de pele transparente que infla e garante a comunicação em alta frequência. O sapo também pode ser reconhecido pelo tamanho diminuto (já que não chega a dois centímetros), dedos pontudos, olhos saltados e uma coloração dorsal marrom com manchas escuras.
Até o momento, exemplares do D.ozzyi foram identificados em duas localidades: uma no lado ocidental do estado do Pará e a outra na parte oriental do estado do Amazonas, região do Baixo Amazonas. Os espécimes coletados para a descoberta desse anfíbio foram encontrados na Floresta Nacional de Pau-Rosa, localizada no município amazonense de Maués, e agora integram a coleção de anfíbios do Museu Goeldi.
A terra dos “zogue zogue”
A região de floresta amazônica, na fronteira dos estados do Amazonas e Mato Grosso, é uma morada de Callicebus, um gênero da ordem de primatas. Há uma grande presença de espécies diferentes do gênero na porção de terra cortada pelos rios Roosevelt, Guariba e Aripuanã. Além disso, elas também podem ser encontradas em boa parte do subcontinente sul americano e em pontos da América do Norte.
A descoberta de Plecturocebus miltoni ampliou a diversidade do lugar. A nova espécie de zogue zogue ou titi, como são popularmente conhecidos esse tipo de macacos, foi anunciada em artigo publicado no periódico Papéis Avulsos de Zoologia. O zoólogo e pesquisador do Museu Emílio Goeldi, José de Sousa e Silva Júnior, mais conhecido como Cazuza, é um dos responsáveis pelo trabalho de identificação e determinação da distribuição geográfica do primata.
“O primeiro espécime foi recolhido na Reserva Extrativista Guariba-Roosevelt, no Mato Grosso. Ele não era parecido com nenhuma das espécies conhecidas, então fizemos estudos de campo para ver se era o caso de uma nova espécie ou se era apenas um indivíduo aberrante”, conta o pesquisador. A cor avermelhada da cauda é a característica que faz o exemplar se destacar em meio aos outros Callicebus que habitam a região. Por causa desse traço singular, foi apelidado de “Rabo de Fogo”.
Depois de quatro expedições à região, outros espécimes foram identificados no sul do Amazonas, especificamente na área de terra firme entre os rios Aripuanã e Roosevelt. Uma das hipóteses levantadas pelos pesquisadores da espécie recém-revelada é que a limitação territorial imposta pelos dois rios gerou esse tipo único de Callicebus.
O nome científico do animal é uma homenagem ao cientista Milton Thiago de Mello, um dos estudiosos pioneiros na pesquisa sobre primatas no Brasil. “Percebi que todos os principais primatólogos já haviam sido homenageados, com exceção do Milton, então resolvi dedicar essa descoberta a ele”, disse José de Sousa.
Entre as novas espécies descritas por pesquisadores do Goeldi em 2018, também foi descoberta mais uma espécie de Callicebus: o novo primata recebeu o nome de Plecturocebus grovesi.
Espécies novas do passado amazônico
Os estudos dos seres vivos do passado da região amazônica permitem contar um pouco da história natural do presente. Achados de fósseis de peixes primitivos (Agnatha) e conchas (Brachiopoda) de hábito marinho na Amazônia atestam que, em seus primórdios, a região era dominada pelos mares. Os fósseis foram identificados como pertencentes à transição do período Siluriano para o Devoniano, há aproximadamente 416 milhões de anos.
De 2014 a 2016, foram descritas sete espécies de microcrustáceos fóssil (Ostracoda) por paleontólogos do Museu Goeldi, registrando novos exemplos da influência marinha no passado da Amazônia. Os Ostracoda são espécies tipicamente marinhas, encontradas em ambientes lacustres, que se estabeleceram durante o Mioceno (23 a 11 milhões de anos atrás). As hipóteses de onde, quando e como eles foram parar no local em que foram encontrados ainda geram muito debate no mundo acadêmico. A hipótese mais aceita é que o mar tenha entrado mais de uma vez, durante o Mioceno, pelo portal do Caribe, promovendo a formação de estuários e mangues, que se estendiam, ora mais, ora menos, para dentro do continente, salinizando os lagos e permitindo que a fauna adentrasse cada vez mais para longe da costa. Com o soerguimento dos Andes e a maior descarga fluvial, os ambientes foram se modificando e a fauna se adaptando aos ambientes atuais. Entre as sete novas espécies de microcrustáceos fósseis, destacam-se Pellucistoma curupira e Cyprideis ituiae.