Mudanças climáticas e microplásticos podem ser listados como duas das maiores ameaças que a humanidade e para a biodiversidade, de maneira geral. Ainda há uma grande lacuna, entretanto, sobre os potenciais impactos destas ameaças aos diferentes seres vivos, em especial aos menores e menos estudados organismos. Em sua pesquisa inédita, a bióloga Viviane Caetano, selecionada pelo Programa Bolsas FUNBIO – Conservando o Futuro em 2021, buscou entender o impacto do clima e da poluição plástica em criaturas fundamentais – e normalmente invisibilizadas – dos riachos amazônicos.
Os insetos fragmentadores são seres aquáticos que vivem no fundo dos riachos e alimentam-se das folhas que caem. Ao comerem e “fragmentarem” as folhas – daí o nome – esses insetos contribuem com a decomposição da matéria orgânica e a geração de nutrientes. E o objetivo da pesquisadora era esclarecer como as mudanças climáticas e a alta concentração de microplásticos poderiam afetar esse importante serviço ecossistêmico.
Para realizar sua pesquisa, Viviane elegeu um desses insetos fragmentadores, uma mosca d’água conhecida pela ciência como Phylloicus elektoros. A bióloga coletou larvas da espécie na Reserva Florestal Adolpho Ducke, em Manaus, Amazonas, e as levou para o laboratório. Em um ambiente controlado, a pesquisadora pôde manipular uma solução de microplástico e variáveis climáticas para criar cenários possíveis e a resposta da mosca d’água.
“Sem o apoio do Bolsas FUNBIO seria praticamente impossível a execução do experimento, visto que os reagentes e a solução de microplástico são muito caros. Então seria inviável adquirir isso”, destaca a pesquisadora, que também contou com o recurso para compra dos equipamentos necessários e para o campo de coleta dos insetos.
Um dos principais resultados da pesquisa é a confirmação de que tanto as mudanças climáticas quanto o microplástico reduzem a sobrevivência do inseto fragmentador. E nas situações em que as duas ameaças ocorrem simultaneamente, há uma redução do consumo de folhas e, consequentemente, um efeito direto na prestação do serviço ecossistêmico tão fundamental para a saúde dos rios amazônicos.
Entre as consequências dessa ameaça invisível estão a bioacumulação e biomagnificação. Isso porque além de ajudarem na decomposição da matéria orgânica, os insetos fragmentadores estão na base da cadeia alimentar em ecossistemas de riachos e igarapés. “E isso pode levar ao aumento das concentrações de microplástico através da cadeia alimentar, o que chamamos de biomagnificação”, conta a bióloga.
Isso significa que se um peixe consome centenas de moscas d’água, por exemplo, que possuem concentrações de microplástico em seus organismos, este resíduo será acumulado no corpo do peixe e assim por diante, até o momento em que, talvez, este animal seja consumido por um ser humano, numa ameaça direta a nossa saúde.
A pesquisadora explica que, por serem provenientes da degradação de plásticos maiores, os microplásticos possuem diferentes formas, composições químicas e aditivos, o que faz com que eles tenham diferentes densidades. Por isso, em um ambiente aquático, eles podem ser encontrados tanto no sedimento quanto ao longo de toda coluna d’água e até mesmo na superfície da água.
A lista de impactos, já conhecidos pelos cientistas, causados pelo microplástico incluem ainda o bloqueio do aparelho digestivo de organismos menores e até mesmo efeitos na regulação hormonal de animais, principalmente peixes.
Os resultados completos do experimento foram publicados no periódico científico Environmental Pollution, em março de 2023.
*Com informações da Funbio