Espécie invasora mexilhão-dourado, que tem de 2 a 22 mm de comprimento, e que preocupa cientistas. Foto: Reprodução/Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina
A invasão crescente do mexilhão-dourado na Amazônia acaba de ganhar seus primeiros dados científicos qualiquantitativos. A espécie invasora Limnoperna fortunei, popularmente conhecida como mexilhão-dourado, foi registrada pela primeira vez no rio Tocantins, em 2023, e desde então tem despertado grande preocupação entre pesquisadores, órgãos ambientais e comunidades ribeirinhas.
O novo estudo, intitulado ‘Golden but not precious: first quali-quantitative data on golden mussels bioinvasion in the Amazon‘, publicado na Acta Limnologica Brasiliensia, traz as primeiras análises populacionais da espécie na região e revela um cenário de dispersão acelerada e de forte potencial de impacto ecológico e socioeconômico na região.
Leia também: Espécies amazônicas invasoras causam prejuízo mundo afora
O molusco, originário do sudeste asiático, chegou à América do Sul provavelmente no início da década de 1990, por meio da água de lastro de navios mercantes, e rapidamente encontrou nas águas brasileiras condições favoráveis para a sua expansão.
“O registro do mexilhão-dourado na Amazônia é considerado relevante e alarmante devido aos severos impactos socioeconômicos e ambientais que a espécie ocasiona. Modelos de dispersão indicavam alto risco de invasão da bacia amazônica apenas a partir da década de 2030, com consolidação na década de 2050. O fato de já termos encontrado a espécie no rio Tocantins em 2023 destaca um potencial de proliferação muito mais acelerado do que se imaginava”, afirma o engenheiro de pesca Rafael Anaisce das Chagas, pesquisador de pós-doutorado na Universidade Federal do Pará e que atua como pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Norte (CEPNOR/ICMBio), e autor principal do artigo.
As amostragens que subsidiaram o novo estudo ocorreram em outubro de 2024, em três pontos sobre o Pedral do Lourenço, uma formação rochosa entre as cidades de Marabá e Tucuruí, no Pará. As coletas consistiram na raspagem das superfícies colonizadas, seguida de conservação das amostras em laboratório para identificação morfológica e análise genética. A equipe também realizou medição dos indivíduos e estimativas de densidade populacional, um dos principais indicadores do estágio de estabelecimento da espécie.
Invasão acelerada do mexilhão-dourado é alerta

Chagas explica que os resultados chamaram atenção pelo nível avançado da invasão. “A densidade populacional média encontrada foi de 11.940 indivíduos por metro quadrado, muito superior à registrada em 2023, de 88 indivíduos por metro quadrado. Isso indica que a espécie já se adaptou ao ambiente local e possivelmente já produziu ao menos uma vez, considerando que encontramos indivíduos entre 2 e 22 milímetros”, diz. Segundo o especialista, a presença de diferentes classes de tamanho revela que o mexilhão já completou, pelo menos, um ciclo reprodutivo na região.
A chegada do mexilhão-dourado ao rio Tocantins tem sido confirmada também por relatos de comunidades ribeirinhas e por registros em estruturas aquícolas. Em 2024, piscicultores do estado do Tocantins relataram a presença do molusco em tanques-rede, o que reforçou a hipótese dos pesquisadores de que a espécie havia entrado na região antes do primeiro registro oficial. Em setembro do mesmo ano, moradores de Marabá, Itupiranga e Tucuruí comunicaram ao Ministério Público do Pará o surgimento de bancos de mexilhões no Pedral do Lourenço, acionando uma força-tarefa com participação do Instituto Evandro Chagas (IEC).
📲 Confira o canal do Portal Amazônia no WhatsApp
Os efeitos ambientais do mexilhão-dourado são documentados. A espécie altera a transparência da água devido à sua alta capacidade de filtração, modifica a qualidade do habitat ao liberar grande volume de pseudofezes e acumula metais e toxinas. Além disso, pode reduzir a presença de animais que vivem no fundo dos rios, competir com espécies nativas por alimento e espaço, e provocar desequilíbrios na vida aquática, incluindo os peixes. Esses impactos comprometem o equilíbrio dos ambientes de água doce, diminuem a biodiversidade e afetam processos naturais essenciais para o funcionamento dos ecossistemas.
“A presença do mexilhão-dourado gera diversos impactos socioeconômicos na Amazônia. Já temos relatos de pescadores que perderam redes, de piscicultores que registraram prejuízos devido ao acúmulo do molusco em estruturas de tanques e de obstrução de tubulações por excesso de indivíduos em compartimentos hidráulicos, aumentando custos de manutenção”, relata Chagas.
A eliminação da espécie em ambientes naturais é considerada praticamente impossível. O controle, quando ocorre, limita-se a estruturas artificiais, como hidrelétricas e sistemas de abastecimento de água, utilizando combinações de métodos físicos, mecânicos, químicos e, em menor escala, biológicos. “A estratégia mais eficaz é o uso de protocolos integrados, combinando diferentes métodos capazes de manter estruturas livres de incrustações. Apesar de não ser possível eliminar a espécie do ambiente, é viável controlar seus impactos em sistemas construídos com manejo adequado”, explica o pesquisador.
A pesquisa recebeu financiamento do Instituto Evandro Chagas (IEC) e do Ministério da Saúde (MS) e apoio do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Norte (Cepnor/ICMBio).
*O conteúdo foi originalmente publicado pela Agência Bori
