Portal Amazônia responde: você sabia que Manaus já foi “invadida” por gafanhotos?

Em 1917, a cidade enfrentava uma das piores infestações da história. Os gafanhotos invadiram as ruas de Manaus e causaram diversos transtornos.

Foto: Sven Torfinn/FAO

“Moisés estendeu a vara sobre o Egito e o Senhor fez soprar sobre a terra um vento oriental durante todo aquele dia e toda aquela noite. Pela manhã, o vento havia trazido os gafanhotos, os quais invadiram todo o Egito e desceram em grande número sobre toda a sua extensão. Nunca antes houve tantos gafanhotos, nem jamais haverá. Eles cobriram toda a face da terra de tal forma que ela escureceu. Devoraram tudo o que o granizo tinha deixado: toda a vegetação e todos os frutos das árvores. Não restou nada verde nas árvores nem nas plantas do campo, em toda a terra do Egito”, Êxodo 10, 13-15.

Você sabia que Manaus (AM) já viveu um cenário caótico causado por gafanhotos que muitos lembram como o descrito na Bíblia? Isso mesmo. O caso aconteceu no dia 3 de junho de 1917, quando a capital amazonense foi atacada por uma nuvem de gafanhoto.

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“Guerra aos gafanhotos!” era a manchete que estampava o Jornal do Commercio à época. De acordo com a publicação, a cidade enfrentava uma das piores infestações da história, pois os insetos devastaram plantações, áreas verdes e comprometeram o funcionamento dos bondes elétricos, que circulavam pelas ruas.

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De acordo com o jornal, a invasão de gafanhotos não afetou apenas a zona urbana de Manaus, mas também suas áreas suburbanas e colônias agrícolas, como Campo Salles, João Alfredo e Oliveira Machado. Os insetos se espalharam rapidamente, consumindo folhas, flores e frutos, comprometendo a subsistência da população que dependia das lavouras para alimentação e comércio.

Além dos prejuízos na agricultura, os gafanhotos também afetaram o transporte público. Os trilhos dos bondes ficaram cobertos por uma camada viscosa, formada pelos insetos esmagados, o que causava descarrilamentos e acidentes. A situação foi se agravando e o governo precisou agir rapidamente para evitar um colapso na cidade.

A publicação informou que a situação ficou tão crítica que as autoridades ofertaram pagamento pelos gafanhotos. A proposta transformou o problema em uma oportunidade financeira para muitas famílias de Manaus. Algumas pessoas se dedicaram integralmente à coleta dos insetos, conseguindo uma renda significativa. Diante disso, o governo decidiu reduzir o valor pago por quilo de gafanhotos, passando de cinco para três mil réis, pois os gastos estavam aumentando rapidamente.

Apesar da intensa mobilização, a praga persistia. Os gafanhotos continuavam a se reproduzir, e a população começou a organizar novenas pedindo que a infestação chegasse ao fim. A esperança veio com a chegada das chuvas de novembro. O solo encharcado impediu a eclosão de novos ovos, fazendo com que a praga desaparecesse gradativamente.

Foto: Reprodução/Jornal do Commercio

Evento pontual

O Portal Amazônia conversou com a taxonomista especialista em gafanhotos, Kátia Matiotti, sobre essa infestação em Manaus. Segundo ela, foi um evento pontual.

Kátia explicou que, normalmente, os gafanhotos não representam uma grande ameaça. No entanto, em condições específicas, como períodos de seca, ambientes propícios para busca de alimento e reprodução podem causar mudanças drásticas. Cada fêmea coloca 90-120 ovos. Com uma grande quantidade de gafanhotos em bando adotam o comportamento migratório.

A especialista explica que os gafanhotos formam bandos ou nuvens, para se alimentarem e reproduzirem. Esse comportamento é natural e está relacionado com a genética dos insetos. As ninfas sem asas que, posteriormente, se transformam em bandos de adultos alados. Tanto os bandos se deslocam rapidamente, destruindo plantações e vegetação natural. Os adultos, que são voadores poderosos, podem percorrer grandes distâncias, consumindo a maior parte da vegetação verde por onde passam.

“Quando os gafanhotos se sentem ameaçados ou enfrentam dificuldades, como o desmatamento e as mudanças climáticas, eles saem em busca de alimento – assim como qualquer outro ser vivo. Se a área onde estavam se torna inviável, seja pela falta de comida ou por impactos ambientais, eles migram e acabam se reunindo em grandes grupos”, explicou.

Foto: Reprodução/X-gobdecordoba

Apesar do impacto ambiental significativo, Kátia reforça que os gafanhotos não representam riscos diretos à saúde humana. No entanto, o mesmo não se aplica à vegetação. “Fora o incômodo, eles não fazem mal aos seres humanos. Mas às plantações, sim: podem devastá-las em questão de segundos. Também podem destruir completamente a vegetação natural de uma área, consumindo qualquer tipo de planta verde que encontrarem”, alertou.

Outro desafio enfrentado pelos produtores no país é a oviposição dos gafanhotos, no caso, as fêmeas depositam os ovos no solo. “Diferentemente de outras espécies de insetos, os gafanhotos enterram seus ovos na terra, o que dificulta sua localização. Dessa forma, os ovos eclodem e um novo ciclo de destruição se inicia”, explicou a especialista.

Mais de um século após a última grande infestação de gafanhotos em Manaus, especialistas seguem estudando o comportamento desses insetos. Kátia informa que ainda não há uma forma precisa de prever quando ou onde um novo “surto” pode ocorrer. Atualmente, a principal estratégia utilizada pelos agricultores é o uso de pesticidas, mas essa medida não garante total eficácia e pode afetar outras espécies.

“O uso de pesticidas deve ser controlado e autorizado pelas autoridades, pois os agrotóxicos exigem prescrição, são regulamentados e podem representar riscos tanto para a saúde humana quanto para insetos benéficos, como as abelhas”, finalizou.

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