Incêndio na floresta amazônica. Foto: Christian Braga/Greenpeace
As florestas tropicais cobrem cerca de 50% do continente sul-americano e estão concentradas principalmente na Amazônia (74%) e na Mata Atlântica (12%). Juntos, esses biomas abrigam mais de 26% de todas as espécies de árvores nomeadas e 10% de todas as espécies nomeadas de plantas e vertebrados na Terra. No entanto, estes ecossistemas estão cada vez mais ameaçados pela intensificação do regime de fogo, frequentemente associados a mudanças no clima e no uso da terra, incluindo extração madeireira e fragmentação florestal. Atualmente, 2,4 milhões de km² da extensão original das florestas da América do Sul já foi desmatada.
As informações fazem parte de um mapeamento histórico feito pelo professor Divino Silvério, docente da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra) campus Capitão Poço, junto aos pesquisadores Eddie Lenza, Letícia Gomes, Lucas Paolucci, Paulo Brando e Marcia Macedo. Divino Silvério lidera o capítulo “Fogo nas Florestas Tropicais da América do Sul: Examinando o Passado para Entender o Presente e Prever o Futuro”, que integra o livro “Fogo nas florestas tropicais da América do Sul”, publicado pela editora Springer.
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Segundo o professor, os novos regimes de fogo trazem desafios para a conservação dessas florestas, pois a maioria das espécies destes ecossistemas não está adaptada à incêndios frequentes e intensos. A raridade de incêndios naturais no passado fez com que as árvores também não precisassem desenvolver resistência ao fogo. Na Amazônia e na Mata Atlântica, as árvores normalmente possuem casca mais fina do que em outras florestas, tornando-as mais vulneráveis aos incêndios.
É o caso de árvores conhecidas popularmente como louro-seda; canela-de-veado e cedrilho.
“A baixa frequência de incêndios historicamente permitiu que essas florestas mantivessem sua estrutura e diversidade, mas mudanças recentes nos regimes de fogo estão desafiando essa estabilidade”, diz o pesquisador.
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A capacidade de algumas espécies nascerem novamente também é prejudicada. Segundo o professor, a capacidade de rebrotar após um evento de fogo também é uma adaptação importante. “Embora muitas espécies rebrotem após o fogo, esses brotos tendem a morrer nos anos seguintes à perturbação e não se tornam plantas maduras”, explica Divino Silvério.
O desmatamento em larga escala está reduzindo a quantidade de chuvas em algumas regiões. Essa alteração, combinada com temperaturas mais altas e maior frequência de secas, intensifica a vulnerabilidade das florestas a incêndios de grandes proporções. Segundo o pesquisador, é um ciclo perigoso em que o desmatamento amplifica os efeitos das mudanças climáticas que, por sua vez, aumentam o risco e a severidade dos incêndios, ameaçando ainda mais a biodiversidade, o estoque de carbono e os serviços ecossistêmicos dessas florestas.
Impacto direto na fauna
O fogo não afeta apenas a sobrevivência das plantas, mas também seu crescimento e reprodução. Estas mudanças podem impactar diretamente nas populações animais e humanas que dependem das flores, frutos, sementes e demais recursos florestais. Na fauna, os efeitos diretos e de curto prazo dos incêndios incluem mortalidade, emigração forçada e redução do sucesso reprodutivo das espécies.
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O pesquisador diz que há estudos sobre a possibilidade de animais maiores tenham mais sucesso escapando de incêndios. Mas pequenos mamíferos, aves, cobras e jabutis podem sofrer mortalidade direta por estresse térmico, asfixia por dióxido de carbono, estresse fisiológico ou predação durante o processo de fuga. Como algumas plantas frutíferas são especialmente vulneráveis aos incêndios, isso pode reduzir a abundância de grandes vertebrados frugívoros e até causar extinções locais de espécies associadas a florestas primárias.
“Os animais mediam processos ecológicos-chave que estão diretamente relacionados à recuperação natural das florestas, incluindo dispersão de sementes, controle de herbívoros, ciclagem de nutrientes e decomposição. Ao alterar as comunidades animais, os incêndios também podem afetar essas interações planta-animal, desencadeando retroalimentações que reduzem a resiliência das florestas ao fogo”, diz.
Aumento de problemas respiratórios
Além da enorme perda da biodiversidade, os incêndios podem causar poluição severa do ar, resultando em sérios problemas respiratórios e até mesmo mortes. Pesquisas anteriores indicam que os incêndios em paisagens são a principal causa de morte de cerca de 10.000 pessoas por ano na América do Sul, número que quase dobra durante os anos de El Niño.
Divino Silvério explica que a política de desmatamento zero e a restauração florestal são intervenções chave para reduzir a ocorrência de incêndios em florestas tropicais. Estas são ações importantes para políticas eficazes de manejo do fogo e conservação. Mas não só isso.
O pesquisador cita três medidas urgentes que precisam ser implementadas para mudar esse cenário.
- Sistemas de alerta precoce e monitoramento de longo prazo dos impactos dos incêndios nos ecossistemas;
- Investir em novas tecnologias para a agricultura familiar que possam servir como alternativas ao uso do fogo;
- Implementação eficaz das leis de manejo do fogo.
Livro

Todos esses dados fazem parte do capítulo “Fire in South American Tropical Forests: Examining the Past to Understand the Present and Predict the Future” (título original em inglês), integrante do livro “Fire in the South American Ecosystems”, editado por Alessandra Fidelis e Vânia R. Pivello. O livro possui 14 capítulos, a maioria escrita por pesquisadores sul-americanos.
Segundo o professor Divino Silvério, os pesquisadores realizaram uma revisão ampla, sistemática e integrada da ecologia do fogo nas florestas tropicais da América do Sul, analisando o conhecimento existente sobre alterações nos regimes históricos de fogo, mudanças no uso da terra, e os impactos ecológicos na região. Além de indicar medidas urgentes e sinalizar questões sobre o tema que ainda necessitam de mais estudos.
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“O livro preenche uma lacuna importante ao trazer uma síntese sobre o que a gente sabe e estuda sobre os efeitos do fogo. Nós ainda não tínhamos um livro-base sobre a ecologia de fogo para América do Sul, que abordasse os diferentes ecossistemas da região”, diz Divino Silvério.
Resumos dos capítulos em português: https://link.springer.com/book/10.1007/978-3-031-89372-8
*Com informações da UFRA
