Floresta na Bacia Itacaiúnas. Foto: João Marcos Rosa
“O calor aumentou, as chuvas estão mais dispersas, o inverno não é mais o mesmo”, relata o apicultor e técnico agrícola Hernanes Martins, morador de Canaã dos Carajás (PA), um dos oito municípios que integram a bacia do rio Itacaiúnas.
A percepção do morador foi comprovada por cientistas do Instituto Tecnológico Vale (ITV) em pesquisas em parceria com a Universidade Federal do Pará (UFPA). Os estudos envolveram modelagem climática regional e simulação de substituição da floresta por pastagem.
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As análises levaram em conta dados a partir da década de 60 e confirmam: a região ficou mais quente e seca e a floresta tem papel essencial para a regulação climática. Se a bacia do rio Itacaiúnas é considerada um microcosmo da Amazônia, a partir dali também é possível encontrar soluções para toda a floresta. Entre as alternativas apontadas estão os corredores ecológicos e as agroflorestas.
Dados
Em 36 anos, a região, que inclui o Mosaico de Carajás – área com cerca de 12 mil km² formada por seis unidades de conservação federais –, perdeu quase metade da vegetação nativa, o que contribuiu para elevar as temperaturas médias em até 0,6°C na parte leste da bacia e em algumas áreas a oeste, segundo o estudo Mudanças climáticas: a base meteorológica e cenários para Carajás.

“O futuro é incerto, mas, se continuar como está, provavelmente os impactos que já sentimos serão intensificados”, aponta Cláudia Wanzeler, doutora em clima e ambiente pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e pesquisadora do ITV em tecnologia ambiental e coautora da pesquisa.
Restauração como eixo de resiliência
Contudo, são as áreas estratégicas preservadas do Mosaico de Carajás que revelam caminhos para conter os impactos. Modelos climáticos do ITV do estudo Regulação do clima local mostram que, sem o Mosaico de Carajás e suas áreas protegidas, a temperatura local seria pelo menos 0,3°C mais alta.
Ou seja, as florestas funcionam como reguladores naturais: interceptam chuvas, protegem o solo e devolvem vapor d’água à atmosfera por meio da evapotranspiração, cerca de 15 km³ de água por ano, o equivalente a quase toda a vazão do rio Itacaiúnas, de acordo com o estudo O papel da floresta na proteção dos recursos hídricos.
A partir desses dados, os pesquisadores propõem a criação de corredores ecológicos conectando fragmentos florestais degradados às grandes reservas de floresta primária. Esses corredores favorecem o fluxo gênico da fauna e flora, reduzem o isolamento das espécies e melhoram o equilíbrio hídrico da região.
“Quanto mais próxima uma área desmatada estiver de uma floresta nativa, maior é o seu potencial de regeneração. É por aí que a recuperação deve começar”, explica Rosane Cavalcante, pesquisadora do ITV.
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Agrofloresta: o campo como aliado
Além dos corredores, os experimentos com sistemas agroflorestais (SAFs) também são sugeridos como alternativa para áreas já degradadas. A iniciativa combina espécies agrícolas e nativas em um mesmo espaço, permitindo que a produção rural caminhe junto com a recomposição florestal.

Hernanes Martins participou dos experimentos conduzidos pelo ITV com a implantação de unidades agroflorestais na região. Em quatro anos, as áreas passaram a abrigar bananeiras, mamoeiros e espécies nativas amazônicas, restaurando o solo, gerando renda e protegendo nascentes.
“Diante da briga contra o desmatamento e as mudanças do clima, o SAF é a melhor alternativa para fazer frente ao monocultivo, já que restaura a floresta e as matas ciliares, gera empregos e renda, tudo isso em uma pequena unidade”, defende o apicultor.

De acordo com Paulo Pontes, pesquisador em recursos hídricos no ITV, as simulações mostram que, sem restauração, o oeste da bacia, onde predominam as áreas protegidas, tende a sofrer a maior redução de disponibilidade hídrica nas próximas décadas.
“Reflorestar não é apenas recuperar o verde. É garantir água, temperatura estável e segurança ambiental para toda a região”, destaca o pesquisador.
Por que contar esta história é importante
A Bacia do Rio Itacaiúnas, no sudeste do Pará, é um retrato da Amazônia em transformação: intensa pressão econômica, perda de cobertura vegetal e, ao mesmo tempo, oportunidades concretas de regeneração. Divulgar evidências científicas sobre restauração e agrofloresta é mostrar que a recuperação do bioma amazônico depende de planejamento, ciência aplicada e protagonismo local.
*Com informação da Mata N’Ativa
