Com maior incidência de eventos climáticos extremos na região, professor da Ufac ressalta que anos de ‘La Niña’ costumam não apresentar secas intensas.
Após a segunda maior cheia já registrada em Rio Branco, ocorrida em março deste ano, o nível do rio Acre segue reduzindo na capital acreana. Em todo o mês de abril, o manancial ficou abaixo dos sete metros, sendo que o maior índice foi marcado no dia 14, quando marcou 6,42 metros.
A marca representa um contraste com o mês de março, quando o rio chegou à marca de 17,89 metros no dia 6. Somente no dia 11 daquele mês, ou seja, cinco dias depois, o rio Acre saiu da cota de transbordo, de 14 metros.
O Acre enfrentou cheias que atingiram 100 mil pessoas, com 19 das 22 cidades do estado (86%) em situação de emergência, áreas sem energia elétrica, aulas suspensas, plantações perdidas e o registro de quatro mortes. Um mês depois, o rio Acre, principal afluente do estado, registrou níveis baixos em Rio Branco em comparação com o mesmo período no ano passado.
No mês de maio, o manancial começou medindo 4,89 metros. No último sábado (4), às 6h, o Rio Acre marcou 4,50 metros, sete centímetros a menos em comparação com a medição do dia anterior.
O coordenador da Defesa Civil Estadual, coronel Carlos Batista, afirmou em entrevista à Rede Amazônica que o nível do rio está abaixo do mesmo período em 2023, o que pode ser indicativo de seca intensa em 2024.
“No ano passado, o Rio Acre, no dia 1º de maio, ele se encontrava em uma cota de 6,33 metros. Este ano, no mesmo dia 1º de maio, está em uma cota de 4,89 metros. Portanto, é 1,44 metro a menos na cota do que no 1º de maio do ano passado”,
ressaltou o coronel Carlos Batista.
Ainda segundo Batista, a Defesa Civil do Acre espera um volume de chuva dentro da média. Porém, em meio ao cenário atual, o estado está se preparando e produzindo planos de contingência para amenizar os impactos de uma possível estiagem prolongada.
“A gente tem sempre que se preparar para uma situação mais grave, semelhante ou pior do que aconteceu o ano passado com todo o Sistema Estadual de Proteção e Defesa Civil. Este ano, já solicitamos de todas as coordenadorias municipais os seus planos de contingência voltados para os incêndios florestais, voltados para essa seca mais prolongada de se ocorrer, para que a gente entenda quais são as ações que os municípios estão fazendo e vão fazer durante esse período”, ressaltou.
No entanto, segundo o doutor em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Universidade Federal do Acre (Ufac), José Genivaldo do Vale Moreira, ainda não há elementos que indiquem risco de seca intensa em 2024.
La Niña
Apesar da maior incidência de eventos climáticos extremos, o especialista afirma que o fenômeno La Niña pode manter as temperaturas e os volumes de chuvas em níveis considerados normais para cada época.
Projeções indicam que as anomalias de temperatura da superfície do mar irão atingir a neutralidade até junho de 2024, com possibilidade do La Niña no segundo semestre. Em geral, os anos em que se registram este fenômeno tendem a não apresentar secas tão intensas.
“Se isso se confirmar, nós vamos ter um período de estiagem normal para a região, como todos os anos, porque nos anos de La Niña, em geral, não há essa seca tão intensa. Mas é preciso ver também que por volta de julho e agosto ainda vamos ter resquícios do El Niño, então a gente pode registrar picos de seca. Porém, a expectativa é de que esse ano não tenhamos eventos extremos muito grandes”,
explicou Moreira.
Avanço em sistemas de alerta e contingenciamento
Historicamente, eventos extremos, em especial os de natureza hidrológica, têm impacto inversamente proporcional à sua frequência. Ou seja, os eventos com potencial de impactos mais severos ocorrem mais raramente dos que aqueles com menor potencial danoso. Porém isso tem mudado, segundo a avaliação de Moreira.
Ele também aponta para a redução do intervalo entre essas ocorrências de eventos naturais extremos. O professor ressalta que esses fenômenos dependem de diversos fatores, o que os tornam imprevisíveis.
“Apesar de estarmos atravessando o período conhecido como ‘ inverno amazônico’, quando se registra maior volume de chuvas e de vazões, os eventos registrados recentemente no Rio Acre estão associados a baixas possibilidades de acontecer. Ou seja, estão ocorrendo em ciclos cada vez menores e com maior intensidade. E com isso, há possibilidade maior de causar danos mais severos à população vulnerável. E não somente o impacto social, mas também econômico, uma vez que altera a rotina no ciclo produtivo da região”,
explicou José Moreira.
Ocupação urbana
O professor também destaca que não se deve descartar fatores resultantes da ação humana, como ocupação urbana em áreas suscetíveis aos impactos dos fenômenos naturais.
Na avaliação de Moreira, Rio Branco está inserida em um contexto geográfico típico que sofre consequências da variabilidade acentuada nos processos hidrológicos. Com isso, é comum a ocorrência de extremos, tanto de cheias quanto de estiagem, cujos impactos são acentuados, sobretudo à população de menor renda.
Em 2023, Moreira ressaltou que os eventos naturais só oferecem riscos se houver bem exposto, a exemplo da capital acreana, onde os impactos são sentidos com maior intensidade pois há maior ocupação e exposição de bens vulneráveis.
À época, o professor criticou a falta de maior planejamento com ações de longo prazo para atenuar os impactos.
A partir de 2024, segundo ele, a situação começou a mudar na capital. Foi criado um grupo para liderar pesquisas e monitoramento de secas e estiagens. Iniciado pela Defesa Civil Estadual, o Grupo de Estudo de Eventos Extremos da Amazônia conta com pesquisadores da Ufac, incluindo o professor, além de representantes Defesa Civil Estadual.
“Nós estamos partindo do zero, mas a ideia é que no futuro a gente tenha um centro de monitoramento gerido pela pela Defesa Civil em haja projeções. Esse ano a perspectiva é disso. Então, a gente tem cenários assim para atenuar os impactos”,
acrescentou.
*Por Victor Lebre, do g1 Acre