Entidades propõem a criação de áreas protegidas entre o Pará e Maranhão

A criação do Mosaico do Gurupi, um amplo território formado por áreas protegidas situado na Área de Endemismo Belém (AEB), com o objetivo de favorecer a gestão de terras indígenas na região do Rio Gurupi, na divisa dos estados do Pará e do Maranhão, foi o tema de reunião com várias entidades e instituições realizada no último dia 17 de novembro em São Luís, capital maranhense.

Coordenada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio), em parceria com o Museu Paraense Emílio Goeldi, a criação deste mosaico visa favorecer a proteção e a gestão integrada de cinco terras indígenas, dentre elas, a Terra Indígena Alto Rio Guamá (TIARG), situada no Estado do Pará, e uma unidade de conservação federal, a Reserva Biológica (Rebio) do Gurupi.

O objetivo da proposta, feita pelo Museu Goeldi, é fortalecer a gestão e o combate aos crimes nas áreas protegidas. O Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará (Ideflor-bio) também participou dessa primeira reunião para a efetiva criação da área.

Foto: Reprodução/Ideflor-bio
Integridade

Esse amplo território, composto por áreas protegidas, é o último grande bloco de florestas ainda com integridade ambiental da Área de Endemismo Belém (AEB), uma vasta região biogeográfica que aloja espécies da biodiversidade amazônica que ocorrem ali, exclusivamente. Das oito áreas de endemismo que existem na Amazônia, esta é a mais devastada e ameaçada do ponto de vista de perda da biodiversidade.

Entre 2013 e 2014, o Museu Paraense Emílio Goeldi esteve envolvido em análises de três das oito áreas de endemismo existentes na Amazônia. O museu foi o responsável por um amplo diagnóstico, resultante do mapeamento daquelas que são justamente as três das mais ameaçadas da Amazônia: as de Belém, Xingu e Tapajós. O esforço exigiu meses de trabalho de campo e laboratório de pesquisadores do Museu Goeldi, com a colaboração do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA).

“O mapeamento das áreas de endemismo é importante porque os ecossistemas, assim como a biodiversidade, não são relacionados aos limites políticos, estabelecidos entre Unidades da Federação ou entre países. Se queremos e precisamos conhecer o quanto perdemos e o quanto ainda conservamos das paisagens originais da Amazônia, assim como a dinâmica de sua ocupação e de exploração dos seus recursos naturais, a escala mais adequada são as áreas de endemismo”, pondera Ulisses Galatti, pesquisador da Coordenação de Zoologia do Museu Goeldi (CZO) e coordenador do Programa de Biodiversidade do MPEG.

O vale do Gurupi, última porção da Amazônia maranhense, é foco de estudos do Museu Goeldi, através de sua coordenação para ações na região através do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia – INCT Biodiversidade e Uso da Terra na Amazônia – e também do Programa de Pesquisa em Biodiversidade – PPBio Amazônia Oriental. As pesquisas sobre biodiversidade na Rebio Gurupi têm contribuído para o avanço de políticas públicas que favoreçam a manutenção do território. Na região, há duas bases do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) – que trabalha, em conjunto com o Museu Paraense Emílio Goeldi, a rede de instituições do Programa de Pesquisa em Biodiversidade.

Graças aos estudos feitos na Rebio, foram encontradas novas ocorrências de espécies de aves, répteis e outros grupos de animais (muitas endêmicas, raras, e em risco de extinção). Constatou-se também que, apesar da destruição já sofrida, ainda há muito a se conhecer sobre a biodiversidade da fauna e flora do local.

O Ideflor-bio, por sua vez, desenvolve um trabalho de apoio à gestão ambiental e territorial junto à Terra Indígena Alto Rio Guamá (TIARG), localizada nos municípios paraenses de Paragominas, Santa Luzia e Nova Esperança do Piriá – que abrigam mais de 30 espécies da flora e da fauna ameaçadas de extinção no Pará, como os macacos cuxiú (Chitopotes satanas) e o caiarara (Cebus kaapori), classificados como criticamente ameaçados.

Esta terra indígena tem sofrido impactos socioambientais profundos e irreversíveis devido a ações de desmatamento promovidas por invasores não indígenas e pela indústria ilegal de madeira, que age impunemente na região. Esta situação de pressão e ameaças observada na TIARG, que faz fronteira com a terra indígena Alto Turiaçu, e com a área de amortecimento da Rebio Gurupi, não é diferente das áreas protegidas vizinhas, localizadas no Maranhão.

Além de fortalecer a gestão e o combate aos ilícitos nas áreas protegidas, a criação do Mosaico do Gurupi poderá facilitar ações conjuntas de recuperação nos locais das áreas protegidas onde a floresta foi desmatada ou degradada.

Entenda

Uma área de endemismo é uma porção geográfica que abriga ecossistemas próprios, que, apesar de estarem na mesma Amazônia, representam paisagens distintas e dinâmicas de biodiversidade peculiares, como se fossem Amazônias menores – a exemplo das florestas de terra firme, das florestas inundáveis de várzeas e igapós, e das áreas de vegetação mais aberta, entrecortadas por grandes rios.

Os 6,8 milhões de quilômetros quadrados do bioma amazônico são distribuídos por nove países sul-americanos. O Brasil concentra 60% dessa área – onde as florestas não são contínuas nem tão semelhantes como podem parecer à primeira vista.

Nesse contexto, a área de Endemismo Belém é a com situação mais crítica: já perdeu 72% das suas paisagens originais – devido, principalmente, à ocupação para fins agropecuários. Ela soma cerca de 243 mil Km² situados do leste do rio Tocantins até a Amazônia Maranhense. Envolve 69 cidades do Pará e 80 do Maranhão, sendo a faixa de ocupação mais antiga da Amazônia, na qual vivem 5,2 milhões de pessoas.

Também é uma das que seguem mais ameaçadas entre as áreas estudadas pelo Museu Goeldi: com apenas 28% de florestas nativas, a maior parte situada em Terras Indígenas e entre as rodovias PA-150 e BR-010, segue sofrendo a maior pressão de alguns setores, como o ruralista, sobre suas unidades de conservação.

Entre 2006 e 2009, a Reserva Biológica do Gurupi, que protege a última porção amazônica do Maranhão, foi reduzida de 341 mil para 271 mil hectares. Desde 2013, corre o risco de ser limitada a apenas 60 mil hectares, que correspondem a pouco mais de 17,5% da área original (com informações de Denise Silva, do Ideflor-bio).

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