Da raiz aos frutos: conheça as palmeiras das populações amazônicas

Elegantes. Úteis. Diversas. Dominantes. Elas estão entre as plantas mais importantes do bioma amazônico.

Antes da chegada dos colonizadores portugueses em 1500, o Brasil era conhecido como Pindorama, palavra do tupi-guarani que significa “terra das palmeiras“. A abundância, utilidade e a beleza dos detalhes conferiram a elas um lugar de importância na cultura material dos povos pré-coloniais.

As palmeiras pertencem à família Arecaceae e se diferenciam das demais plantas por apresentarem características peculiares. Podem ser solitárias ou agrupadas, podem germinar por sementes ou rebrotar formando touceiras, de estipes mais finos ou de diâmetros maiores. Algumas são de grande porte, outras nem tanto. O caule é lenhoso e cilíndrico, coroado por um penacho de folhas. As folhas mais alongadas são características físicas que conferem identidade às palmeiras, que ao esvoaçar ao vento se movimentam como em uma dança.

“Elas têm a maior área foliar entre diversas plantas e também algumas têm a capacidade de se reproduzirem assexuadamente por “rebrotação ou perfilhamento”, aponta Mário Augusto Jardim, engenheiro florestal, pesquisador da Coordenação de Botânica do Museu Paraense Emílio Goeldi e especialista na palmeira Euterpe oleracea Mart. 

As populações tradicionais mantêm estreita relação com as palmeiras, que por meio da produção de frutos e de outros insumos (folhas, cacho, madeira, raiz, seiva e palmito) que oferecem, movimentam a economia e fazem parte das culturas amazônicas. 

Conheça este grupo de plantas está entre as 227 espécies de árvores que são hiperdominantes no bioma amazônico:

Palmeiras das populações amazônicas. Foto:Divulgação

Miriti ou Buriti  (Mauritia flexuosa L.)

O miriti, palmeira também conhecida como buriti, é uma das maiores da Amazônia. Solitária e de tronco perfeitamente cilíndrico e reto, pode atingir alturas de até 35 metros. Apresentam frutos elipsoidais de até 7 centímetros, revestidos por escamas de cor avermelhada e polpa alaranjada ou amarelada.

Distribuído em toda a Amazônia e norte da América do Sul, o miriti é adepto aos terrenos alagados, como as beiras de rios e igarapés, onde podem ser vistos em grandes grupos. 

Além de se alimentarem dos frutos, as comunidades amazônicas ressignificam a palmeira, utilizando-a de diversas formas: as folhas, as fibras e os brotos são explorados na confecção de cestarias, do tipiti (objeto cilíndrico utilizado para espremer a massa da mandioca), paneiros, mantas, esteiras, redes e outros produtos. As folhas também são muito utilizadas na cobertura de casas.

Da polpa do fruto é possível fabricar uma diversidade de alimentos derivados, como sorvetes, geleias, licores e o vinho, que tem preparo semelhante ao do açaí. Também do fruto é extraído um óleo avermelhado utilizado na medicina tradicional como cicatrizante e para aliviar dores causadas por queimaduras. O líquido adocicado que sai do estipe das palmeiras é refrescante e pode ser ingerido como água. 

Miriti ou Buriti. Foto: Reprodução/site: o poder das frutas

Tucumã (Astrocaryum vulgare)

O tucumã é uma palmeira que brota em touceiras de 4 a 6 indivíduos agrupados. Pode chegar aos 10 metros de altura e ter estipe de 10 a 20 centímetros de diâmetro, recoberto de espinhos pretos de aproximadamente 20 centímetros de comprimento, que atuam como proteção contra insetos. Suas folhas pinadas e espinhosas medem aproximadamente 7 metros de comprimento.

Seus frutos são elipsoidais e podem atingir 3-5 cm de altura quando maduros. A polpa do tucumã é alaranjada, fibrosa, pode ter de 3 a 4 milímetros de espessura e é um importante componente nutricional, pois possui alta quantidade de provitamina A (caroteno). Paulo Cavalcante destaca que o consumo de apenas um fruto do tucumã (30g de polpa) é capaz de suprir 3 vezes mais a necessidade de vitamina A no organismo de uma criança e a dose normal para um adulto. Além das altas taxas de vitamina A, o tucumã também é rico em vitamina B e C e seu valor energético é de 247 calorias por 100g. 

Tucumã. Foto: Reprodução/Embrapa

Jarina (Phytelephas macrocarpa Ruiz & Pav.)

De caule curto ou acaule, a jarina é uma palmeira solitária que pode chegar aos 5 metros de altura quando adulta. Ela frutifica uma vez ao ano e cada exemplar da espécie produz, em média, de 6 a 8 cachos que podem atingir o tamanho de um crânio humano. Suas flores espalham pela floresta um intenso e inconfundível perfume.

Phytelephas macrocarpa Ruiz & Pavon. é endêmica do sudoeste e oeste da Amazônia, sendo que no Brasil é vista nos estados de Rondônia, Acre e Amazonas.

As populações humanas mantêm fortes relações socioeconômicas com a espécie, já que é uma das palmeiras de expressivo valor econômico por ser conhecida como “o marfim vegetal”. As amêndoas produzidas dentro das sementes são consideradas gemas orgânicas raras, por isso são largamente utilizadas na confecção de biojoias.

A semelhança ao marfim de origem animal deve-se à cor branca e ao brilho, embora a resistência e a duração das sementes sejam inferiores.

As propriedades físicas que permitem comparar a amêndoa da jarina ao marfim são conhecidas desde o início do século XX, quando a semente foi bastante usada para a confecção de botões, e só perdeu seu posto como matéria prima na confecção destes produtos quando foi substituída pelo plástico.

As relações antrópicas em torno da jarina também configuram ameaças à espécie. Mário Jardim alerta para possíveis danos à sustentabilidade da espécie em ambiente natural. “A semente de jarina é coletada para fins comerciais e novas plantas não estão surgindo. Isso causa um impacto nas populações da palmeira e, se neste atual momento não forem tomadas providencias para o manejo racional dessa espécie, ela tende a se extinguir”, atenta o pesquisador.

Uma semente de jarina leva em torno de três anos para germinar e o extrativismo não sustentável, sem o replantio da palmeira, é o principal fator que pode afetar a existência da espécie endêmica, explica Jardim. 

Jarina. Foto: Reprodução/facebook-Komani Biojóias da Amazônia

Babaçu (Orbignya speciosa (Mart.) Barb. Rodr.)

Nativo das regiões Norte e Nordeste, o babaçu chega aos 20 metros de altura com estipe que apresenta uma característica peculiar: ele agrega restos de folhas envelhecidas que caem. Aliás, as folhas ganham destaque na vegetação, pois podem atingir até 8 metros de comprimento, agrupadas de 15 a 20, sempre buscando o céu como sentido de crescimento.

Suas flores amareladas são reunidas em cachos longitudinais, já os frutos são ovais, têm cor castanha e casca extremamente dura, que conservam amêndoas oleaginosas. O óleo extraído das sementes é aplicado na fabricação de sabão, glicerina e azeite comestível.

Para se chegar aos produtos finais, o babaçu passa por um processo de coleta e tratamento bastante artesanal, que envolve mulheres na quebra das cascas. Essa atividade é muito antiga e consiste na abertura dos frutos a partir da utilização de fios de machados e porretes.

Babaçu. Foto: Divulgação

Açaí (Euterpe oleracea Mart.) 

A palmeira mais representativa do estado do Pará por sua importância social, econômica e cultural, é também uma das belas da Amazônia.

Esguia, de caule liso e ligeiramente curvado, pode atingir até 30 metros de altura em touceiras de aproximadamente 25 plantas em diferentes estágios de maturidade. No alto, o capitel consagra a beleza do açaizeiro com cerca de 12 a 14 longas folhas. O diâmetro do tronco varia de 15 a 25 centímetros, já os frutos redondos com pouca polpa medem de 1 a 1,5 centímetros de diâmetro. A formosura da palmeira é um chamariz para paisagistas que a utilizam em diferentes composições.

Foram registradas 49 espécies relacionadas ao gênero Euterpe nas Américas do Sul e Central, mas nenhuma se iguala em qualidade às nativas da Amazônia, seja no quesito botânico, econômico, na quantidade de indivíduos por área, na regeneração natural e outras características, de acordo com os escritos de Paulo Cavalcante. No Brasil são encontradas 9 espécies de açaí, já na Colômbia existem 19.

Do açaí, tudo se aproveita: folhas, frutos, cacho, palmito, tronco e raiz. O palmito é muito apreciado e explorado pela indústria, e este é um dos principais fatores de risco à espécie que, mesmo tendo sucesso no rebrotamento natural, ainda causa preocupação em especialistas.

As folhas são utilizadas na cobertura de casas, bem como na confecção de cestarias, em especial na produção de uma cesta utilizada como medida padrão no transporte e no comércio dos frutos nas cidades. O estipe é empregado localmente em pequenas construções, a raiz e a pasta do palmito são aproveitados em medicamentos naturais.

O fruto roxo é o principal produto extraído nas safras de julho a dezembro. Ele faz parte da alimentação cotidiana dos paraenses, sobretudo das populações ribeirinhas, cujo vinho – preparado de forma mecânica ou manual – é consumido como um complemento alimentar que acompanha peixes e camarões. A bebida também é regionalmente consumida com farinha de mandioca, de tapioca e açúcar. A fruta é rica em proteínas, fibras, lipídios, é uma fonte de vitaminas C, B1 e B2, e também possui boa quantidade de fósforo, ferro e cálcio.

Ao entrar no cardápio de outras regiões brasileiras, o suco do açaí passou a ter companhia da granola e frutas como banana e morango.

Mário Jardim tem um apreço especial pela espécie. “Como paraense, como amazônida, eu tenho um carinho por estuda-la há 28 anos. Sei que ainda tenho muito a aprender com ela, assim como os amazônidas paraenses. Aprender a conhecer do ponto de vista biológico, da importância paisagística, da importância da relação humana, não só como consumidores do produto, mas como amor à natureza”, disse. 

Açaí. Foto: Reprodução/Embrapa

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