“Pela primeira vez, uma só espécie ameaça a existência de milhões de outras”, afirma geógrafo sobre crise da biodiversidade

O geógrafo e pesquisador Carlos Durigan, do IPAM, comenta como a humanidade se transformou na principal causadora da crise da biodiversidade.

Foto: Reprodução/IPAM

Para o especial ‘Um grau e meio’, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), o geógrafo e pesquisador Carlos Durigan, que atua com projetos socioambientais há mais de 30 anos, discute como a humanidade se transformou na principal causadora da crise da biodiversidade.

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O especialista indica possíveis caminhos para soluções e comenta como estão os esforços internacionais para reduzir os danos sobre as espécies, inclusive a humana. Confira a entrevista:

Quais são as principais causas da crise da biodiversidade?

Existem diversos aspectos relacionados à geração desta crise, mas a principal causa é a combinação entre a destruição de paisagens naturais e a pressão de uso massivo e descontrolado de recursos naturais , que são fatores mencionados pelo IPBES (Plataforma Intergovernamental Científica e Política sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos).

A destruição e degradação dessas paisagens e o uso de recursos naturais sem o manejo adequado são uma ameaça muito grande, já que elas são áreas de vida, não só dos seres humanos, mas também de diversas espécies. O que está levando a uma erosão do conjunto de espécies existentes, um desbalanço entre elas. Onde ocorre um aumento populacional de espécies mais resilientes e a redução e extinção de muitas outras espécies.

O próprio IPBES, estima que em torno de um milhão de espécies estariam sofrendo algum grau de ameaça atualmente.

Assim como ocorre com a crise climática, que é basicamente provocada pelo ser humano, é a primeira vez que uma espécie sozinha, a humana, é responsável por uma crise que envolve a ameaça à sobrevivência de milhares de outras espécies.

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Como a crise climática está relacionada com a crise de biodiversidade?

Há um processo de antropização do planeta. Com o aumento populacional e a forma de viver e produzir que temos exercido, desde a revolução industrial, geraram-se impactos em larga escala. Essa é a fonte de todas as crises de caráter ambiental que a gente vive atualmente.

Em um primeiro olhar, a crise climática e a crise sob a biodiversidade ocorrem em paralelo. O aumento das ações que degradam o planeta foi afetando populações de diversos organismos, seja pela superexploração de algumas espécies, por meio da caça, da pesca, da destruição de habitats, ou pela sua contaminação. Até o momento essas causas eram comuns a ambas as crises, seja climática, seja da biodiversidade.

Nas últimas décadas, começamos a sofrer consequências da crise climática, o aquecimento do planeta, a redução de chuvas em alguns lugares, o derretimento de calotas de gelo, tudo isso também começou a interferir na vida e na sobrevivência de algumas espécies.

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Pode citar alguns exemplos?

É o que está ocorrendo nos recifes de corais com o branqueamento em várias partes do planeta, que tem relação com uma mudança química e de temperatura das águas. Isso já é uma consequência do aquecimento global.

Há também questões relacionadas às deformações dos ciclos, de mais ou menos chuvas, de circulação atmosférica da água, de regiões que estão se transformando em áreas mais áridas. Isso também começa a afetar a sobrevivência de muitas espécies, uma vez que se cria um cenário de muito desafio para as espécies que vivem nessas áreas.

Ainda não se conhecem muito bem alguns dos processos causados pela crise climática. Mas há hipóteses de que essas mudanças, de aumento de temperatura, redução de chuvas, estresse hídrico, estão levando espécies de plantas, por exemplo, a florescerem em épocas distintas das que floresciam no passado, ou a não florescer, ou a faltar o agente polinizador.

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Foto: Reprodução/Greenpeace

É possível reverter a crise da biodiversidade?

Esse é um desafio bem grande que temos pela frente. Por meio da Convenção da Biodiversidade, tem se buscado caminhos para estabelecer alguns critérios que poderiam amenizar a perda de biodiversidade, que a meu ver tem se demonstrado irreversível.

Na COP15 da CDB, em Montreal (2022), foi adotado o Quadro Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal (GBF), estabelecendo metas para conter a perda de biodiversidade. Assim como o Acordo de Paris foi um marco para as Convenções do Clima, o Acordo de Kunming-Montreal foi um marco para as Convenções da Biodiversidade na busca de estabelecer ações emergenciais para reverter o cenário devastador sobre a biodiversidade que vivemos atualmente.

Algumas metas foram estabelecidas para buscar reduzir os impactos que estão comprometendo a sobrevivência de muitas espécies. A partir disso, a ideia é que a gente consiga, se não reverter, ao menos amenizar a extinção em massa que está em curso.

Que pontos você destaca desse acordo?

Uma das metas determina que precisamos proteger pelo menos 30% dos ambientes naturais do planeta, esse é um número para ser atingido até 2030.

Além de reduzir a influência dos agentes que mais causam problemas para a biodiversidade, como a utilização de pesticidas ou agrotóxicos, reduzir a poluição e prevenir e controlar espécies exóticas invasoras. E, ao mesmo tempo, buscar constituir fundos financeiros que apoiem as ações de conservação.

É importante manter o maior percentual de áreas naturais íntegras no planeta, porque esse é um elemento que está dentro das relações de causa e efeito: quanto mais floresta viva e saudável, mais a crise climática é reduzida. Isso melhora a qualidade de vida, a qualidade dos serviços ecossistêmicos e, obviamente, as chances de sobrevivência de muitas espécies que vivem nessas paisagens naturais, reduzindo a crise da biodiversidade.

O Acordo de Kunming-Montreal está sendo cumprido?

Alguns países têm se comprometido muito para cumprir com a sua parte, são quase 200 países que assinam o acordo e assumiram compromissos para buscar estabelecer essa agenda. O Brasil mesmo tem buscado fortalecer várias das agendas relacionadas a essas metas. Por exemplo, o processo voltado à destinação de terras públicas para áreas de conservação e manejo.

Mas acredito que a gente ainda tem muito a fazer, porque apesar de algumas frentes avançarem, esse avanço sempre é emperrado. É como se o carro tivesse andando com o freio de mão puxado.

Há setores da sociedade que ainda não se convenceram da importância de desenvolver ações para reduzir a nossa pegada ecológica no planeta. Ainda há muita resistência e isso acaba impactando sobre potenciais políticas públicas que poderiam estar caminhando com mais fluidez.

Está prevista alguma discussão específica sobre biodiversidade na COP30?

Na COP de Cali surgiu a ideia de que as convenções devam se integrar mais, a ideia é que haja espaço de discussão para buscar convergências.

A questão da adaptação, precisa ser uma agenda que trabalhe com a agregação de conceitos e metas estabelecidos em outras agendas também, como a meta de conservar 30% das paisagens naturais. Provavelmente vão haver fóruns de conversas que envolvam trazer a agenda estabelecida lá em Montreal, para alguns elementos começarem a ser incorporados na agenda de clima.

Principalmente, a meu ver, essa questão relacionada à proteção de ambientes naturais. A própria agenda do TFF (Fundo Florestas Tropicais Para Sempre), tem uma relação direta com a questão da biodiversidade, envolvendo a proteção de territórios. Como também promover ações voltadas ao envolvimento de ações produtivas de baixo impacto, isto é, usar a biodiversidade sem fazer com que ela acabe.

*O conteúdo foi originalmente publicado pelo IPAM, escrito por Karina Custódio

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