Lagarta-do-cartucho-do-milho (Spodoptera frugiperda) e a curuquerê-dos-capinzais (Mocis latipes). São essas duas espécies de lagartas que têm devastado pastos e deixado rebanhos sem comida em Roraima. Mais de 7 mil bois e vacas morreram de fome, transformando propriedades rurais em cemitérios de carcaças.
Para entender como as duas espécies de insetos agem de maneira tão voraz, o Grupo Rede Amazônica conversou com especialista que explica as características e as diferenças entre elas. Um spoiler: elas comem sem parar tudo que é verde que veem pela frente.
Os 7.139 bois morreram em ao menos 40 dias nas fazendas de vários municípios de Roraima. A estimativa é de que ao menos 54 mil hectares de pasto – o equivalente a 75 mil campos de futebol, tenham sido devastados pelas lagartas.
Um dos motivo da infestação de lagartas é o desequilíbrio ambiental causado pelo El Niño intenso.
Entre os fatores estão:
Estiagem e seca histórica que Roraima enfrentou nos meses de janeiro, fevereiro e março, que destruiu ou enfraqueceu o pasto; Ausência de predadores para cessar a infestação das lagartas logo no início do período chuvoso, em abril.
O doutor em entomologia agrícola pela Universidade Estadual de São Paulo (Uesp), Cirano Melville pesquisa espécies de lagartas na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Ele detalhou as características e os desafios no combate a esse tipo de praga.
Melville explica quais são as fases mais críticas e o período em que ela “come tudo”. Os brotos dos capins são como picanha para elas, disse o especialista.
De acordo com ele, elas possuem quatro fases: fase do ovo (5 dias), lagarta (14 e 22 dias), pupa ou casulo (10 a 11 dias) e a fase adulta, a mariposa (10 a 12 dias), onde o inseto se reproduz e só se alimenta de néctar de flores.
“A fase mais crítica, considerada praga, é a fase de lagarta. Especificamente o quinto estágio de desenvolvimento, onde o inseto se alimenta mais intensamente, consumindo 80% de seu alimento total”, explicou.
Lagarta-do-cartucho-do-milho ou lagarta-militar
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A Lagarta-do-cartucho-do-milho, também conhecida como lagarta-militar, é considerada um pesadelo para os agricultores. Polífaga, ou seja, ela se alimenta de mais de 100 plantas antes de virar uma mariposa. No cardápio dela estão o milho, soja e capim dos pastos, o que a torna uma praga persistente nas áreas de cultivo.
“Com a intensificação da agricultura, quase não há interrupção no ciclo dessa praga, pois sempre há alimento disponível, como milho, soja e braquiária [capim usado para alimentar o gado], permitindo que a praga permaneça nas áreas cultivadas”, disse Melville.
Ele explica que a lagarta é uma das cinco principais pragas do Brasil pela dificuldade de combatê-la com produtos, processos e tecnologias destinados ao controle de ataques e infestações.
Essa espécie tem uma coloração variável, podendo ser verde, amarela, marrom ou preta. Possui o desenho na forma de Y na cabeça e quatro pontos pretos na parte dorsal do último segmento abdominal. Adulto é uma mariposa de cor cinza ou marrom, com uma envergadura de 3 a 4 cm.
O ciclo de vida dessa lagarta é relativamente curto, o que facilita sua rápida disseminação.
“Após eclodir do ovo, a lagarta pode completar sua fase larval em 14 a 22 dias, dependendo das condições ambientais. A fase de pupa dura entre 10 e 14 dias. No total, o ciclo de vida varia de 30 a 60 dias”.
Curuquerê-dos-capinzais (Mocis latipes)
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O curuquerê-dos-capinzais também é uma praga polífaga. Ela se alimenta de culturas como arroz, batata, cana, couve, milho, maracujá, soja e trigo. Seus danos são observados principalmente nas folhas, que ficam reduzidas e com mordidas formando desenhos.
Esta espécie se movimenta como ‘se medisse em palmos’. A coloração é verde clara, com listras pretas ou amarelas — os desenhos podem variar. Além disso, há pontos pretos distribuídos aleatoriamente de uma extremidade até a outra.
Mas esta não é a única cor que esta espécie pode ter. Em populações elevadas, elas mudam de coloração. O corpo torna-se preto, mantendo as listras brancas e os pontos pretos visíveis nas laterais do corpo.
“Seus danos são principalmente nas folhas, deixando apenas o talo da folha. O ciclo de vida pode ser acelerado por temperatura e umidade, com a fase larval durando 20 a 23 dias e a fase de pupa entre 10 a 14 dias”, explica Melville.
Morfologicamente, essa lagarta é identificada por um ‘Y’ invertido na cabeça e quatro pontos pretos no abdômen. Em populações elevadas, a cor pode mudar para preta, mantendo as listras brancas e os pontos pretos visíveis.
“Uma coisa bem interessante que pode ser dito [sobre essa espécie] se o produtor visualizar lagartas pretas nas pastagens é sinal de que a população está elevada e que o dano às plantas de capim estão ocorrendo em grandes proporções”, disse o professor.
Manejo e como evitar as lagartas
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Para lidar com essas pragas, Melville destaca a importância do Manejo Integrado de Pragas (MIP). Segundo ele, os produtores devem buscar orientação de profissionais, como agrônomos, e adotar práticas integradas que incluem controle biológico, químico e genético. Ela afirmou que o monitoramento contínuo é crucial para a identificação precoce e o controle eficaz dessas pragas. Além disso, é importante estar atento a sinais visuais nas plantações.
“Com a adoção de estratégias eficazes e um monitoramento rigoroso, é possível minimizar os impactos dessas pragas, garantindo a saúde das plantações e a segurança alimentar”. Melville disse que o combate é um esforço contínuo que requer atenção e ação rápida por parte dos agricultores e especialistas.
Reflexos do desequilíbrio ambiental
O Grupo Rede Amazônica esteve em dois locais que foram severamente afetados pela morte de rebanhos em fazendas por falta de comida: as vilas Samaúma e a Apiaú, município de Mucajaí, no Sul de Roraima. Na região, produtores perderam grande parte do gado. Emocionados, eles relataram o clima de desespero, apreensão e medo.
Historicamente, a criação do estado de Roraima se entrelaça com a da pecuária e, consequentemente, com os impactos ambientais que a atividade engloba, como o desmatamento. No entanto, desta vez, especialistas afirmam que ainda é prematuro associar o desequilíbrio ambiental das lagartas e mortes dos bois com a supressão de vegetação. Até agora, a principal relação é com o El Niño intenso dos últimos meses.
Foi neste cenário que o pecuarista Joaquim Simão Costa, de 55 anos, se viu obrigado a buscar pasto em outras regiões. Para fugir da fome, ele levou o rebanho a pé para uma fazenda alugada de um amigo na região do Truarú, em Boa Vista, distante quase 113 Km da Sumaúma, onde vive, numa viagem de aproximadamente 10 dias.
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No trajeto, muitos animais de Joaquim morreram e foram deixados na estrada, outros tiveram a carcaça arrastada pelo caminho. Vídeos mostram ele levando o rebanho pelas ruas para fugir da fome.
Na vila Samaúma, o cenário é de tristeza. Urubus sobrevoam por todas as partes nas ruas e nas estradas. Carcaças de bois e vacas mortos são vistas com facilidade nas margens das vias. As áreas de pastos se tornaram cemitérios dos animais que antes eram o sustento de famílias rurais.
No caminho, com o rebanho fraco e com fome, animais morrem e são abandonados. Rastros de sangue de cascos machucados são deixados na estrada. Tudo isso deixa Joaquim emocionado. Passar pela situação é um ‘pesadelo’ para ele, mas não há outra solução a não ser levar o gado para outro lugar que não esteja infestado por lagarta.
“É muito triste ver essa situação. Estamos enfrentando uma dificuldade enorme, muita tristeza. A situação está muito feia e difícil. Moro aqui há 40 anos. Nunca tivemos um fenômeno tão desesperador. Está muito difícil, nunca tinha visto algo assim. Fomos pegos de surpresa. Em dez dias o gado foi morrendo de fome na estrada, debilitado, caindo e ficando para trás. É uma tristeza imensa, muito difícil”, contou o pecuarista ao g1.
Com o decreto de emergência, o governo também criou o Programa Emergencial de Apoio à Pecuária Familiar, medida que prevê a contratação temporária de pessoas, dispensa de licitação para aquisição de bens e serviços essenciais, além da convocação de voluntários para reforçar as ações de resposta ao desastre.
Para o combate às pragas e recuperação do pasto nas propriedades, o governo, por meio da Agência Desenvolve, anunciou o repasse de R$ 1.750 aos produtores rurais. O valor será concedido por meio do programa Desenvolve Roraima. O teto máximo que cada produtor deve receber é de 5 hectares, o equivalente R$ 8.750.
*Por Caíque Rodrigues, da Rede Amazônica RR