Como preparação para cheia do rio em Roraima, indígenas Wai Wai estocam mantimentos

Da comunidade Jatapuzinho, o grupo faz um trajeto de 3 horas de canoa no rio Jatapú para levar mantimentos à aldeia. Período chuvoso em Roraima iniciou em abril e dura até setembro.

Comida, roupas e combustível, tudo isso cabe na canoa que leva indígenas Wai Wai para a Comunidade de Jatapuzinho, do outro lado do rio Jatapú, município de Caroebe, Sul de Roraima. Com o período chuvoso, o rio enche e isola a comunidade, por isso, eles se preparam com mantimentos para enfrentar chuvas intensas.

Os itens devem atender cerca de 600 indígenas na comunidade. O trajeto, descendo o rio até a aldeia, dura 3 horas de canoa. Eles compram os mantimentos na vila Entre Rios, no Caroebe. Após isso, contratam um frete que leva tudo até o final da BR-210, que termina onde o rio corta. Lá, eles se reúnem e levam tudo para a comunidade em uma canoa com motor.

Um dos indígenas que fez o trajeto foi o professor de língua materna Elias Oliveira, de 35 anos. Ele conta que os itens conseguem manter a comunidade por cerca de duas semanas. Segundo ele, anualmente neste período o nível do rio “cresce muito” e por isso a comunidade do Jatapuzinho está acostumada e se prepara.

Como a canoa tem um nível limitado de peso não é possível levar os mantimentos para todos os meses que compreendem o período chuvoso em Roraima, que inicia em abril e dura até setembro. Com o período seco, que se intensificou em fevereiro e março, a comunidade fazia esse trajeto de moto, agora só é possível com canoa.

Foto: Caíque Rodrigues/g1 Roraima

“Nesse ano o rio secou muito, secou bastante, a canoa nem passava mais. A gente tava vindo da comunidade de moto, trazendo tudo, agora dificultou. O rio tá cheio, só passa de canoa e a gente precisa fazer esse trajeto para levar as coisas que a comunidade precisa, com essa cheia, não tem como passar para o outro lado. A correnteza desse rio também é muito forte. Fica difícil para gente atravessar, o jeito é a canoa cheia mesmo”,

explicou.

“Com essa cheia, não tem como passar para o outro lado. A correnteza desse rio também é muito forte. Fica difícil para gente atravessar, o jeito é a canoa cheia mesmo”.

‘Rio é nossa estrada’

Para o agente de saúde Reginaldo Wai Wai, de 38 anos, durante as cheias o risco maior é de isolamento da comunidade. Ele destaca que existe um ramal na estrada que fica inundado. Por isso, para eles, o rio se torna a estrada.

“Para nós, indígenas do Jatapuzinho, o rio é nossa principal via de acesso, chamamos de nossa estrada, especialmente durante o período de cheia, quando o rio está cheio e facilita a navegação”, explica o agente.

Quem levou os mantimentos de Entre Rios até o curso d’água foi o motorista Antônio Freitas, de 43 anos. Ele destaca que, principalmente durante o período de cheias, faz fretes para o rio diariamente para diferentes comunidades indígenas que moram no baixo Jatapu.

Além do frete, Antônio também oferece manutenção nos motores das canoas. De acordo com ele, cada comunidade tem suas próprias necessidades e solicitações de frete. 

“Realizamos fretes praticamente todos os dias, devido à grande quantidade de indígenas e comunidades que precisam de nossos serviços. O transporte de mantimentos é essencial para que os indígenas possam passar um longo período sem precisar retornar, e a gente oferece esse serviço”, explica.

A Terra Indígena Wai Wai fica localizada a 350 km da capital Boa Vista e tem cerca de 400 mil hectares de terra. A região é conhecida pelo extrativismo da castanha do Pará – ou da Amazônia, como também é conhecida.

Início do período chuvoso

O período chuvoso começou oficialmente em Roraima no mês de abril após o estado bater o recorde da série histórica de focos de calor nos meses de fevereiro e março de 2024, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

O estado liderou o número de focos de calor do país em 2024 e concentrou 28% do total. Com a falta de chuvas, rios secaram e houve ocorrências de incêndios florestais que consumiu casas, animais e a vegetação.

Nos meses de fevereiro e março, Roraima foi consumida pelas chamas. A seca severa, que aumenta as possibilidades de incêndio, reduziu a vazão dos principais rios e levou 14 dos 15 municípios a decretarem emergência.

Além da diminuição dos focos de calor, o início do período chuvoso causou o aumento do nível do Rio Branco, o principal de Roraima. Devido aos efeitos da seca no estado, intensificada pelo fenômeno El Niño, o curso d’água chegou a registrar 39 centímetros negativos, a segunda maior seca da história.

Foto: Caíque Rodrigues/g1 Roraima

Agora, o rio voltou a atingir níveis positivos de acordo com a Companhia de Águas e Esgotos de Roraima (Caer), na última quarta-feira (8), chegou a 2,62 centímetros. No Rio Branco, durante o período seco, as dunas de areia tomaram conta da paisagem e a água corrente deu lugar à praia extensa.

Com o início das chuvas, um trecho da BR-174, a principal rodovia do estado, na região do município do Amajari, ao Norte de Roraima, chegou a alagar após a região próxima ao rio Internacional inundar. No mesmo município, as chuvas trouxeram de volta as águas nas cachoeiras de Tepequém, a principal região turística de Roraima.

Em Caracaraí, nos primeiros dias de maio choveu 126 mm, ou seja, 31% em relação à média geral histórica do período mensal, segundo a Fundação Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Femarh). Com as chuvas, uma casa ficou alagada, um posto foi inundado e um homem andou de canoa em rua submersa.

*Por Caíque Rodrigues, do g1 Roraima

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