Encontro das águas dos rios Negro e Solimões em Manaus. Foto: Janailton Falcão/Acervo Amazonastur
Quem já mergulhou nos rios amazônicos e tentou abrir os olhos debaixo d’água, com certeza se deparou com um cenário desfocado e de pouca visibilidade. Mas e os peixes? Como será que funciona a visão deles nas águas escuras e barrentas dos rios Negro e Solimões, respectivamente? Será que eles conseguem enxergar com mais facilidade?
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Para esclarecer essa dúvida, a equipe do Portal Amazônia conversou com o Dr. Luiz Peixoto, pesquisador adjunto no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e especialista em ictiologia (ramo da biologia que se dedica ao estudo dos peixes). Mas, antes da explicação técnica, é necessário entender o que é a visão.
Como funciona a visão humana?
A visão consiste num processo de captação de estímulos luminosos e formação de imagens através do cérebro, sendo os olhos os principais órgãos desse processo.
Quando a luz entra nos olhos, passa pela córnea, pupila e cristalino, que a foca na retina. Nela, células fotorreceptoras, chamadas cones e bastonetes, transformam essa luz em sinais elétricos, que são enviados ao cérebro pelo nervo óptico. O cérebro interpreta esses sinais e forma a imagem que você vê.
E como funciona a visão dos peixes?
Voltando à questão principal, Peixoto explica que a visão dos peixes funciona da mesma maneira que a dos seres humanos, mas adaptada ao meio aquático, e o que diferencia é a capacidade visual a partir das características dos diferentes ambientes aquáticos.
No caso das águas escuras do rio Negro e barrentas do Solimões, a visibilidade depende da quantidade de luz que penetra debaixo d’água e demais fatores como ação do vento, algas e partículas orgânicas suspensas.
“Os peixes conseguem enxergar em ambos os ambientes, tudo depende da disponibilidade de luz e quantidade de sedimento nas águas. Nos olhos dos peixes, os bastonetes são mais intensamente estimulados em ambientes de baixa luminosidade, dada a quantidade absurda de sedimentos como no Rio Solimões. Já os cones requerem luz mais brilhante, proporcionando assim a visão de cores. Portanto, a visão dos peixes é extremamente variável”, explicou o doutor.
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O especialista exemplifica que a capacidade visual de peixes populares da região amazônica – como tambaqui, pacu, bodó, entre outras espécies – se adapta em qualquer ambiente e se diferencia apenas por características físicas das mesmas.
“O olho do tambaqui em geral é o padrão comum de peixes, contudo, apresenta um estoque substancial de gordura coroidal, que é uma camada vascular e esponjosa do olho localizada entre a esclera – parte branca do olho – e a retina. As piabas normalmente ocupam igarapés, portanto, são mais dependentes de luz para enxergar melhor. Já o bodó tem uma íris que pode ser alterada de forma e tamanho e, hipoteticamente, essas alterações são funcionais para a camuflagem do olho no fundo dos rios e igarapés. Ou seja, além da função sensorial, o olho ajuda também na camuflagem”, reforça Luiz.

Visão dos peixes x visão humana
O pesquisador destaca que, apesar de serem estruturalmente semelhantes aos vertebrados, os olhos dos peixes tem diferenças peculiares, como lentes esféricas e rígidas e a percepção de cores ultravioleta (UV). Os humanos, por exemplo, possuem apenas três tipos de cones para a visão das cores vermelho, verde e azul.
“De um modo geral, os olhos dos peixes são estruturalmente semelhantes aos de outros vertebrados. Em síntese, a luz perpassa a córnea e penetra no olho pela pupila. Existem espécies com visão focal a curta distância, outras a médias distâncias ou mistas. O que muda é a processo de focalização da imagem. Por exemplo, alguns peixes regulam a posição do olho para mais externamente ou internamente, diferente dos humanos, onde o foco é delimitado pela alteração do formato dos componentes do olho”, pontuou Peixoto.
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Super-sentido?
Apesar de a visão ser um dos sentidos essenciais da vida humana, ela não é o principal meio de percepção do mundo utilizado pelos peixes. A linha lateral, como o nome diz, é um sistema sensorial localizado nos dois lados do animal, detecta movimentos e vibrações na água, como uma espécie de radar. Isso permite que os peixes detectem presas ou possíveis ameaças dentro da água.
“Alguns peixes utilizam a visão apenas como um sistema de percepção do meio de modo secundário devido a estruturas como a linha lateral ou a capacidade de perceber e produzir campos elétricos, no caso das tuviras”, revelou o ictiólogo.
Por tudo isso: sim, eles conseguem enxergar dentro dos rios amazônicos e dependem apenas de fatores externos e físicos relativos à luz para poder ver com clareza em seu próprio habitat. Já os humanos, é melhor pegar um óculos de mergulho e pular dentro do rio para imaginar a sensação da enxergar igual aos peixes.
*Por Dayson Valente, repórter do Portal Amazônia
