Captura de carbono: pesquisa mostra que lagos são mais eficazes do que a floresta na Amazônia

Biodiversidade enriquece relações ecológicas nos corpos-d’água e evita que gás carbônico seja liberado na atmosfera.

Os lagos tropicais em regiões de mata preservada acumulam mais carbono do que corpos-d’água de outras partes do planeta e, embora representem apenas 3% da área total de lagos do mundo, respondem por 10% da absorção de carbono nesse tipo de ambiente, segundo um estudo publicado em julho de 2022 na revista Nature Communications. Eles sequestram três vezes mais carbono do que formações semelhantes de regiões temperadas e 10 vezes mais do que nas regiões subpolares. Como estão em áreas remotas e sem estradas, na maioria dos casos, foram os últimos a serem estudados quanto à absorção de carbono.

“Embora a área total dos lagos represente uma proporção pequena dentro da Amazônia, eles acumulam carbono a uma taxa 39% maior do que a das florestas e devem ser considerados no balanço global de carbono desse ecossistema”, explica o geógrafo Leonardo Amora-Nogueira, que realizou a pesquisa com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Rio de Janeiro (Faperj) durante o doutorado na Universidade Federal Fluminense (UFF) com uma equipe de pesquisadores de vários países: Austrália, França, Reino Unido, Portugal, Estados Unidos e Suécia. 

A diferença ocorre porque a matéria orgânica produzida em grande quantidade nas florestas tropicais é levada pela chuva até os lagos, onde afunda e é coberta por sedimentos, formando camadas que não apodrecem, por falta de oxigênio, e o carbono que contêm fica aprisionado no fundo.

Copa das árvores encobrem lagos rasos e regiões alagadas do arquipélago de Anavilhas, no Rio Negro. Foto: Humberto Marotta/UFF

A equipe visitou 13 lagos em regiões remotas da Amazônia, usando um tubo para retirar amostras de solo com registros de 50 a 150 anos. Em seguida, fizeram a datação das camadas de sedimento e mediram a quantidade de carbono, o que permitiu calcular a taxa de absorção média de 113,5 gramas de carbono por metro quadrado por ano (g C m-2 ano-1) enquanto a taxa da floresta, indicada por estudos anteriores, é de 81,72 g C m-2 ano-1.

Segundo Nogueira, a Amazônia tem cerca de 15 mil lagos, com área aproximada de 20 mil quilômetros quadrados, quase o dobro da extensão da cidade de Manaus (AM). Eles representam cerca de 1% da área total da floresta e absorvem 2,7 milhões de toneladas de carbono por ano. No entanto, a estimativa pode aumentar, pois alguns corpos-d’água se formam em regiões planas e permanentemente alagadas, onde crescem árvores com copas que impedem que sensores em satélites detectem a água.

“Além disso, ainda não foram consideradas as várzeas de rios e áreas pantanosas, onde o solo é mais compacto e difícil de perfurar para retirar amostras”, acrescenta o geógrafo e ecólogo Humberto Marotta, um dos autores do artigo e orientador de Nogueira durante o doutorado na UFF. 
A descoberta coloca os lagos entre os ambientes com maior taxa de absorção de carbono no mundo, ao lado das planícies hipersalinas, dos manguezais e das gramas marinhas. A descoberta pode ter implicações para a escolha de áreas de conservação, uma vez que áreas da floresta com maior concentração de lagos sequestram mais carbono.

Os pesquisadores ainda pretendem calcular quanto carbono, na forma de gás carbônico (CO2), os lagos liberam para a atmosfera. “Como a sedimentação permite acumular carbono ao longo dos anos, é possível que a degradação desses ambientes resulte na liberação de quantidades consideráveis de CO2”, prevê Marotta.

A ocupação humana em lagos como o Jacaré, no Rio Tapajós, compromete a absorção de carbono. Foto: Humberto Marotta/UF

A biodiversidade protege o clima

Os lagos preservados da Amazônia absorvem três vezes mais carbono do que lagos degradados em áreas rurais ou urbanas, onde a vegetação é menos abundante e há menos matéria orgânica disponível ‒ dado que o estudo da Nature Communications obteve comparando os testes na Amazônia com estudos anteriores de outros grupos. O fator-chave para o bom funcionamento ecológico dos lagos, inclusive a capacidade de absorver carbono, é sua biodiversidade, segundo outro estudo publicado este mês na revista Nature Ecology & Evolution, realizado por uma equipe de pesquisadores radicados no Brasil, na China, na Turquia e na Finlândia.

Entre 2011 e 2012, eles visitaram 72 lagos localizados em regiões alagadas do Pantanal e dos rios Paraná, Araguaia e Amazonas e concluíram que a riqueza de espécies determina funções ecológicas que mantêm a produtividade do ecossistema, como a regulação da quantidade de seres vivos, das cadeias alimentares e do ciclo de nutrientes.

“Para medir a diversidade de funções ecológicas do lago usamos uma série de indicadores, como as quantidades de biomassa, de oxigênio e de nutrientes, como nitrogênio e fósforo”, conta o ecólogo Dieison André Moi, que realizou o trabalho durante o doutorado na Universidade Estadual de Maringá. Todos esses fatores são mais abundantes em lagos preservados e com múltiplas funções ecológicas. Ao comparar a biodiversidade – baseada em levantamentos de espécies realizados pela equipe – com a variedade de funções ecológicas, os pesquisadores perceberam que todos os indicadores diminuíam quando o número de espécies do lago era menor.
Lagos com alta biodiversidade, como este na planície do alto Rio Paraná, absorvem mais carbono.
Foto: Programa de pós-graduação em ecologia aquática (PEA)/Universidade Estadual de Maringá (UEM)

Para verificar o efeito da atividade humana na região do lago, os pesquisadores usaram um índice de pegada ecológica que considera fatores como densidade populacional, área construída, área de agricultura e de pastagem, proximidade de estradas e ferrovias e uso do lago para navegação. Concluíram que, quanto maior a pegada humana, menor era a biodiversidade e, consequentemente, menor o número de funções ecológicas no lago.

A biodiversidade turbina as funções ecológicas porque as espécies respondem de formas diferentes às oscilações ambientais ‒ quando algumas saem no prejuízo, outras proliferam, mantendo o equilíbrio total de funções ecológicas. Se há poucas espécies, uma queda nessas populações diminui drasticamente o número de peixes no lago. “Uma casa apoiada sobre um único pilar fica mais vulnerável. Mas com vários pilares a perda de um deles não afeta a estrutura da construção”, compara Moi.

A variedade de plantas aquáticas também pode favorecer os peixes. A traíra, por exemplo, é um peixe de água doce que se esconde entre as plantas aquáticas, à espreita de presas. Por isso prospera em ambientes com muitos vegetais, cheios de esconderijos. Certas bactérias ajudam a aumentar a produtividade do lago porque se reproduzem sem a necessidade de luz, usando o carbono disponível na água. Elas são comidas por protozoários e zooplânctons, seres diminutos que fazem parte da dieta dos peixes. “Esse ciclo sem luz é muito importante, pois complementa a produtividade que ocorre na presença de luz: a fotossíntese”, conclui Moi.

 Projeto

Ecossistemas aquáticos continentais sob mudanças climáticas: Impactos em múltiplos níveis de organização (19/08474-8); Modalidade Programa de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais; Pesquisador responsável Gustavo Quevedo Romero (Unicamp); Investimento R$ 2.694.986,33.

Artigos científicos
MOI, D. A. et al. Human pressure drives biodiversity – Multifunctionality relationships in large Neotropical wetlands. Nature Ecology & Evolution. On-line. 4 ago. 2022.
AMORA-NOGUEIRA, L. et al. Tropical forests as drivers of lake carbon burial. Nature Communications. v. 13, n. 4051. 13 jul. 2022.


*Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui, escrito por Gilberto Stam.

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