Urutau se disfarça para se proteger de predadores por meio da camuflagem. Foto: Dominic Sherony [CC BY-SA 2.0]
Os animais desenvolvem diversas estratégias para sobreviver e se reproduzir, especialmente os menores, que estão mais vulneráveis à predação. Entre essas estratégias, destacam-se os mecanismos de disfarce, que vão desde a camuflagem até o mimetismo.
Disfarces são essenciais para animais pequenos que precisam se proteger. A evolução impôs que os seres se adaptassem ao meio. Com modificações, diversos insetos conseguem se camuflar em árvores e folhagens, como é o exemplo do besouro do gênero Cratosomus que imita a coloração da rã-flecha (Ameerega trivittata), um anfíbio venenoso de coloração preta e verde neon utilizada para afastar predadores. Descoberto na Amazônia em 2019, este é considerado o primeiro caso descrito de mimetismo entre um inseto e um anfíbio.
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Na Amazônia, esses mecanismos podem ser observados em diferentes grupos de animais, desde insetos e anfíbios até mamíferos. A seguir, conheça os principais tipos de mimetismo e camuflagem presentes na região:
Mimetismo batesiano
Os animais conseguem mudar de cor, sumir no meio das folhas e alguns considerados inofensivos se parecem com outros perigosos, mas você sabe o porquê?
O mimetismo batesiano ocorre quando uma espécie inofensiva imita outra perigosa para afastar predadores. Um exemplo clássico é o das cobras-corais.
A cobra-coral verdadeira, pertencente à família Elapidae e ao gênero Micrurus, possui veneno neurotóxico e coloração aposemática com anéis vermelhos, pretos e brancos.
Por outro lado, várias espécies de serpentes inofensivas, como outras falsa-coral amazônicas (Oxyrhopus spp., Atractus latifrons, Erythrolamprus aesculapii, Anilius scytale), imitam esse padrão de cores.
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A semelhança entre as espécies torna difícil distingui-las a olho nu, e ajuda a falsa-coral a evitar tentativas de predação.
Na América do Sul existem diversas espécies de falsas corais, como a Falsa-coral Amazônica (Oxyrhopus rhombifer). De acordo com o pesquisador Lywouty Nascimento, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), responsável por encontrar novas espécies de cobra-coral, a crença popular de que “vermelho com preto é veneno certo” não é confiável, sendo necessária uma análise morfológica do animal.
“Essa frase é uma tentativa de regra mnemônica, mas não se aplica de forma precisa no Brasil. O padrão de anéis pode variar e divergir daquele padrão clássico, e muitas falsas-corais apresentam coloração quase idêntica à das verdadeiras. Além disso, a regra foi criada para as cobras-corais da América do Norte, com espécies diferentes. A identificação segura exige análise de detalhes morfológicos ou bom conhecimento taxonômico”, afirmou Lywouty Nascimento ao Portal Amazônia.
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Mimetismo mülleriano
No mimetismo mülleriano, duas ou mais espécies perigosas compartilham características semelhantes, reforçando o sinal de alerta para predadores. Na Amazônia, algumas espécies de Micrurus possuem padrões de cor semelhantes entre si, o que pode ser um exemplo de mimetismo mülleriano entre serpentes verdadeiramente peçonhentas.
“Ocorre entre duas ou mais espécies perigosas ou peçonhentas que compartilham padrões de coloração semelhantes. Nesse caso, todas são realmente perigosas, e reforçam mutuamente a aprendizagem dos predadores sobre aquele sinal de alerta”, destacou o pesquisador do Inpa.
O veneno da coral-verdadeira é neurotóxico, afetando o sistema nervoso, podendo causar paralisia respiratória e levar à morte em casos não tratados. Entretanto, os acidentes são raros, pois elas são escavadoras (fossoriais) e tímidas. Segundo o pesquisador, a inoculação do veneno pode ser difícil por causa do tipo de dentição das cobras, possuindo presas pequenas e fixas, e a maioria dos acidentes ocorre por manuseio indevido ou contato acidental.
Mimetismo agressivo
Há também casos em que o mimetismo não tem como função a defesa, mas sim o ataque. A aranha Aphantochilus rogersi imita formigas do gênero Cephalotes, que são sua presa principal.
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Ao se parecer com essas formigas, ela consegue se infiltrar nas colônias e se alimentar com maior facilidade, além de se proteger de outros predadores.
Camuflagem (cripticidade)
A camuflagem permite que um animal se assemelhe ao ambiente em que vive, dificultando sua detecção por predadores. Essa estratégia é comum em animais com coloração semelhante à casca de árvores, folhas secas ou musgo.
Um exemplo é o macaco parauacú (conhecido como “macaco velho”), cuja pelagem se assemelha ao musgo das árvores, o que o ajuda a se esconder em florestas fechadas, onde enfrenta predadores como harpias, onças e jaguatiricas.

A camuflagem limita o organismo a viver somente em áreas em que ele consiga se “esconder”. Outro caso é o do bicho-preguiça, cuja pelagem também facilita o mascaramento visual em seu hábitat.
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Camuflagem por disfarce
Alguns animais vão além da camuflagem tradicional e se disfarçam como objetos não comestíveis. Esse tipo de camuflagem, chamado também de mascaramento, não visa desaparecer completamente no ambiente, mas sim enganar o predador quanto à natureza do objeto.
O bicho-pau é um exemplo clássico de camuflagem. Outro é o gafanhoto do gênero Cephalocoema, que se assemelha a um ramo seco e pode ser confundido com o bicho-pau, dificultando sua detecção por predadores.
Diferentemente da camuflagem em que o ser “some” no meio, a cripticidade é uma forma de camuflagem em que o organismo se confunde com o ambiente por semelhança de cor, forma ou textura, dificultando sua detecção por predadores.
O bicho-pau utiliza essa capacidade, mas você sabia que existe o falso bicho-pau? Pois é, um gafanhoto do gênero Cephalocoema sp se passa por bicho-pau, tendo somente algumas diferenças imperceptíveis a olho nu. Os dois se assemelham a um ramo ou galho seco, o que os protege de predadores.
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A floresta é um ambiente onde a pressão por sobrevivência gerou uma diversidade impressionante de adaptações. Imitar, esconder, enganar ou parecer perigoso são apenas algumas das muitas estratégias desenvolvidas pelos animais para persistir nesse sistema complexo.
Aposematismo
O aposematismo é uma estratégia evolutiva em que os animais exibem colorações vibrantes e chamativas como forma de alertar predadores sobre sua periculosidade ou sabor desagradável. Diferente da camuflagem, essa estratégia busca ser vista e reconhecida como um aviso.
Na Amazônia, esse fenômeno é bem representado pelos sapos ponta-de-flecha, pertencentes à família Dendrobatidae. Esses anfíbios apresentam cores vivas (vermelho, azul, amarelo, verde, entre outras) que sinalizam a presença de toxinas na pele. Apesar de pequenas, essas espécies são evitadas por muitos predadores devido à sua “coloração de alerta”, como é conhecido.
As cobras-corais verdadeiras (Micrurus spp.) também são um exemplo de aposematismo. Seus anéis vermelhos, pretos e brancos servem de aviso visual para predadores, indicando a presença de veneno potente com ação neurotóxica.
Mas de onde surgiu o nome “ponta-de-flecha”? Esse nome vem da história em que indígenas utilizavam o veneno dos sapos nas flechas, assim, ao atingir o inimigo, ele seria envenenado com o conteúdo na ponta da flecha.
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*Por Heloíse Bastos, estagiária sob supervisão de Clarissa Bacellar