Documentos fazem parte da maior coleção particular do Brasil.
“A Magia do Manuscrito” é o nome da exposição que está acontecendo [até 15 de janeiro de 2023] no SESC Avenida Paulista, em São Paulo (SP), com uma coleção incrível de escritos, desenhos, autógrafos, bilhetes e cartas de personalidades históricas do Brasil e do mundo. Entre as relíquias, está uma carta-manifesto original do marechal Cândido Rondon, o patrono de Rondônia e herói da Pátria, que viveu entre 1865 e 1958.
A escrita de Rondon, impecável — da caligrafia ao conteúdo —, faz parte da maior coleção particular de documentos manuscritos do país. Pertence ao escritor e editor Pedro Aranha Corrêa do Lago. A mostra em São Paulo apresenta 180 documentos dos mais de 60 mil peças desde o século XII que o colecionador possui. A mesma mostra ocorreu em 2018, em Nova York, atraindo 85 mil visitantes.
O que diz a carta de Rondon
Datada de 14 de agosto de 1911, Rondon escreve, do Rio de Janeiro, em papel timbrado da Comissão das Linhas Telegráficas do Mato Grosso ao Amazonas. A carta não tem o nome de quem ela estava sendo endereçada — deve ser uma via para arquivo do signatário. Mas, deduz-se que o emitente se dirige ao presidente da Câmara dos Deputados, o mineiro Sabino Barroso Júnior (1859/1919).
Na época, estava em discussão na Câmara a participação dos militares na vida política nacional. O presidente da República, Hermes da Fonseca, implantou a “Política de Salvação” que consistia em intervenções militares em vários Estados sob a alegação de que governadores civis, eleitos, cometiam corrupção. O próprio Cândida Rondon foi proposto como interventor em Mato Grosso, e não o quis.
Naquele momento, o país vivia muitos conflitos implicando o Exército e a Marinha. Em 1910 houve a Revolta da Chibata e, em 1911, foram degredados para onde hoje é o estado de Rondônia (veja aqui), e tantos outros expulsos e presos.
O texto é revelador e deixa implícita a postura de Rondon. O militar repudiou o envolvimento das forças armadas na vida político-partidária nacional. Paradoxalmente, Rondon assumiu, na missiva, uma postura política: negando-a.
O então tenente-coronel, 46 anos de idade, estava imbuído, àquela altura, do desafio de comandar a expansão do telégrafo na Amazônia. Foi assim que vários núcleos urbanos — e consequentes cidades — surgiram onde hoje é Rondônia.
Veja alguns trechos da missiva de Rondon exposta atualmente em São Paulo:
(…) “Nunca quis tomar parte da vida política da República (…) apesar de solicitado desde o sempre glorioso 15 de Novembro de 1889.
Convencido, agora mais do que nunca, que o Exército não deve se inserir na política nacional para que melhor e mais dignamente possa cumprir a sua honrosa missão social, condeno em absoluto todas as revoltas partindo do Exército ou da Marinha por entender que elas constituem uma traição aos poderes constituídos da Nação e uma desonra ao soldado que jura lealdade e fidelidade ao governo constitucional. (…) expressão da indisciplina (…), da negação formal (…).
A República precisa de ordem para cumprir o fim autônomo da política. E o Governo de respeito à autoridade constituída para desdobrar e executar o seu programa de administração. (…)
Todo o país em que os governos são levados pelas opiniões das baionetas e dos canhões, é uma nação ainda em formação.
O Brasil já atingiu a idade orgânica. Repele, por isso, (…) e condena todos os revolucionários.
Pela atenção que possa merecer de vossa excelência este meu apelo antecipo o meu sincero reconhecimento cívico (…) do compatriota e admirador,
[assina] Cândido Mariano da Silva Rondon”.
O que tem na exposição
A carta de Rondon é apenas um item — embora muito relevante — dentre tantos documentos raríssimos e únicos. A exposição em São Paulo inclui escritos de Isaac Newton, Walt Disney, Darwin, Albert Einstein, Marie Curie, Nelson Mandela, Mozart, Michelangelo, Picasso, Frida Kahlo, Van Gogh, Beethoven, Kafka, Tolkien, Napoleão Bonaparte, Gandhi, cientistas ganhadores do Prêmio Nobel, Tiradentes, Machado de Assis, Santos Dumont, Clarice Lispector, Antônio Carlos Jobim, Villa-Lobos, Pixinguinha, Carmen Miranda, Oscar Niemeyer, Dom Pedro I, Princesa Isabel, Padre Cícero, André Rebouças, Luiz Carlos Prestes, dentre outros.
O colecionador
Os papéis começaram a ser agrupados no início da década de 1970. O colecionador era só um rapazinho apaixonado por história, e despretensioso. Mal sabia que tornar-se-ia o maior.
Pedro Aranha Corrêa do Lago, carioca de 64 anos, foi presidente da Biblioteca Nacional do Brasil. Ele é neto materno do chanceler Oswaldo Aranha, mais conhecido por seu apoio à criação do estado de Israel. Seu avô paterno, o general Manuel Corrêa do Lago, exerceu missões relevantes na França e Bélgica na Primeira Guerra.
O pai de Pedro foi o diplomata Antônio do Lago, razão pela qual ele passou a infância fora do Brasil e teve acesso a muitas relíquias. Para completar a cena intelectual em que está envolvido, o colecionar é casado com a jornalista Bia Fonseca, filha do escritor Rubem Fonseca, que o apoia nas exposições e publicações de edições de luxo com fac-símiles dos documentos históricos. O casal é dono da editora Capivara.
Sobre o autor
Às ordens em minhas redes sociais e no e-mail: julioolivar@hotmail.com . Todas às segundas-feiras no ar na Rádio CBN Amazônia às 13h20.
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