Antônio Sabanê era personalidade central da comunidade Sowaintê
Morreu nesta sexta-feira (24), um importante líder indígena vilhenense: Antônio Sabanê. Ele foi vítima de picadas da cobra surucucu-pico-de-jaca. Ficou três dias internado, mas não resistiu.
Há cerca de duas décadas, Antônio vivia na comunidade indígena Sowaintê, às margens do Rio Roosevelt. Teve sete filhos. Dois moram em Sapezal (MT). Uma cursa faculdade de Enfermagem em Vilhena.
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A cidade de Vilhena foi emancipada em 1977. Antônio foi testemunha ocular do surgimento e progresso do mundo não-indígena no Sul de Rondônia. “Minha infância eu passei em Vilhena vendendo colares e outros objetos que tecíamos, quando eram apenas duas ruas existentes”, relatava.
Com o tempo, Antônio sentiu vontade de sair da cidade e ir morar na mata, novamente. “Como recomendava meu avô que sempre dizia que as nossas raízes são o que há de mais importante”, afirmava ele. “A gente estuda, aprende, mas sem deixar de valorizar em primeiro lugar o que somos e o nosso lugar. Eu tenho orgulho de ser indígena, mantendo inclusive meu beiço furado. Nossa cultura, nossa língua, nossas crenças são importantes. Eu sou da área de saúde, cursei ensino médio, mas dou valor às tradições, às ervas e às raízes medicinais, por exemplo”, explicou nosso anfitrião, uma espécie de pajé contemporâneo que mistura informações acadêmicas com seus conhecimentos ancestrais.
Rio Roosevelt
A língua Sabanê pertence à família Nambiquara, etnia fortemente presente na história de Vilhena, mencionada em diversos trabalhos antropológicos e em relatos de viagens de brasilianistas.
O termo Sabanê foi mencionado pela primeira vez em 1914 em um relatório do general Cândido Mariano da Silva Rondon, responsável pela construção da linha de telégrafo na região e líder da Expedição Científica Rondon-Roosevelt. O acesso à comunidade indígena é difícil; em vários trechos da estrada, dominam os ‘areiões’. Às margens dos caminhos que levam aos povos indígenas, veem-se muitas belezas naturais, gado, sítios, mas também latifúndio, devastação e queimada. O bioma é o de cerrado, com características de savana e de transição para o campo e a Floresta Amazônica.
Chegando à reserva, há uma ponte de madeira — que sempre acaba encoberta nos tempos de chuva — com cerca de 200 metros. A reivindicação dos indígenas é que seja construído um pontilhão de concreto elevado que favoreça, inclusive, a retirada de futuras produções agrícolas. Ali está o icônico rio que um dia foi conhecido como “Rio da Dúvida”, rebatizado como Roosevelt após a expedição de 109 anos atrás.
Cada uma das famílias Sabanê que estão na reserva vive afastada uma da outra. Não há uma vila central. Mas elas mantêm atividades coletivas, tanto no entretenimento como nos roçados de mandioca, banana e abacaxi que servem apenas para a subsistência dos moradores. Também há pesca, caça e criação de galinhas. Na ponte precária do caudaloso Rio Roosevelt encontrei três mulheres pescando em meio ao paraíso, naquele fim de tarde de estio — apesar de no Brasil estarmos, oficialmente, no inverno; na Amazônia, dizem que só há duas estações: inverno (chuva) e verão (seca).
Tudo acontece perto da casa em que Antônio viveu: ali está uma escola estadual de ensino médio, com 21 alunos, e um posto do Ministério da Saúde. Também ao lado de sua moradia há um campo de futebol e uma área com barraquinhas que os moradores usam para realizar eventos, como a tradicional Festa da Menina-Moça que faz parte da cultura indígena rondoniense. Antônio mostrou o interior de sua casa feita de tábuas. Ambiente limpo, fogão à lenha, vasilhas de alumínio bem areadas, simplicidade, aconchego, apesar da rusticidade! Na parede, um velho rádio — com aparência de peça de antiquário — leva as notícias de Vilhena para os adultos que têm pouca afinidade com tecnologias e mídias mais atualizadas. Alguns preferem mesmo os programas radiofônicos em vez da internet.
Os adolescentes usam — e amam — os smartphones conectados com o Wifi do “postinho” de saúde. Mas, não são “escravos” do mundo virtual como muitos “urbanóides”. Eles se movimentam bastante em suas brincadeiras e gostam de futebol.
É o exemplo de Ronaldy, de 17 anos, neto de Antônio Sabanê que gosta de jogar bola e sempre arranja um tempo para espiar o celular.
Nas casas, as meninas aprendem a fazer artesanatos e a valorizar as tradições seculares do seu povo. As cestas e balaios chamam atenção pelo esmero e são vendidas aos visitantes; custam, em média, R$ 20.
“Ensinamos também na escola da comunidade a fazerem cestas e outros artefatos, e contamos nossas histórias”, explicou Antônio, reiterando seu objetivo de perpetuar os costumes, usos e habilidades de seu povo.
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