Por Júlio Olivar – julioolivar@hotmail.com
“A Amazônia tem sido uma fonte de fascínio, mistério e mal-entendidos para o mundo, principalmente para os europeus.” Assim começa o prefácio escrito por Nilson Gabar Jr., diretor do Museu Paraense, para o livro Amazónia: Viagem por uma ferida aberta no planeta (Editora Ideias de Ler, 272 páginas), do jornalista português Manuel Carvalho.
A obra nasce com fôlego de clássico. Com estilo direto e sensível, Carvalho constrói um mosaico de relatos que ajudam a decifrar esse universo verde — tão exuberante quanto ameaçado.
O livro revisita a história da colonização da Amazônia, mas seu foco é o presente. “Da criação do mundo até 1970, a humanidade destruiu 0,5% da maior e mais rica floresta tropical do planeta; daí até aos nossos dias, arrasou mais de 20%. E continua a arrasar”, alerta a sinopse. Essa constatação é o ponto de partida para uma narrativa que combina objetividade jornalística com análise sociológica afiada — da ocupação portuguesa ao neocolonialismo, passando pelos conflitos que envolvem indígenas, garimpeiros e produtores de soja.
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Embora recheado de referências bibliográficas, o que mais se destaca é a vivência do autor. O livro é fruto de uma marcha de 12 mil quilômetros por estradas, rios e cidades amazônicas. De capitais como Belém, Manaus e Porto Velho a vilarejos dominados pelo agronegócio, Manuel ouviu vozes diversas — do povo simples aos especialistas — e não poupou críticas, inclusive às cidades que, segundo ele, deformaram paisagens milenares.

Do clichê turístico do encontro das águas entre os rios Negro e Solimões às imagens-denúncia da devastação ao longo da Transamazônica, o autor disseca com olhar crítico e escrita fluente temas que deveriam estar no centro do debate global. Porque a Amazônia, afinal, é um assunto planetário.
Mas a floresta ainda é, em muitos discursos, romantizada. Não no caso de Manuel, que a descreve com rudeza e ternura — em simbiose — como um cronista forjado nas redações dos grandes jornais portugueses. A biodiversidade, frequentemente tratada como ativo financeiro por setores do agronegócio, é também pauta de ativistas ignorados ou desacreditados pelas instâncias de poder. “Sustentabilidade”, nesse contexto, vira palavra malvista, associada a um suposto entrave ao progresso — como dizem seus detratores.
O olhar estrangeiro, como o de Manuel, revela o que os locais muitas vezes não enxergam. Não por acaso, os relatos de viajantes continuam entre as obras mais emblemáticas sobre a região — como Tristes Trópicos (1938), de Claude Lévi-Strauss, para ficarmos num exemplo.
A obra de Manuel Carvalho merece leitura atenta. Pela coragem de ouvir, pela capacidade de filtrar opiniões díspares e pela entrega ao trabalho de campo — algo raro em livros que saem dos muros acadêmicos.
QUEM É – Nascido em 1965, Manuel Carvalho é jornalista premiado, com carreira consolidada no jornal Público, um dos mais influentes de Portugal, onde atuou como diretor entre 2018 e 2023. Formado em Direito e História, é autor de obras como A guerra que Portugal quis esquecer (2015).

Sobre o autor
Júlio Olivar é jornalista e escritor, mora em Rondônia, tem livros publicados nos campos da biografia, história e poesia. É membro da Academia Rondoniense de Letras. Apaixonado pela Amazônia e pela memória nacional.
*O conteúdo é de responsabilidade do colunista
