Você sabe como o desmatamento da Amazônia é monitorado?

Pelo menos cinco iniciativas calculam a área de vegetação nativa suprimida anualmente e fornecem subsídios para a meta de zerar o deflorestamento até 2030.

Em 9 de novembro, o governo brasileiro repetiu pela 36ª vez na história um gesto aguardado pela sociedade brasileira e comunidade internacional: divulgou a taxa anual oficial de desmatamento na Amazônia Legal, área de aproximadamente 5 milhões quilômetros quadrados (km²), correspondente a 58,9% do território nacional. A notícia foi animadora.

Segundo estimativa do Programa de Monitoramento do Desmatamento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite (Prodes), uma iniciativa a cargo do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a extensão de área desflorestada entre agosto de 2022 e julho deste ano foi de 9.001 km² – 22,3% menor do que a do período anterior. De 2019 a 2022, a taxa tinha permanecido acima dos 10 mil km².

Criado em 1988, o sistema Prodes é a primeira e a mais antiga iniciativa dedicada a monitorar por sensoriamento remoto, com imagens de satélite, o desmatamento na Amazônia brasileira, que abriga a maior floresta tropical do planeta. Seus dados, reconhecidos em acordos internacionais firmados pelo país e citados em quase 1.600 artigos científicos, apontam que cerca de um quinto da floresta foi desmatado nas últimas décadas.

Hidrelétrica de Jirau, no rio Madeira, em Rondônia. Imagem: Coordenação Geral da Observação da Terra / Inpe

A partir de 2004, o Sistema de Detecção de Desmatamentos em Tempo Real (Deter), também do Inpe, passou a funcionar e a atuar como um complemento ao trabalho do Prodes. O Deter emite alertas diários sobre trechos da floresta que estão perdendo cobertura vegetal. Os avisos se destinam aos órgãos de fiscalização ambiental, que, a partir dessas informações, podem atuar na repressão ao desmatamento.

“Temos tradição em sensoriamento remoto, área em que fazemos um trabalho de Primeiro Mundo”, comenta o engenheiro e especialista em geoprocessamento Gilberto Câmara, que foi diretor-geral do Inpe entre 2006 e 2013 e hoje atua como consultor na área. “Na década de 1970, o Brasil foi o terceiro país a usar imagens dos satélites Landsat, depois dos Estados Unidos e do Canadá.”

Depois do Prodes e do Deter, projetos coordenados por entidades científicas da sociedade civil, como o MapBiomas e o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), passaram a acompanhar a dinâmica e a evolução do desmatamento na Amazônia brasileira por meio da análise de imagens de satélites.

Embora tenham pontos em comum com as iniciativas pioneiras do Inpe, cada sistema persegue objetivos ligeiramente diversos e adota metodologias próprias para produzir seus dados. Eles podem, por exemplo, usar satélites diferentes, com resolução espacial e tempo distinto de revisita a cada ponto da Amazônia. Também podem fazer a análise das imagens obtidas de forma automática, apenas com o emprego de softwares, ou com o auxílio do olho treinado de um especialista. Ainda assim, todos divulgam algum tipo de cálculo sobre o desmatamento mensal ou anual da Amazônia.

Gráfico: Alexandre Affonso/Revista Pesquisa FAPESP

Essas particularidades levam, forçosamente, a resultados que tendem a não coincidir em 100% com as informações do Prodes e do Deter. Os especialistas não consideram essas divergências preocupantes, desde que o cenário geral do desmatamento retratado por cada iniciativa seja parecido e aponte tendências semelhantes, como o aumento ou a redução da supressão de vegetação.

“O sistema público de monitoramento do desmatamento na Amazônia é bom e razoavelmente robusto”, diz o físico Ricardo Galvão, presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). “As iniciativas da sociedade civil são bem-vindas e fazem um trabalho complementar muito importante.” Até 2030, o país assumiu o compromisso internacional de zerar o desmatamento na Amazônia.

Em agosto de 2019, Galvão foi exonerado da direção do Inpe depois de ter defendido publicamente a correção e a lisura dos dados produzidos pelo Inpe sobre o desmatamento da Amazônia de críticas infundadas feitas pelo então presidente Jair Bolsonaro e seus ministros.

Na ocasião, a taxa anual de desmatamento calculada pelo Prodes tinha passado dos 10 mil km, algo que não ocorria desde 2008. O governo federal questionou a veracidade do número e ameaçou contratar uma empresa privada para fazer o trabalho do Inpe. O caso ganhou repercussão em todo o mundo e a ideia de terceirizar o trabalho de monitoramento não foi adiante.

Ter vários sistemas dedicados a observar e calcular o processo de supressão da vegetação nativa na Amazônia permite que os dados oficiais possam ser confirmados, refinados ou mesmo refutados pela sociedade civil. Caso um dia, por qualquer motivo, o Prodes e o Deter venham a faltar, existem alternativas à mão. “Esses sistemas alternativos também podem funcionar como um backup, uma cópia de segurança, dos serviços do Inpe”, diz o especialista em sensoriamento remoto Carlos Souza Jr., do Imazon.

Para entender as semelhanças e diferenças dos sistemas, Pesquisa FAPESP fez um resumo das principais características de cinco iniciativas que monitoram o desflorestamento da Amazônia, quatro nacionais e uma do exterior.

Padrão de desmatamento causado por diferentes atividades (da esquerda para a direita): queimada, área degradada, remoção da floresta e mineração. Imagens: Cbers4 / Amazozia 1 / Landsat 9 / Sentinel 2 / Inpe

Prodes

O especialista em sensoriamento remoto Cláudio Almeida, coordenador do Programa de Monitoramento da Amazônia e outros Biomas do Inpe, conta uma história interessante sobre os projetos que antecederam e criaram a expertise para montar o Prodes. Na década de 1970, em meio a políticas públicas oficiais que visavam estimular a ocupação da Amazônia e a implantação de grandes projetos de agropecuária, uma das preocupações do governo federal era ter meios de se certificar de que seus incentivos estavam sendo bem empregados.

“Naquela época, o monitoramento da Amazônia por imagens de satélite foi concebido como uma forma de assegurar que os projetos estavam sendo realmente implantados, ou seja, que áreas da floresta estavam sendo desmatadas para abrir espaço para a agricultura e a pecuária”,

diz Almeida.

Essa visão dominante de progresso começou a ser questionada fortemente a partir dos anos 1980, com a ascensão do movimento ambientalista. Dono da maior floresta tropical do planeta, o Brasil passou a ser cobrado internacionalmente pelos rumos da Amazônia, que, além de sua riqueza em biodiversidade, exerce papel importante na regulação do clima global. Nesse contexto, oposto ao que dominara a década anterior, foi criado o Prodes em 1988.

Seu objetivo é simples: estimar a taxa anual de desmatamento da floresta nativa na Amazônia Legal. Cabe ressaltar que a Amazônia Legal – uma designação criada em 1953 com a finalidade de estimular o desenvolvimento econômico numa região que se espalha por nove estados – abrange todo o bioma Amazônia em terras nacionais, 37% do Cerrado e 40% do Pantanal.

No Brasil, o bioma Amazônia, onde fica a floresta tropical, estende-se por uma área de quase 4,2 milhões de km², cerca de 49% do território nacional. Há uma diferença de cerca de 800 mil km², mais de 9% da área nacional, entre a extensão da Amazônia Legal e o bioma Amazônia. “É preciso tomar o cuidado de não se comparar dados de desmatamento de toda a Amazônia Legal com os do bioma Amazônia”, comenta Almeida.

A taxa anual do Prodes exibe uma peculiaridade temporal. Segue o chamado calendário do desmatamento, que costuma se intensificar na época mais seca do ano. O ano Prodes inicia-se em agosto, com a chegada da estiagem, e termina em julho do ano seguinte. A taxa de 2023 recém-divulgada cobre o período de agosto de 2022 até julho deste ano.

O Prodes registra o desmatamento por corte raso, que resulta na remoção completa da cobertura florestal de um ano para o outro. Ocorre geralmente para abrir espaço para introdução de atividades da agropecuária ou estabelecimento de áreas urbanas ou projetos de hidrelétricas.

Desde 2022, o Prodes também passou a medir o desflorestamento que ocorre em razão da degradação progressiva da vegetação. Esse processo é lento, mais difícil de ser detectado por satélite, e pode se estender por alguns anos. Está associado a cortes seletivos de madeira e emprego de queimadas.

Entram no cálculo da taxa anual apenas os trechos de floresta desmatada que alcançam a extensão mínima de um polígono de 6,25 hectares (ha), ou seja, 62.500 metros quadrados (m2). A área equivale às dimensões de pouco mais de seis campos de futebol. Alguns críticos consideram o tamanho desse polígono muito grande, limitação que, em tese, poderia deixar escapar uma parcela do processo de desflorestamento.

“Na Amazônia, o desmatamento é feito para a implantação de grandes propriedades, de áreas de monocultura de soja ou de criação de gado. Não compensa abrir áreas pequenas, algo muito custoso e trabalhoso. Polígonos de 6,25 ha pegam a maior parte do desmatamento”,

explica Câmara, que não considera uma limitação importante alterar o tamanho da área monitorada pelo Prodes.

Hoje o Prodes já monitora polígonos de desmatamento de 1 ha (10 mil m2), mas não os inclui no cálculo de sua taxa anual. É provável que passe a fazer isso em breve. 

O sistema usa imagens de cinco satélites: Landsat 8 e 9, da agência espacial norte-americana (Nasa) e do Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS); Sentinel, da Agência Espacial Europeia (ESA); e os CBERS 4 e 4A, projeto conjunto do Brasil com a China.

As imagens dos Landsat formam a principal base de dados do sistema. São necessárias 229 imagens de satélites da família Landsat para cobrir toda a Amazônia Legal. Cada imagem, também denominada cena, cobre uma área imensa, de 32.400 km², pouco mais de quatro vezes a extensão da Região Metropolitana de São Paulo.

Nos setores da Amazônia que se encontram cobertos por nuvens quando são registrados pelos Landsat, são usadas imagens dos CBERS e do Sentinel para cobrir esses buracos do levantamento. Em média, cada área é observada por um satélite usado pelo Prodes a cada 16 dias. Na prática, o intervalo entre dois registros pode ser de 5 a 26 dias.

O menor ponto com informação dentro de uma imagem Landsat equivale a um quadrado de 30 por 30 metros (0,09 ha ou 900 m2), pouco maior do que duas quadras de basquete. Por isso, os especialistas em sensoriamento remoto dizem que a resolução espacial (pixel) dos Landsat é de 30 metros (m). O polígono mínimo de desmatamento levado em conta pelo Prodes, de 6,25 ha, é composto, portanto, por 69,4 pixels. O pixel dos CBERS e do Sentinel dá conta de registrar áreas ainda menores. Nos satélites sino-brasileiros, a resolução espacial é de 20 m. No projeto europeu, é de 10 m.

Para calcular a taxa anual de desmatamento, o Inpe conta com cerca de 25 técnicos em sua sede em São José dos Campos que comparam no computador, “manualmente”, as melhores imagens disponíveis de como estava uma área antes do início e ao final do atual ano Prodes.

Esses especialistas delimitam os novos polígonos de desmatamento diretamente na tela do micro. Seguem um padrão de alteração da cobertura florestal com base em elementos visíveis nas imagens, como tonalidade, forma, textura e contexto das áreas desmatadas. “Nossa mão de obra é formada por muitos bolsistas do CNPq. Precisamos contar com mais pessoal contratado de forma estável”, comenta Almeida.

 Deter

Concebido 16 anos depois do Prodes, em um momento de alta nas taxas de desmatamento da Amazônia Legal, o Deter nasce como uma ferramenta para auxiliar o combate à supressão de vegetação quase em tempo real. Emite diariamente avisos de desflorestamento que são enviados automaticamente a órgãos do ministério e secretarias estaduais do meio ambiente encarregados de combater o desmatamento.

São também disponibilizados publicamente na internet, geralmente às sextas-feiras, com defasagem de uma semana. O Deter divulga totais mensais e anuais de desmatamento, seguindo o calendário do ano Prodes. Esses números normalmente mostram a mesma tendência de desmatamento do Prodes, mas são diferentes devido a diferenças metodológicas.

Sua metodologia foi aprimorada e refinada ao longo do tempo. De 2004 a 2015, usou dados dos satélites Terra, da Nasa, CBERS-2b (Brasil-China), com resolução espacial de 250 m. Com essas imagens, era possível emitir alertas de desmatamento para áreas de no mínimo 25 ha. No entanto, elas não permitiam diferenciar os setores totalmente desmatados dos que apresentavam degradação progressiva.

A partir de 2015, passou a adotar imagens dos satélites CBERS-4 e CBERS-4A (Brasil-China) e Amazonia-1 (sem acento), concebido e operado pelo Inpe, com resolução espacial entre 56 e 64 metros. “Hoje usamos apenas satélites com tecnologia nacional para fornecer imagens para o Deter”, comenta Almeida. A alteração permitiu reduzir a área mínima dos avisos mapeados para 3 ha e separar os alertas em duas classes, a de desmatamento e a de degradação. A cada um ou dois dias, um dos três satélites passa por cada faixa da Amazônia. A periodicidade garante o monitoramento contínuo da região e a emissão de alertas de desmatamento quase em tempo real.

A supressão, total ou parcial, da vegetação nativa em uma área sem registro anterior de redução da cobertura verde é considerada um desmatamento novo. Ainda que não seja possível definir o dia exato em que houve o corte de um trecho da floresta, a data em que a imagem de satélite foi gerada fica associada no sistema ao evento.

A identificação de novas áreas é feita diariamente de forma manual, como no Prodes, mas por outra equipe de especialistas. Dez técnicos do Deter trabalham na unidade em Belém do Inpe e analisam as imagens na tela do computador. Os alertas de desflorestamento são separados nas categorias corte raso, desmatamento com vegetação e desflorestamento decorrente de mineração. Os avisos de degradação são discriminados como corte seletivo geométrico, corte seletivo desordenado e cicatriz de incêndio florestal.

Com essa abordagem, o sistema é capaz de diferenciar um distúrbio natural de um provocado pela ação do homem. Os do primeiro tipo apresentam majoritariamente formas irregulares e não lineares, enquanto os do segundo exibem contornos geométricos e lineares.

Área de floresta preservada e desmatada perto do rio Capim, no Pará, em 2022. Imagem: CORPENICUS SENTINEL 2/ESA.

 SAD

Sediado em Belém, o Imazon criou em 2008 o Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD). Seu objetivo é monitorar mensalmente a supressão de vegetação nativa e a degradação florestal na Amazônia Legal para entender sua dinâmica e tendências. “Ter sistemas alternativos ao Prodes/Deter dá segurança e autonomia para a sociedade civil caso venha a ocorrer alguma falha ou descontinuidade nessas iniciativas do Inpe”, comenta Carlos Souza Jr., do Imazon.

O sistema registra o corte raso da floresta e a degradação da vegetação em áreas a partir de 1 ha. Usa imagens dos satélites norte-americanos Landsat 8 e 9 e dos europeus Sentinel 1A e 1B (ambos com pixel de 20 m) e Sentinel 2A e 2B (pixel de 10 m). Cada ponto da Amazônia é varrido por algum dos satélites a um intervalo de cinco a oito dias.

A análise das imagens é feita inicialmente de forma automática, com o emprego da plataforma Google Earth Engine, mas validada por especialistas antes de os dados serem fechados. O SAD divulga mensalmente estatísticas de desflorestamento para toda a Amazônia e seus estados e também permite calcular uma taxa anual de desmatamento. “Normalmente, nosso dado representa de 70% a 80% do valor registrado pelo Prodes, um desempenho que consideramos muito bom dadas as diferenças metodológicas”, comenta Souza Jr.

MapBiomas 

Em 2015, a rede MapBiomas começou a produzir mapas e dados sobre a evolução do uso da terra no país (existência de vegetação, de atividades agropecuárias ou estrutura urbana) baseados em imagens de sensoriamento remoto analisadas de forma automática na plataforma Google Earth Engine. A partir desse trabalho foi possível calcular uma taxa de desmatamento anual para todos os biomas nacionais, inclusive a Amazônia.

Quatro anos atrás a rede – uma iniciativa do Observatório do Clima, organização não governamental (ONG) que reúne universidades, empresas de tecnologia e entidades da sociedade civil brasileira – lançou um projeto específico para acompanhar a supressão de vegetação nativa no território nacional. Trata-se do MapBiomas Alerta, que valida e refina avisos de desmatamento emitidos por outros sistemas, como o Deter e o SAD, e produz um laudo público de cada área com vegetação suprimida.

Esses dados são publicados semanalmente pelo MapBiomas Alerta e, uma vez por ano, consolidados no Relatório do desmatamento (RAD).

“Apesar do nome, o MapBiomas Alerta não é um sistema que fornece avisos sobre desmatamentos que estão em curso”, explica o geógrafo Marcos Rosa, coordenador técnico do MapBiomas. “Ele confirma em imagens em alta resolução que houve desmatamento em uma área e cruza essas informações com dados públicos para qualificar esse desflorestamento e produzir um laudo”.

Quando tem evidências suficientes de que a vegetação foi realmente removida, o MapBiomas utiliza imagens de sensoriamento remoto da rede privada de satélites Planet. Segundo a empresa norte-americana, qualquer ponto do globo é registrado diariamente por algum de seus 200 satélites com uma resolução espacial de apenas 3,7 m. Em outras palavras, a menor área visível dentro de uma imagem Planet abrange aproximadamente 14 m2, o tamanho de um cômodo em uma casa.

Cada alerta validado e refinado produz um laudo com imagens de alta resolução de antes e depois do desmatamento. O sistema do MapBiomas também permite fazer cruzamentos das informações geográficas da área com vegetação suprimida com dados de vários bancos de dados públicos, como o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e o Sistema de Gestão Fundiária (Sigef). “Assim, conseguimos incluir no laudo informações sobre a área desmatada e inferir indícios de ilegalidade”, comenta Rosa. 

Imagem de satélite de 2018 mostra a região em torno do rio Amazonas coberta de nuvens, particularidade que dificulta o mapeamento por sensoriamento remoto da floresta. Imagem: NASA/LANDSAT

GFW 

Projetos internacionais também divulgam dados regulares sobre o desmatamento na Amazônia brasileira. O Global Forest Watch (GFW) é possivelmente a iniciativa de maior impacto. Coordenado por pesquisadores da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, com financiamento do World Resources Institute (WRI), uma entidade não governamental sediada na capital norte-americana, o GFW monitora, desde 1997, o uso da terra e a remoção de áreas com vegetação arbórea, sobretudo em florestas tropicais, como a Amazônia.

A iniciativa usa registros de sensoriamento remoto dos Landsat e adota como a menor área de desmatamento monitorado a resolução espacial mínima desses satélites: 1 pixel de uma imagem Landsat, de 0,09 ha. O processamento de suas informações é automatizado.

“O sistema observa a copa das árvores acima de 5 m. Capta o corte de árvores e também queimadas sem corte”, diz o geógrafo Jefferson Ferreira, coordenador do programa de floresta do WRI no Brasil. “Ele mostra a perda de cobertura florestal, que pode ou não ser decorrente de desmatamento.” O GFW divulga uma vez por ano a taxa anual, calculada de janeiro a dezembro, para o desmatamento da Amazônia. 

Limitações dos sistemas

Não há sistema de monitoramento de desmatamento perfeito. Os registros de sensoriamento remoto fornecidos pelos satélites, que geralmente captam imagens em frequências do infravermelho e da luz visível, esbarram em um problema comum: uma nuvem entre o campo de visão de seus sensores no momento de obtenção de um take pode gerar uma imagem de pouca ou nenhuma valia. Daí a importância de haver redundância de dados e trabalhar com imagens de mais de um satélite.

O uso de radares instalados em satélites, que trabalham com frequências de microondas, pode minorar esse problema. Sua observação não é atrapalhada pela nebulosidade e pode ocorrer tanto de dia quanto à noite. “O satélite CBERS 6 contará com a tecnologia de radar em sua instrumentação”, diz Galvão.

Embora mais rápida e barata, a análise totalmente automatizada dos polígonos de desmatamento pode deixar escapar alguma forma de supressão de vegetação, que um olho humano treinado observaria, ou gerar alertas errados. É importante saber o contexto histórico e geográfico do lugar em que ocorre o aparente desmatamento”, comenta Câmara. “Às vezes, os sistemas automáticos podem interpretar uma imagem de uma várzea de rio na Amazônia obtida na época de cheia como um flagrante de supressão de vegetação. Mas essa conclusão está errada.” A imagem da área de várzea alagada se parece com a de um trecho cortado de floresta. Mas basta ver uma imagem subsequente da mesma área, só que na época de seca, para se certificar de que a vegetação ainda está lá.

Apesar da crítica, Câmara é um defensor da adoção de técnicas de aprendizado de máquina para auxiliar o trabalho de monitoramento por sensoriamento remoto da Amazônia. Em 2014, obteve apoio do programa eScience da FAPESP para um projeto de pesquisas sobre o uso de megadados de satélites para a classificação de uso e cobertura da terra com o auxílio de métodos de aprendizagem de máquina.

A partir do projeto, o especialista em sensoriamento remoto conseguiu financiamento de outras fontes para desenvolver o software livre sits (satellite image time series analysis), atualmente em fase final de testes para eventualmente substituir o Prodes. Segundo Câmara, a adoção de métodos no estado da arte da área de aprendizagem profunda permite obter 95% de concordância entre a interpretação visual de imagens e a feita por algoritmos.

Nunca houve tanta informação sobre a dinâmica do desmatamento na Amazônia, um insumo necessário para a implantação de políticas públicas em prol da gestão e manutenção da floresta. “Todo sistema de monitoramento faz o gestor e a sociedade olharem de forma diferente para o problema. Hoje sabemos a dimensão do desmatamento, onde ele está ocorrendo, qual sua velocidade. Às vezes, conseguimos até identificar quem está desmatando”, comenta a geógrafa Ane Alencar, diretora de ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). “O grande desafio é entender o nível de ilegalidade do desmatamento e tomar ações mais ágeis de fiscalização, embargo e até restrição de acesso ao crédito [a quem suprime a vegetação nativa].”

Alexandra Affonso/Revista Pesquisa FAPESP.

Projeto

E-Sensing: análise de grandes volumes de dados de observação da terra para informação de mudanças de uso e cobertura da terra (nº 14/08398-6); Modalidade Projeto Temático; Programa eScience e Data Science; Pesquisador responsável Gilberto Câmara (Inpe); Investimento R$ 1.255.123,38.

*Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.

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