Startups da Amazônia desenvolvem tecnologias. Foto: Divulgação
Na Amazônia, onde cerca de 130 espécies de abelhas sem ferrão já foram catalogadas, startups lideradas por empreendedores locais estão redesenhando a forma como comunidades lidam com a produção de mel e a conservação da fauna polinizadora. O foco está nas melíponas — abelhas nativas e sem ferrão, essenciais para a polinização de espécies vegetais amazônicas — e nas tecnologias que viabilizam sua criação racional em maior escala.
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As soluções desenvolvidas por negócios como Geo Bee, Néctar da Amazônia, Amazomel e SmartHive são impulsionadas pela Jornada Amazônia, plataforma que atua no fortalecimento de negócios de impacto na floresta. Por meio de programas como Sinapse da Bioeconomia e Sinergia, essas startups acessam mentorias, suporte técnico e conexões de mercado para consolidar e escalar suas iniciativas.
Geotecnologia a serviço da produtividade
Criada em São Luís (MA), a Geo Bee é uma plataforma que utiliza sensoriamento remoto, mapas interativos e dados ambientais para orientar a instalação ideal de meliponários. Com base em variáveis como tipo de vegetação, umidade, relevo e risco de queimadas, a tecnologia calcula a capacidade de suporte de cada território e recomenda a densidade adequada de colmeias por área – o que aumenta a produtividade e reduz o estresse ambiental, contribuindo diretamente para a preservação de abelhas nativas.

A orientação sobre zonas de vegetação nativa, proximidade de cursos d’água, conectividade ecológica e riscos ambientais evita a instalação em áreas inadequadas, reduzindo perdas e incentivando práticas sustentáveis.
“Unimos conhecimento tradicional e inovação digital”, destaca Cíntia de Cássia Melonio Pacheco, CEO da Geo Bee. “A plataforma foi idealizada para ser de fácil uso por produtores locais. Essa abordagem permite que mesmo pequenos produtores acessem informações antes exclusivas de especialistas em geotecnologia, promovendo autonomia técnica e valorização da produção local com base na biodiversidade amazônica. Trabalhamos a relação colmeia-território, o que é essencial na realidade do território.”
A startup já colhe resultados positivos: nas áreas onde a metodologia foi aplicada, houve aumento da produção por colmeia e redução da perda de colônias. “As abelhas sem ferrão são altamente sensíveis ao ambiente”, diz Cíntia. “A proximidade da flora nativa, a variação altitudinal, o microclima local e a distância de fontes de água influenciam o volume de mel produzido e a frequência de enxameação, mas também a saúde das colônias e a longevidade das abelhas.”
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Replicação racional de colônias
A Néctar da Amazônia, outro projeto apoiado pelo programa Sinergia, atua na reprodução sistemática de colônias de abelhas nativas. Por meio de técnicas acessíveis às comunidades tradicionais, a startup desenvolveu um modelo que permite a escalabilidade da produção de mel sem impactar negativamente os enxames naturais da floresta. “Uma biofábrica de abelhas é um sistema de manejo integrado de colônias de abelhas nativas em colmeias racionais e espécies de abelhas solitárias, para explorar os excedentes produzidos pelas abelhas”, explica Richardson Frazão, CEO da Néctar da Amazônia.

“Ele permite manejar qualquer espécie de abelha social de interesse para a produção de mel, serviços de polinização ou mesmo conservação de espécies ameaçadas no meio ambiente com ajuda das comunidades e populações tradicionais locais, ou mesmo a sociedade em geral.”
As técnicas utilizadas levam em consideração as espécies-alvo de abelhas nativas de cada região. “Diminuímos a pressão de retirada de enxames da natureza, dando a oportunidade de repovoar áreas sujeitas à restauração de fauna e florestas a partir dos bancos de espécies”, diz Richardson. “Valorizamos muito a biodiversidade de abelhas da Amazônia. Somente no Amapá, das 148 espécies catalogadas, 74 são nativas e sem ferrão. Destas temos trabalhado tecnologias de manejo para dez espécies, em especial as que são registradas em flores de açaí.”
O impacto vai além da biodiversidade. Estima-se que uma família com dez kits de meliponicultura possa gerar de R$3.600 a R$8.000 anuais com a venda de mel, cujo preço no mercado regional varia entre R$120 e R$160 por quilo. “É uma atividade altamente inclusiva e compatível com os modos de vida de populações ribeirinhas e indígenas”, complementa Richardson.
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Modelo comunitário de geração de renda
A Amazomel, também participante do Sinergia, trabalha com modelos de negócio comunitário em territórios ribeirinhos e indígenas. O projeto identifica famílias que já coletam mel de forma extrativista e oferece capacitação para a transição à criação racional de melíponas. Além dos treinamentos, a startup fornece colônias iniciais e estrutura para manejo.
“Muitas dessas famílias já trazem da floresta a colônia de abelhas para próximo de suas casas, nos próprios troncos, chamados de cortiço. Então ensinamos a eles a transferir as colônias para as caixas racionais”, conta João Fernandes, CEO da Amazomel. “Também levamos a essas famílias a conscientização de que o extrativismo predatório de mel é muito prejudicial, pois extermina as abelhas e deixa a floresta sem polinizadores.”

A Amazomel compra o mel produzido por essas famílias a preços acima do mercado e trabalha na valorização do produto com análises laboratoriais e estratégias de marketing voltadas ao público consumidor de alimentos naturais. “Com a criação racional de abelhas sem ferrão, estas famílias podem ter renda todos os anos durante o período de verão”, diz João. “A cada seis meses conseguimos dobrar a quantidade de colônias através das técnicas de reprodução – assim, conseguimos levá-las para novas famílias sem precisar retirar mais colônias da natureza.”
Para a Amazomel, a meliponicultura é uma das atividades mais importantes da sociobioeconomia – além de ser um meio de incluir produtiva e economicamente mulheres e jovens ribeirinhos. “Toda a floresta fica mais rica com mais polinizadores, e esses ribeirinhos se tornam guardiões do ambiente em que vivem, pois sabem que se destruírem a floresta estarão destruindo também as abelhas – que são sua fonte de renda”, resume João.
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Monitoramento em tempo real
Já a SmartHive desenvolveu um sistema de Internet das Coisas (IoT) que monitora as colmeias remotamente, com sensores que captam dados como temperatura, umidade, peso da colmeia e presença de pesticidas. A tecnologia, inicialmente voltada à apicultura convencional, foi adaptada às particularidades das abelhas nativas, que exigem condições ambientais mais estáveis.

“O sistema ajuda os produtores a identificar rapidamente sinais de estresse ou doença nas colônias, e a abordagem personalizada garante que as particularidades das abelhas nativas sejam respeitadas e monitoradas de forma eficaz, contribuindo para sua preservação e melhor manejo produtivo”, afirma Marcelino Macedo, CEO da SmartHive. “Todas as informações são transmitidas via internet para um painel de controle acessível online, permitindo que o meliponicultor acompanhe todas as colmeias de forma integrada e eficiente.” A plataforma também oferece rastreabilidade da produção, diferencial importante para mercados que exigem comprovação de origem e práticas sustentáveis.
Agora, as startups pretende ampliar sua presença na Amazônia por meio de parcerias com associações da região, realização de programas de capacitação e formação tecnológica para produtores locais, e expansão do sistema para regiões remotas, com soluções off-grid – além de fortalecer a integração com programas de rastreabilidade ambiental e alimentar, visando certificações de origem e sustentabilidade. “Queremos promover não só o crescimento da produção de mel, mas também a conservação das abelhas nativas e dos ecossistemas locais”, destaca Marcelino.
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Um novo ciclo para a bioeconomia
Os quatro negócios integram o portfólio da Jornada Amazônia, que já impulsionou mais de 300 startups de impacto desde sua criação, em 2018. Para Janice Maciel, Coordenadora Executiva da Jornada Amazônia, as soluções ligadas à meliponicultura são exemplos concretos de como a inovação pode aliar conservação ambiental e geração de renda.
“O foco da Jornada é mostrar que a floresta em pé é mais lucrativa do que a derrubada”, afirma Janice. “Negócios como esses mostram que é possível criar valor econômico a partir da biodiversidade, com protagonismo das comunidades locais.”
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