Lançado em 2019, o programa Ouro Alvo está criando um banco de dados com amostras obtidas em diferentes partes do Brasil.
Navegando rumo ao norte em uma lancha no rio Madeira, os sinais do crescimento exponencial da mineração ilegal de ouro no país estão por toda parte: montes de areia extraídos do leito do rio surgem às margens e dezenas de dragas fumegantes operam a todo vapor.
A Mongabay* visitou a região em novembro de 2022, poucas semanas após uma operação policial que destruiu dezenas dessas dragas. Mas com os preços do ouro pairando em níveis quase recordes, para muitos grupos de garimpeiros ilegais, os lucros potenciais compensam os riscos.
Em janeiro, as forças de segurança brasileiras lançaram uma operação de repressão esperada há muito tempo para livrar a Terra Indígena Yanomami de milhares de garimpeiros ilegais. Desde então, foram destruídos dragas e outros equipamentos de mineração, bem como aeronaves, e as autoridades restringiram o tráfego aéreo para interromper rotas de abastecimento de comida e combustível para os garimpos.
Porém, com mais de 500 milhões de hectares – uma área dez vezes maior que o estado da Califórnia – a Amazônia brasileira é grande demais para ser policiada por pessoas.
Portanto, é essencial usar técnicas forenses avançadas para fazer investigações complexas e demoradas: identificar as origens do ouro ilegal, prender quadrilhas bem financiadas de garimpeiros e bloquear o comércio ilegal que acaba com as florestas, destrói comunidades indígenas e envenena rios e habitats naturais.
“Uma coisa que muitos delegados e juízes, operadores de direito em geral, queriam saber é: ‘dá para determinar a origem do ouro, isso é possível, é factível? […] E essa é a pergunta que a gente está tentando responder”,
disse, por videochamada, Ricardo Moraes, perito forense e coordenador do programa Ouro Alvo da Polícia Federal.
O Ouro Alvo foi lançado em 2019, quando o garimpo ilegal no Brasil estava ganhando ritmo. Desde então, os peritos da polícia vêm coletando amostras e realizando análises para poder identificar o ouro que sai de diferentes regiões do país, seja da terra Yanomami ou do rio Madeira.
Nessas análises, os especialistas combinam diferentes metodologias para obter informações sobre a composição molecular do ouro, sua estrutura atômica e as características morfológicas de cada amostra.
A partir dessas informações, a polícia está criando um acervo de assinaturas de ouro exclusivas de cada uma das regiões de garimpo no país e alimentando um banco de dados chamado Ouroteca.
Agora, quando é preciso confirmar a origem de uma amostra suspeita, basta analisá-la e comparar os resultados com os dados da Ouroteca para saber, com alto grau de confiabilidade, de onde vem o ouro.
Em 1º de abril, a Repórter Brasil e a NBC mostraram como dois supostos contrabandistas de ouro americanos e um brasileiro tiveram sua carga de 35 kg de ouro – no valor de quase 2,3 milhões de dólares (R$ 115 milhões) – apreendida pelas autoridades no aeroporto de Manaus, depois que agentes a inspecionaram e compararam com um banco de dados, confirmando suas origens ilícitas.
No futuro, segundo Moraes, a ideia é contribuir para um sistema semelhante e tão eficaz quanto o Kimberley Process Certification Scheme, usado para combater a venda dos chamados diamantes de sangue, extraídos em regiões de conflito.
“Para joias e metais preciosos, em muitos países têm se criado uma consciência, as pessoas têm um pensamento mais sustentável e querem saber a origem dos produtos para não comprar aqueles que têm uma origem ilícita, o chamado ouro de sangue”,
disse Moraes.
Nem todo ouro é igual
Muitas vezes não é fácil determinar exatamente de onde veio o ouro apreendido, dificultando ainda mais o trabalho da polícia, de dizer com certeza se sua origem é ilícita. Mas existem maneiras de superar isso.
“O ouro é uma liga metálica. O principal constituinte é o ouro, não existe o ouro de 24 quilates. Sempre há impurezas e é nessas impurezas que você encontra prata, cobre, chumbo e outros elementos em pequenas quantidades”,
disse Moraes. Essas impurezas, algumas das quais deixam traços mesmo após o refino, permitem que os especialistas identifiquem a sua origem.
Normalmente, o primeiro método utilizado pela Polícia Federal para determinar a natureza dessas impurezas é a fluorescência de raios-X. Um de seus pontos fortes é não precisar ser feito em laboratório, pois uma varredura usando um aparelho portátil fornece informações sobre a estrutura atômica do minério em segundos.
Esses resultados indicam o local de onde a amostra foi extraída e podem ser comparados com a documentação fornecida pelo proprietário para confirmar que o ouro vem do local declarado.
Quando a polícia precisa de uma análise mais detalhada, a equipe pode enviar a amostra a um laboratório, onde máquinas sofisticadas fazem o que é conhecido como detecção de isótopos estáveis. Nessa análise, os pesquisadores conseguem observar a estrutura atômica das impurezas encontradas no ouro. Alguns átomos dessas impurezas, como chumbo e prata, existem na natureza em diferentes formas estáveis.
Os de prata, por exemplo, podem ter 60 ou 62 nêutrons em sua estrutura. Essas diferentes formas estáveis, ou isótopos, podem coexistir no mesmo local, mas suas proporções relativas costumam ser específicas de uma determinada região. Cada proporção é chamada de assinatura ou impressão digital isotópica, e os especialistas conseguem rastrear o local de origem analisando a assinatura das impurezas.
*O conteúdo original e completo pode ser acessado na Mongabay, com matéria escrita por Ignacio Amigo, Sam Cowie e Avener Prado e traduzida por Roberto Cataldo.