Infância e juventude de Saul Benchimol

Saul Benchimol estudou as primeiras letras de alfabetização no Grupo Escolar Barão do Rio Branco em Manaus, tendo, mais tarde, transferindo-se para o Grupo Escolar Saldanha Marinho.

Por Abrahim Baze – literatura@amazonsat.com.br

Saul Benchimol nasceu em 14 de agosto de 1934 e estudou as primeiras letras de alfabetização no Grupo Escolar Barão do Rio Branco em Manaus, tendo, mais tarde, transferindo-se para o Grupo Escolar Saldanha Marinho.

Já na juventude, Saul Benchimol passa a residir na rua Henrique Martins n.º 414 em frente ao Sesc Senac e passa a dar continuidade aos seus estudos no Colégio Estadual do Amazonas, cursando o Científico com o apoio de sua mãe, que tinha a preocupação com esse aspecto pecu- liar na formação de seus filhos, como ocorre até os dias atuais com seus descendentes. Essa história não foi um diálogo emudecido pelo tempo, pelo contrário, construíram pelo saber o caminho para a sobrevivência e para as conquistas de que foram e que são merecedoras. Os mitos permanecem no ar, sobrevoando a vida das pessoas. Ancorado na busca do estudo para seus filhos e no trabalho do velho guarda-livros que chegava a Manaus cheio de sonhos por dias melhores.

Apesar das dificuldades enfrentadas pela família, sobretudo por tratar-se de uma família numerosa, seu pai, trabalhava dia e noite como guarda-livros, provendo o sustento da família. Na verdade, seu pai sempre teve esse anseio de mudança, força de sua experiência em Belém do Pará e naturalmente compartilhado com sua esposa.

Saul Benchimol, já na sua juventude, demonstrava sua maturidade, com a responsabilidade de vencer através dos estudos. A luta de seus pais e tantos momentos enfrentados proporcionaram maior experiência, ensejando lhe um modo diferenciado de ver o mundo.

Seus pais procuravam dar bons exemplos de honestidade para seus filhos, exemplo este que Saul Benchimol levou para sua vida. A Manaus de sua época era uma cidade muito tranquila, e foi nessa cidade que vivenciou e guardou na memória suas ruas de paralelepípedos e muito urbanizada, cujo silêncio era quebrado pela passagem do bonde vindo da rua 10 de Julho seguindo pela rua Costa Azevedo e passando bem ao lado de sua casa pela rua Rui Barbosa.

Aos domingos, tinham matinês nos Cine Guarany e Polytheama, o que nem sempre lhe era permitido frequentar, ou o passeio na Praça da Polícia com a Banda da Polícia Militar tocando no coreto ao centro da praça das 17h até as 19h. Saul Benchimol foi protagonista desses fatos e até hoje guarda essas lembranças em sua memória.

Saul Benchimol aos 3 anos. Acervo da Família. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal
Grupo Escolar Barão do Rio Branco em Manaus, onde Saul Benchimol estudou as primeiras letras de alfabetização. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

Do Liceu Provincial e mais tarde Colégio Amazonense Dom Pedro II

Esta casa do saber formou muitas gerações: uns tornaram-se médicos, engenheiros, advogados, administradores, professores e tantas outras profissões que exerceram. Saul Benchimol bebeu na fonte do conheci- mento dessa casa do saber. Edificado em frente à Praça Heliodoro Balbi. É certo que somente por meio do conhecimento e da palavra os mortais podem passar para a posteridade, tão significativos e ilimitados são as ações e os fazeres e as formas de expressão daqueles que por lá passaram.

Ele, Saul Benchimol, tornou-se professor e foi por meio da palavra que o singularizou na sua forma única de ensinar, ultrapassando além dos limites de suas contingências e de sua efêmera existência material. Sua vocação para partilhar conhecimento com aqueles que foram buscar na fonte de sua sabedoria que o consagrou na imortalidade acadêmica é ainda lembrada nos dias atuais.

Grupo Escolar Saldanha Marinho. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

O professor Otoni Moreira de Mesquita na sua obra “Manaus História e Arquitetura 1852-1910” nos transporta nas curvas do tempo através de uma agradável viagem de recordações, reencontros e revelações da história deste patrimônio do saber.

[…] A construção do Liceu Provincial foi autorizada pela Lei 1506, de 4 de novembro de 1880 (Coleção de Leis do Amazonas, 1879 Tomo XXVII, pg. 28). Em abril de 1881, haviam preparado o terreno para obra (Dias, 1881, pg.43) e, em 16 de maio do mesmo ano, o Presidente Satyro Dias informava ter mandado “lavrar” o contrato para a construção do alicerce do prédio (Dias, 1881, pg. 7). Em 31 de maio de 1881, a Assembleia libera a quantia de 30:000$000 réis pra a referida obra (Annais da Assembleia Legislativa do Amazonas, pg. 92) e em 27 de agosto do mesmo ano, o Presidente Alarico José declarava a aprovação, em 02 de junho daquele anos, do “acto do diretor de Obras Públicas ordenando aos arrematantes das obras do Lyceu Provincial, que desse aquellas obras dimensões maiores, do que as marcadas na planta respectiva. (Furtado, 1882, p. 8)

Trecho da Av. Joaquim Nabuco, onde residia a família Benchimol, quando do nascimento de Saul Benchimol (em 14 de agosto de 1934). Fonte: Bazar Esportivo

Em 25 de março de 1883, o Presidente José Paranaguá informava que o engenheiro Leovegildo Coelho mantinha-se no cargo de diretor da Repartição de Obras Publicas e as obras do Lyceu, “começadas em maio de 1881” encontravam-se muito atrasadas. Estavam prontos somente os “alicerces e algumas paredes até a altura do vigamento inferior”, mas em “24 de julho” havia ordenado ao Tesouro Provincial chamar concorrência para a “construção das paredes do pavimento térreo”, além do fornecimento e instalação do “vigamento do soalho”. Aceita a proposto do engenheiro João Carlos Antony, o contrato fora assinado em “20 de janeiro” de 1883. Para o “sócco da fachada”, contratara com José Cardoso Ramalho o fornecimento da “cantaria necessária” pela quantia de 3:774$085 réis, e o assentamento desse material havia sido feito por Antonio Ruibal pela importância de 540$000 réis. Estavam compradas as grades de ferro para “os vãos por baixo das janelas” e já haviam aterrado o saguão e o pátio de edifício. (Paranaguá, 1883, p. 77)

Em 9 de janeiro de 1884, já estavam entregues as paredes de cantaria para o “sócco da fachada principal” do Lyceu, em 08 de fevereiro, foi encerra- do o período de concorrência estabelecido pelo Tesouro Provincial para construção da obra, só que, em 16 do mesmo mês o Presidente nada decidira sobre as cinco propostas apresentadas. (Paranaguá, 1884, p. 58 e 63)

Em 16 de maio de 1884, a Lei nº 640 autorizava o Presidente da Província a mandar concluir as obras do Lyceu Provincial e em outubro do mesmo ano, o Presidente anunciava que a obra estava (em grande andamento) juntamente com a obra da igreja de São Sebastião, que eram as duas únicas obras autorizadas “por contato” (Sarmento, 1885 pg. 9). Em setembro de 1885, o Presidente Ferreira Junior informava que a obra do Lyceu contratada com Malcher, Ramalho, e Castro continuava com “muita atividade” (Chaves, 1886, pg.32). No entanto em março de 1886, o Presidente Vasconcellos Chaves notificava que as obras do Lyceu deveriam ter sido concluídas em novembro do ano anterior, mas por “acto de 21 de julho daquele ano” haviam sido prorrogadas por mais oito meses e contava estarem concluídas em 21 de junho daquele ano, e lamentava que sendo o Lyceu um edifício importante, ressentia-se de “defeitos grosseiros”, muitos dos quais já não eram possíveis de serem reparados. (Ferreira Junior, 1885, pg. 51)

Em relatório de 10 de fevereiro de 1886, o diretor da Repartição de Obras Públicas, Lauro Bittencourt, afirmava que “com exceção dos três salões da frente, todo o segundo pavimento” estava assoalhado e forrado e as paredes embuçadas. (Bittencourt, 1886, pg. 37)

Oficialmente foi concluída em 5 de setembro de 1886, de acordo com a placa de bronze fixada no hall de entrada do prédio. Entretanto, posteriormente a esta data, surgiram algumas solicitações dos governantes no sentido de concluir a obra. Em 20 de junho de 1893, o Diretor de Obras Públicas, Armenio de Figueiredo, afirmava não ser necessário “mais que sessenta contos de réis pra terminar a obra” (Figueiredo, 1893, pg.10). Em 6 de janeiro de 1899, o Governador Fileto Ferreira comunicava estar o edifício passando “por modificações bem radicais), pois apesar de aberto há muitos anos a uso público fora entregue “quase ao abandono pela falta de limpeza e reparos”. (Ferreira, 1898, pg.16)

O antigo Lyceu Provincial, posteriormente Gymnasio Amazonense Pedro II e atualmente Colégio Estadual do Amazonas é um dos raros exemplares típicos da arquitetura neoclássica em Manaus.

Sua estrutura, assim como sua composição espacial e seu aspecto orna- mental, correspondem com bastante precisão às características traçadas pelo historiador Paulo Santos em sua obra Quatro Séculos de Arquitetura (1981, pg.53). A planta baixa do prédio e sua fachada são simétricas, bastante equilibradas e raro são os elementos ornamentais. O edifício tem dois andares sobre um alto porão e segue a estrutura da antiga “caixa” greco-romana, também muito utilizada durante o Renascimento.

A fachada tem duas alas laterais com um corpo central, ligeiramente pro- eminente. Na parte central fica a entrada do prédio, composta por uma escadaria de treze degraus que termina em um pórtico composto por quatro colunas no primeiro pavimento e quatro no segundo.

Com frequência, os elementos clássicos aplicados nas construções realizadas na última passagem do século apresentam alterações que escapam dos padrões mais rígidos. Ao utilizarem pórticos e colunas em suas fachadas, dispõe as ordens aleatoriamente, confundem, muitas vezes, a sequência convencionada pelos romanos. Ao aplicarem as ordens gregas às suas construções, os romanos definiram que o primeiro pavimento de uma construção deveria apresentar colunas da ordem dórica ou toscana, enquanto o segundo pavimento deveria utilizar colunas jônicas e o terceiro adotaria a ordem coríntia. No entanto a adoção de uma ordem implica no uso de outros elementos além da coluna, abrangendo, como por exemplo, o entablamento com seus frisos característicos.

Assim, pode-se classificar as colunas no primeiro pavimento do Lyceu Provincial como Toscanas, por apresentarem fuste liso e base, entretanto o entablamento sustentado por estas colunas é da ordem dórica, caracte- rizado pelo friso composto com triglífos e métopas. As colunas do segundo pavimento, apesar de ostentarem capitéis jônicos, apresentam fustes liso, quando a ordem exige caneluras. Por trás do pórtico, abre-se três portas em arco pleno que dão acesso ao vestíbulo do prédio.

As alas laterais de cada andar são vazadas por três janelas, todas de vergas retas, sendo as do segundo pavimento, janelas de púlpito com balaústres. Pilastras com mesma característica das colunas do pórtico intercalam-se entre as janelas e se apresentam em dupla nas extremidades da fachada e na divisão com o corpo central, A construção é arrematada na parte superior por uma platibanda de decoração singela, que circunda todo o edifício, sendo interrompido apenas pelo frontão triangular liso.

Dessa forma, escondem-se os beirais imprimindo ao edifício um aspecto mais de acordo com o estilo neoclássico. Como já foi dito anteriormente neste trabalho, este prédio apresenta grande semelhança com algumas obras de Palladio, lembrando, entretanto que tais características tornaramse bastante comuns no século passado em todo o Brasil.1

1 MESQUITA, Otoni Moreira de. Manaus: história e arquitetura (1852-1910). Manaus: Edua, 1997, p. 102-107.

Saul Benchimol. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

O trabalho como propagandista

Saul Benchimol tinha, na sua rotina de trabalho, o gerenciamento de visitas médicas e promoção de produtos do laboratório Merck Sharp & Dohme, especialmente nas farmácias e para classe médica, cuja representação era da empresa da família. Também era responsável por planejar e realizar visitas apresentando os produtos produzidos pelo laboratório. Na visita com os médicos, promovia uma apresentação dos produtos em pauta, com indicação, posologia, benefícios aos pacientes, entre outras

informações dos produtos. Manaus, nessa época, tinha aproximadamente entre quarenta a cinquenta médicos. Dentre eles: Antônio Comte Telles de Souza, Antônio Hosannah da Silva Filho, José Raimundo Franco de Sá, Olavo das Neves de Oliveira Melo, Leopoldo Cyrilo Krichanã da Silva, Menandro Tapajós, Euzébio Rodrigues Cardoso, Mário Isaac Sahdo, José Leite Saraiva e tantos outros.

Saul Benchimol lembra das tarefas de produzir os relatórios de suas visitas aos médicos e farmácias. Neste período, não era necessário ter curso superior, mesmo assim, era necessário ter conhecimento em anatomia, fisiologia, farmacologia, e naturalmente bons conhecimentos em vendas e negociação. Tratava-se de uma profissão de muitos desafios. O profissional precisava ser bastante proativo, organizado e possuir um senso analítico muito elevado para gerenciar seu tempo entre vendas, cobranças e propaganda médica.

Foi sim, um período importante em sua vida, com fortes lembranças desses momentos vividos por ele no início de sua jornada profissional.

A caminho da Faculdade de Direito (1953-1957)

A história da ocupação do espaço amazônico tem como momento o período do ciclo do látex, com profundas consequências para a realidade demográfica regional. A verdade é que a Amazônia não seria a mesma depois do fausto do látex.

Transcorria o ano de 1953, o jovem Saul Benchimol, fiel aos ensina- mentos de seu pai, ingressava na Faculdade de Direito, a “velha jaqueira”, que já havia formado grandes nomes da jurisprudência do Amazonas. Afinal, era a única opção, somente os filhos de famílias ricas podiam buscar estudos fora do domicílio. Para contribuir com o sustento da família, Saul Benchimol dedicava-se também ao trabalho de propagandista e vendedor do Laboratório Merck Sharp & Dohme. Na verdade, os homens e mulheres que lograram êxito em suas histórias tiveram como principal atributo a coragem e o espírito de luta. Foram, sobretudo, seres que acreditaram em seus sonhos e projetos movidos pelo entusiasmo e pelos ideais que legaram à sociedade uma história de feitos e conquistas.

Saul Benchimol tem como atributo servir ao próximo, ação que se oculta por trás da simples dimensão de suas ações, faz de sua vida o enigma e condição indispensável para uma existência enriquecedora e feliz.

O jovem Saul Benchimol, fiel aos ensinamentos de seu pai, ingressava na Faculdade de Direito, 1953.
Acervo da Família. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

Saul Benchimol – A saga de judeu na Amazônia

Dos seus inúmeros afazeres diários dedicava seu precioso tempo ao seu trabalho de propagandista e aos estudos. Ocupou seu lugar na primeira fila e, como lutador, marchou sempre na vanguarda com uma participação efetiva e dedicada. Estudioso, procurou fazer daquele espaço sua projeção para o futuro, não poupou esforços para ser útil aos seus irmãos e aos seus pais.

Neste período, seu pai trabalhava duro para manter a família. Todos os esforços eram também para manter seu irmão Alberto Benchimol, estudante de medicina no Rio de Janeiro. E, mais tarde, já formado, imigrou para os Estados Unidos da América, precisamente para Phoenix no Arizona, onde construiu sua carreira profissional de sucesso.

Manaus, nesse período, com uma população aproximada de 250 mil habitantes, tinha seu conglomerado urbano e comercial nas principais ruas do centro. O reconhecimento dessas circunstâncias, hoje narrados por Saul Benchimol, constitui o mútuo e legítimo orgulho de seus pais, que mantêm sua história com boas lembranças de todos esses acontecimentos. Essas verdades históricas resultam do espírito desbravador de Isaac

Israel Benchimol e da senhora Nina Siqueira Benchimol, que fincaram aqui a decisão de construir suas vidas.

Saul Benchimol e professores. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

Sobre o autor

Abrahim Baze é jornalista, graduado em História, especialista em ensino à distância pelo Centro Universitário UniSEB Interativo COC em Ribeirão Preto (SP). Cursou Atualização em Introdução à Museologia e Museugrafia pela Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas e recebeu o título de Notório Saber em História, conferido pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas (CIESA). É âncora dos programas Literatura em Foco e Documentos da Amazônia, no canal Amazon Sat, e colunista na CBN Amazônia. É membro da Academia Amazonense de Letras e do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), com 40 livros publicados, sendo três na Europa.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista

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