Manaus de ontem e de hoje com lágrima dos boêmios

“Na verdade, a nossa arquitetura mais antiga exprime uma atitude emocional e consequentemente estética de um período da burguesia enriquecida pela exportação do látex”.

Se a arquitetura é o símbolo mais visível de uma sociedade, a fisionomia urbana de Manaus reflete bem o espírito da sociedade que nasceu aqui em 1669. Não se trata de uma frase, ou de simples generalização sociológica, posso garantir. Na verdade, a nossa arquitetura mais antiga exprime uma atitude emocional e consequentemente estética de um período da burguesia enriquecida pela exportação do látex.

Hotel Restaurant Français. (Foto:Acervo Abrahim Baze)

Manaus, que despertou admiração de tantos imigrantes estrangeiros, cuja primeira década de 1900 marcou. É verdade, de uma aldeota dos Índios Manaós, o antigo Lugar da Barra, se transformou em um dos mais importantes centros de atividade industrial e comercial do mundo tropical, graças à vitalidade econômica da época. E consequentemente, lhe deu vida e riqueza por meio do seu comércio de longo alcance.

Manaus daquele período, veio conhecer o gosto e a experiência de países europeus onde sua burguesia buscava inspirações. As viagens à Europa, eram ocorrência de rotina para aqueles que viviam aqui. Era uma sociedade buscando o conhecimento e firmando-se como força civilizadora, o que ainda hoje não é diferente, o velho continente continua a fascinar.

Cidade de colinas suaves, a capital do Estado do Amazonas desdobra-se em visões múltiplas para o visitante que cruza as avenidas de seu lucido urbanismo. E não deixa de impressionar a obra urbanizadora creditada ao governador Eduardo Gonçalves Ribeiro. Vale relembrar que a topografia da cidade antes de Eduardo Ribeiro, vislumbrava-se cortes hidrográficos de vários igarapés que serpenteavam a cidade, como: o do Salgado, Castelhana, do Espirito Santo, de Manaus, da Cachoeirinha, São Raimundo e Educandos.

Manaus da Belle Époque de tantos casarões que a modernidade dos teus sonhos recuperou para não perdê-los. Manaus dos teus desenganos e por que não, do teu amanhã de uma amazônia iluminada. Manaus soberbamente jovem, a mostrar sua arquitetura exuberante, tão bem cuidada pelo secretário de cultura da época Robério Braga. Ah Manaus! Quanta saudade e perdoe-me a pretensão de querer ver-te na sedução do teu passado.

Manaus da Belle Époque. (Foto:Acervo Abrahim Baze)

Manaus minha cidade querida, afogo-me em nostalgia de um passado glorioso, ao despertar com os cânticos dos pássaros a espera de um amanhã venturoso, cujo polo industrial as duras penas move a nossa economia. De alguns tempos para cá, aprendemos a preservar os teus retratos, guardar as tuas ruínas, recolher teus pedaços e, a partir deles, reinventar teus sonhos, de uma Manaus de outrora.

Te fotografar na minha mente é apropriar-me de retratos múltiplos e variados na beleza dos tempos de antanho no Largo de São Sebastião. Dos seus palacetes cercado de árvores, das residências mais tradicionais. Como é bom lembrar, dos casarões portugueses, pé direito alto e grades de ferro Art Nouvea que margeavam nossas ruas. O palacete Mello Resende, na Praça dos Remédios, a espalhar o bom gosto de seus moradores, que dividiam o seu tempo entre Manaus e Paris. É sem dúvida uma cidade cheia de palacetes, além de casas assoalhadas, todas com porões, seguindo o academicismo francês já dominado pelo estilo Art Nouveau.

Sobrados portugueses de dois andares com aplicação de azulejos proliferavam em toda cidade. Foram criações de mestres de obras lusitanos que tentavam reproduzir com suas experiências, um tanto sentimentalmente a paisagem de Lisboa ou de Porto.

Vale a pena relembrar o fechamento do Bar Avenida com lágrimas dos boêmios e uma despedida saudosa. Era um domingo, 10 de novembro, em uma noite de sereno, às 23h precisamente um grupo de boêmios e garções, entre abraços e lágrimas reuniram-se pela última vez para uma despedida saudosa, dentre eles um frequentador assíduo de todas as noites para tomar o seu pingado (pão com manteiga e café com leite), o jovem jornalista Phelippe Daou.

Foi um período rico das rádios e do jornal impresso vivenciado por Phelippe Daou, Milton Cordeiro e tantos outros profissionais que perlustraram o jornalismo amazonense: Herculano de Castro e Costa, Arlindo Porto, Otávio Pires, Epaminondas Baraúna, Iriszaldo Godot, Almir Diniz, Oscar Carneiro, Ulisses Pimentel, Gutemberg Omena, Wilson de Queiroz Garcia, Weslys Miranda Braga, Alfredo de Belmont Pessoa, José Gabriel Pinto, Isaias Reis, Atlas Barbosa, Renato Silveira, Umberto Calderaro, Josaphat Pires, Rômulo Gomes, Josué Cláudio de Souza, Sinval Gonçalves, Raimundo Parente, Bento de Oliveira, Mansueto Queiroz, Bianor Garcia, Caio Góes, Júlio César da Costa, Newton Aguiar, Wppslander Lima, João Bosco de Lima, Índio do Brasil, Andréa Limongi, Flaviano Limongi, Ademar Diniz, Joviano Lemos, Gilberto Barbosa, Emanuel Gleba, Oscar Ramos, Corrêa Lima, Manoel Lima, Osnyr Araújo, Leandro Antony, Aristófanes Castro, Aristophano Antony, Jaime de Carvalho, Benedito Azedo, Raimundo Albuquerque, João Álvaro Maia, João Mendonça de Souza, Leal da Cunha, Eduardo Guerreiro, Honorato Lima, Joaquim Antônio da Rocha Andrade (Jara), Pedro Ubiratan de Lemos, Raimundo Moreira. Todos eles rememorado a mim por Arlindo Porto, como costumava dizer Phelippe Daou amigo de primeira hora.

Funcionários e fregueses davam adeus a um dos mais tradicionais bares da cidade de Manaus, que cerrava suas portas para dar lugar a futura agência do Banco Mineiro do Oeste e mais tarde Bradesco. Giovane Meneghini que desde há muito explorava o Bar Avenida que naquela hora recebia cada um dos fregueses em silêncio e, um deles, talvez, um dos mais antigos relembrou os dias de esplendor do Bar Avenida, que na década de 1930 funcionava como Bar e Restaurante francês, com um cardápio internacional dos mais completos.

O último dia do Bar Avenida foi normal e os irmãos Mário e José Meneghini, filhos do ex-proprietário do bar exclamou:

Os nossos fregueses mais antigos eram por nós avisados e entristeciam com a notícia, pois o fechamento do Bar encerraria um tradicional ponto de encontro, entre tantos que ali se reuniam estavam os jornalistas que trabalhavam nos arredores, especialmente os que trabalhavam nos jornais e rádios, que lá pelas 22h iam tomar o tradicional pingado, entre eles, Phelippe Daou, Milton Cordeiro, Almir Diniz e tantos outros. Outro cliente de muita tradição especialmente para o almoço, era o jornalista Josué Cláudio de Souza. Foi ai que ele escreveu uma das mais importantes cronicas desse intelectual com o título Meu amigo cachorro. Sempre que se dirigia para o almoço era acompanhado por um velho vira-lata que esperava pacientemente na porta dos Diários Associados, Jornal do Comércio e Rádio Baré, afinal, ele generosamente partilhava seu almoço com o velho amigo e companheiro vira-lata.”


Já não temos nossas noites à luz de velas e lamparinas ou lampiões, perdendo seus brilhos para o sol da manhã que acabara de nascer e dessa forma mais um patrimônio foi demolido.

Ah Manaus querida! Guardo com saudade a hora do Ângelos e o canto das cigarras, cúmplice da missa das 18h, na igreja de São Sebastião. É uma Manaus que deixou saudade.

* Tendo como inspiração a publicação deste artigo de Abrahim Baze, o poeta brasiliense Renato José criou uma poesia e a enviou para o articulista. Segue na íntegra:

À Manaus de Abrahim Baze
(Por: Renato José)

À sua Manaus querida curvei a fronte
em gesto de contemplação serena.
Foi amor à primeira vista do horizonte
das fotos nostálgicas aos textos que dos
pássaros o canto encena.

Toca-me o orvalho da noite dez de novembro.
Sinto o abraço dos amigos boêmios antecipando
a saudades na despedida do Bar Avenida. Nova
Arte a testemunhar, em lágrimas, soluços poéticos ecoando

ares do velho continente, Belle Époque, raios
primeiros do século vinte, a iluminar o polo alado
dos sonhos. O amanhã venturoso. O esvaio
do tempo nas recordações, acervo preservado.

Manaus querida do Poeta em nostalgia plena
passeando das aldeotas indígenas antigas
à atualidade cheia de detalhes, cantigas
das máquinas, gritos, que a glória engrena.

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