A Rebelião de 1924 em Manaus

Cabe situar a rebelião de julho de 1924 em Manaus, no contexto das rebeliões tenentistas ocorrido na década de 20, cujo foco propagador foi São Paulo a partir da ação militar desencadeada a 5 de julho.

O tenente Alfredo Augusto Ribeiro Júnior, ajudantes de ordens e soldados da guarda do palácio. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

Por Abrahim Baze – literatura@amazonsat.com.br

Tornava-se claro que a arrecadação muito pequena e consequentemente as despesas aumentadas, o funcionalismo sem receber seus vencimentos, a dívida externa em moratória, com juros e amortização em atraso, o desemprego, a fome se constituíam para que as organizações se unissem contra a família Rêgo Monteiro.

Na cidade de Manaus, a tragédia da fome e no interior do estado o bandidismo se alastrava, a Associação Comercial do Amazonas em uma de suas reuniões de diretoria previu em tempo, um possível levante das populações interioranas, que de certa forma impulsionadas pela carência de gêneros alimentícios atacavam comércio e propriedades do Baixo Amazonas.

Era um período difícil especialmente para o interior do estado, a medida em que a família Rêgo Monteiro se firmava no poder, os municípios se transformavam em verdadeiros feudos dos chefes políticos que usufruíram de seu beneplácito. As concessões das vastas reuniões, a saber segundo a professora doutora Eloina Monteiro dos Santos afirma:

[…] Balatais e seringais eram feitas a indivíduos privilegiados, os quais necessitava da ajuda parcial para submeter as populações voltas contra a servidão. As transações do Estado do Amazonas e seus credores externos, desde 1918 achavam-se completamente paralisadas.

O poder central não concretizava a indenização do Acre, devida ao Amazonas pela sessão de terras à União pendente no Supremo Tribunal Federal. Ressarcindo que segundo Rêgo Monteiro seria, a solução para minorar a crise que atravessava o estado”.

Fonte: SANTOS, Eloina Monteiro dos. A Rebelião de 1924 em Manaus. 4ª Edição Revista Ampliada, Manaus: Editora Valer, 2021. Pág. 61 e 62.

Em demonstração de solidariedade, o povo clama pelo líder já preso no navio. Mato Grosso. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

A medida que a família Rêgo Monteiro se incompatibilizava o Poder Central, acentuava-se em nível local a sua perpetuação no poder, o que por sua vez desencadeou internamente criticas às suas praticas administrativas. Em julho de 1923 Guerreiro Antony em sua carta aberta a Rêgo Monteiro, expunha-se a ausência de garantias individuais e de propriedade e a corrupção do poder governamental.

[…] Ninguém ignora a falta absoluta de garantias de vida e propriedade na capital e no interior, nenhum respeito aos direitos e liberdades dos nossos concidadão quanto em jogo os interesse inconfessáveis do mandonismo, ou falseamento do voto deste a estupenda falsificação de livros eleitorais presidida pelo Secretário-Geral do Estado até das Atas de eleição e apuração: a perseguição oficial a todos os nossos correligionários da Aliança Republicana: o desbarato dos dinheiros públicos em proveito único e exclusivo de Vossa Excelência filhos e fâmulos”.

Fonte: SANTOS, Eloina Monteiro dos. A Rebelião de 1924 em Manaus. 4ª Edição. Revista Ampliada, Manaus: Editora Valer, 2021. Pág. 63 e 64.

Críticas e denúncias contra os Rêgo Monteiro eram também formuladas na imprensa local pelos jornais Amazonas e Gazeta da Tarde. Aliás, a dominação da oligarquia Rêgo Monteiro se fazia de modo radical, tanto por meio da censura à imprensa como por métodos violentos. A gravidade da situação no estado exigia atitudes mais extremas. A organização de Silverio Nery procurou, em março de 1923 realizar aproximações com o Governador Rêgo Monteiro. A tentativa de acordo conforme telegrama ao Presidente da República pretendia harmonizar a política amazonense. Não foi todavia apoiada pelo Presidente Arthur Bernardes o que viria a provocar outras tentativas de conciliação de novos ajustes.

Destemidos soldados que atacaram o Palácio Rio Negro na noite de 23 de julho de 1924. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

A sucessão de 1924

Aproximava-se nova sucessão Rêgo Monteiro pediu licença para tratamento de saúde e viajou para Europa, transferindo o governo para Turiano Meira, que a esta altura era presidente da Assembleia Legislativa.

1924 era um ano eleitoral, a disputa entre as organizações oligárquicas excluídas do poder propiciava rearticulação e condições para qualquer iniciativa que permitisse fazer oposição ao governo de Rêgo Monteiro. Assim, buscando apoio de Turiano Meira, tentaram fazer acordo a fim de retirá-lo da oligarquia Rêgo Monteiro. Por essa atitude foi organizado um baquete oferecido no dia 14 de julho do mesmo ano, pela Associação Comercial do Amazonas, em nome das classes conservadoras, ao futuro Governador Turiano Meira.

A esta altura estava presente uma profunda divergência entre o Grupo Político que apoiava a família Rêgo Monteiro e a oposição que se aglutinava em torno de Turiano Meira, com a expectativa de ver antigos privilégios restaurados e que o apoiava na candidatura de quatriênio de 1924 a 1927. Essa atitude de afastar Turiano Meira de Rêgo Monteiro caiu por terra quando aquele, em mensagem à Assembleia do Estado, firmou continuar dando total apoio a Rêgo Monteiro.

O navio ‘Bahia’, navegando para Óbidos em 28 de julho de 1924. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

Diante de fatos que desvaneciam o intento do grupo de oposição, encontravam-se circunstâncias que conjugadas permitia a geminação da rebeldia. Quanto ao grupo do governo da situação ligada a Rêgo Monteiro deu apoio a candidatura de Aristides Rocha que contava com forte beneplácito do Poder Central. Aliás, a representação do Amazonas e o governo em exercício de Turiano Meira haviam trocado telegramas, estabelecendo acordos para garantir a candidatura.

Nesses momentos de incerteza política, a candidatura de Aristides Rocha veio acentuar a agitação entre as organizações. Quanto a atuação do poder central se encaminhava de tal forma para impor a candidatura que contava com seu apoio.

As articulações do movimento de 1924 se organizava

Diante da crise do capitalismo internacional, que de certa forma refletia nos países periféricos, especialmente o Brasil, numa perda do volume de exportações e dos preços de produtos, especialmente o látex. Somados aos conflitos e contradições da sociedade brasileira a esta altura, emergentes, criavam possibilidades de provocar críticas de vários setores do poder constituído, responsabilizando-o pelas crises e indicando a necessidade de uma completa reformulação das bases políticas existentes.

Dessa forma este período anunciava a desintegração da Primeira República, apresentando-se particularmente agitada no campo político com rebeliões de 1922, 1924 e a Coluna Prestes que atingiram vários pontos do país nesse processo de contestação surgia um grupo de militares futuramente revoltosos. Este grupo que possuía condições especiais para liderar rebeldia contra o governo e os tenentes detinham predominância numérica no conjunto das forças armadas, resultando da própria estrutura burocrática que regia o corpo de oficiais e de sua legislação de aposentadoria e promoções.

O tenente Alfredo Augusto Júnior fala ao povo. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

Outro fato interessante era a lentidão das promoções que causava insatisfação gerando predisposição para desobediência. Esses militares contestadores pertencia à geração revolucionária da Escola Militar de Realengo que se contraponha à velha Escola da Praia Vermelha, essencialmente técnica objetivando formar oficiais para funções exclusivamente militares. Desta forma fica constatada a necessidade de luta armada os militares inconformados iniciaram articulações visando sistematizar o movimento para se tornar realidade diferente da que ocorrera em 1922. Sobre o levante do Forte de Copacabana.

O fracasso de 1922 e as decepções resultantes contribuíram para o desanimo e o afastamento de alguns, em contra partida outros foram conduzidos para uma posição crítica, em face dos erros cometidos, buscando formas mais racionais de luta. Essa luta se viabilizava pela prática de transferências que ocorriam com o objetivo de desarticular articulações entre os oficiais rebeldes, principalmente do Rio de Janeiro para outras capitais.

Para Manaus, foram transferidos o Tenente do Exército Barata e o Tenente da Armada José Backer Azamor. Nessas condições os militares removidos trouxeram para Manaus suas experiências pessoais em atentados contra o poder estabelecido. Os militares rebeldes percebiam a necessidade de programar uma ação mais decisiva e sistematizar o movimento, iniciando sua atuação através da criação de um núcleo revolucionário que além de justificar a necessidade de luta armada, sob a responsabilidade dos militares deveria estabelecer um plano de aliciamento de indivíduos dispostos a participar do movimento de acordo com seus objetivos.

Dessa maneira, cabe situar a rebelião de julho de 1924 em Manaus, no contexto das rebeliões tenentistas ocorrido na década de 20, cujo, foco propagador foi São Paulo a partir da ação militar aí desencadeada a 5 de julho ocorreram nesse mês movimentos semelhantes em vários pontos do país, tais como Sergipe, Amazonas, Mato Grosso e Pará. Esses movimentos armados que irromperam em julho de 1924, demonstraram a articulação programada da ação dos militares rebeldes no sentido de desencadear o movimento de caráter nacional.

General João de Deus Mena Barreto e seu estado maior no Palácio Rio Negro. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

Para a Amazônia ou mais precisamente, para guarnições de Manaus 27º Batalhão de Caçadores e de Belém 26º Batalhão de Caçadores, sede da 8ª Região Militar foram efetuadas as transferências militares, principalmente Tenente que precediam do Rio de Janeiro e outras capitais do Sul e Nordeste, implicados movimentos de rebeldia contra o poder.

Como destacou o Coronel Raimundo Barbosa, Comandante da 8º Região, a oficialidade da Amazônia era constituída na sua quase totalidade por militares transferidos de outros estados, considerados como rebeldes indesejáveis.

[…] Uma força do 27º Batalhão descia a Avenida Eduardo Ribeiro, conduzindo a artilharia. Os soldados marchavam na melhor ordem, em forma, como se fossem realizar uma parada. Mas, o carro de guerra, que puxavam despertou a inquietação em toda a gente, que observava o desfilar da tropa. Dez minutos depois, ouviam-se o ruido da fuzilaria e alguns disparos de canhão, em rumo do Quartel da Polícia.

A população de Manaus ficou sobressaltada, tomada de pânico, todas as portas se fecharam. O tiroteio não demora senão uma hora. Sabe-se então, que aquela unidade do nosso Exército comandada pelo capitão José Carlos Dubois, revolta-se, depondo as autoridades constituídas do estado.

Turiano Meira Governador em Exercício, que substituía César do Rêgo Monteiro, em viagens pela Europa, retirava-se pelos fundos do Palácio Rio Negro, visto que este fora atacado de surpresa pela frente. O 1º Tenente Alfredo Augusto Ribeiro Júnior faz ocupação efetiva do prédio que era a sede governamental.

No quartel da Polícia Militar o Cel. Pedro José de Souza não desmentindo sua lealdade de velho soldado, resiste ao ataque, até ser gravemente ferido. É ocupada também aquela posição. Estava a revolta triunfante.

Fonte: BITTENCOURT, Agnello. O Momento Histórico. Boletim Maçônico. Agosto e Setembro de 1924.

Durante a ação militar inicial as lideranças estiveram constituídas pelos seguintes oficiais:

1º Tenente Alfredo Augusto Ribeiro, 1º Tenente Joaquim de Magalhães Barata, Capitão Comandante do 27º Batalhão de Caçadores, José Carlos Dubois e os primeiros-tenentes da Armada José de Lemos Cunha e José Backer Azamor.

Fonte: SANTOS, Eloina Monteiro dos. A Rebelião de 1924 em Manaus. 4ª edição. Revista. Manaus: Editora Valer, 2021.

Sobre o autor

Abrahim Baze é jornalista, graduado em História, especialista em ensino à distância pelo Centro Universitário UniSEB Interativo COC em Ribeirão Preto (SP). Cursou Atualização em Introdução à Museologia e Museugrafia pela Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas e recebeu o título de Notório Saber em História, conferido pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas (CIESA). É âncora dos programas Literatura em Foco e Documentos da Amazônia, no canal Amazon Sat, e colunista na CBN Amazônia. É membro da Academia Amazonense de Letras e do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), com 40 livros publicados, sendo três na Europa.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista

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