Somos o que somos

Em conversa com alguns amigos, o tema foi o envelhecimento. Amadurecer, envelhecer deveria ser visto como coisa natural, do mesmo modo como vemos, o crescer na infância e o adolescer na juventude. É a vida avançando no tempo.

Nenhuma etapa do desenvolvimento gera tanta inquietação como o envelhecer. Essa etapa, mais que as outras, revela a finitude em nós, fonte de angústia e inquietação existencial. O medo de envelhecer nos reenvia à certeza da morte.

Mas os estágios da maturidade e da velhice inquietam, sobretudo, porque são vistos, como um tempo só de perdas, retrocessos, doenças e limitações. Onde ficam as ampliações do ser, que conquistamos até a idade adulta e o envelhecer? Não contam a experiência acumulada, a sabedoria conquistada, o brilho que vem de dentro, a capacidade de compreender, a bondade para com os outros, a dignidade no existir?

Nem sempre os idosos revelam essa face bonita em seu existir, seja porque descuidaram dessa construção em seu tempo, seja por condições adversas que os impediram de viver a alegria de ser quem são. Somos nossa própria história, a cada etapa em que vivemos. O que vamos experienciar mais adiante, depende da história que escrevermos em nosso tempo. 

Por isso o tempo é agora. É preciso amar o presente e o que foi construído, para que se possa aceitar como natural o que é natural, acolher bem o que não pode ser modificado e viver do melhor modo possível, o que há para ser vivido.

A Sociedade do Espetáculo, com a qual convivemos, não chama a atenção para o brilho que vem de dentro das pessoas maduras, enfoca, ao contrário, a falta de brilho da pele, os sinais da aparência modificada pelo tempo, o corpo marcado pelo peso dos anos vividos. Nessa sociedade não aprendemos a ver beleza nas marcas que o tempo inscreve em nosso corpo. “Hoje trago em meu corpo as marcas do meu tempo”, cantava Taiguara.

Porque essas marcas teriam de ser vistas como feias? Elas compõem nossa história. Hoje há meios e técnicas plurais para o cuidado com a beleza externa, mesmo assim não conseguimos ser mais felizes. Nossa civilização não vê seus idosos com olhos da alma, da inteligência, do coração da emoção. Vê-se apenas a textura da pele, a silhueta, a idade e o visual. Detalhe apenas, não a pessoa. Veem aparências, o lado de fora, passos vacilantes, corpos em involução. Cada sociedade vê o que pode ver. 

Precisamos ter um olhar próprio, saber que é possível envelhecer com alegria, elegância, dignidade e vitalidade. Há idosos que participam desse modo preconceituoso de ver a velhice. Envelhecer pode ser grande, se acreditarmos e acalentarmos, projetos próprios de bem-estar. Estamos vivos e interessantes, enquanto somos interessados, criamos, elaboramos e nos apropriamos de nosso destino.

Existir no seu tempo é a arte por excelência de nosso desenvolvimento como pessoas, em todas as fases. O tempo, em cada estágio da vida, tem seus encantos e desencantos. A velhice pode ser um tempo de encanto, serenidade, mistério, confiança, sedução, elegância diante dos fatos. Um tempo sem a urgência das relações, onde se pode viver mais apoiado na própria construção interna que foi feita. 

Sexo não é tudo, há muitas outras coisas importantes e prazerosas na vida. Pode-se aprender a amar a própria companhia e a dos outros, mas não se pode fazer do outro um cabide para os próprios sonhos, ou para a felicidade. “Quem se subestima precisa de alguém ao lado para confirmar sua validade como pessoa”, lembra Lya Luft.

Envelhecimento é tempo de perdas sim, e a força para enfrentá-las terá de vir de nós mesmos. Encorajamento, fortaleza e confiança perante a vida, resultam de uma construção pessoal no transcorrer do existir. Começa cedo o trabalho por um envelhecimento com qualidade. Supõe o sentido do que fizemos a nós mesmos, aos outros e ao mundo. Supõe que se consolide nosso ser pessoas, satisfeitas com a vida e a passagem do tempo. 

O sentido do que fazemos, é encanto para a existência. Ele dá graça, sabor e sustentação à nossa história. O vazio de sentido, é capaz de proporcionar uma velhice angustiada. Integrando, amando a própria história, teremos razões para sentir bem-estar no envelhecer. Seremos a história que conseguirmos escrever nas páginas do tempo em que vivemos. Ela pode ser tecida de coisas simples ou grandiosas, mas que significam.

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