O direito divino dos reis e dos chefes

Líderes modernos não se veem como deuses, detentores da vida e da morte de seus liderados. A menos que…

Vem de longe a crença do poder divino dos reis. Foi um choque para muitos japoneses a declaração do imperador Hiroíto de que ele não era um deus, na derrota da Segunda Guerra. Também o papa, no mundo católico, é detentor de um poder divino, não concedido pela igreja ou pelos que o escolheram como papa, mas diretamente do Cristo, ao receber às chaves entregues a Pedro. Na perseguições aos cristãos ou na luta de gladiadores escravos, o público aguardava ansioso o polegar para cima ou para baixo do rei, determinando se haveria morte ou perdão. Diante da decisão do monarca, o público explodia como se fosse um gol. Na teoria absolutista, o que dá autoridade e legitimidade ao rei é a vontade divina e não a escolha de qualquer outro poder, ou mesmo de seus súditos. Mesmo em culturas chamadas “primitivas”, está lá, em muitas delas, a ideia de que o cacique representa as divindades e não a sua tribo.

O poder divino dá ao rei o direito de posse e a decisão sobre a vida e a morte. O controle é pleno e a obediência obrigatória. Seu descumprimento equivale a um pecado capital. “Manda quem pode, obedece quem tem juízo”, nos lembra uma máxima ainda frequentemente presente em organizações militares, religiosas e mundanas. Racionalmente, poucos se mostrariam simpatizantes a ela. Politicamente incorreta para os dias de hoje, pode ser considerada pré-histórica, de acordo com as modernas técnicas de gestão, onde técnicas de liderança autêntica e de liderança situacional valorizam o desenvolvimento do potencial humano e o processo participativo.

Foto: Reprodução/LinkedIn

Mas se olharmos de perto, talvez, o direito divino do rei esteja no nosso subconsciente, ou melhor, no inconsciente coletivo, que Yung nos ensina. Ele se reflete diretamente no mundo real das organizações em que a liderança é exercida, de forma real.

Sabemos o quanto é difícil implantar em qualquer empresa uma liderança autêntica, em que adultos sejam tratados como adultos e se comportem como tal. Não é tarefa fácil criar as condições necessárias para que as pessoas façam uso de seu maior potencial. Isto representa um prejuízo para as empresas e para a felicidade das pessoas, afastando-as de uma maior realização.

Lilian e Elmo são empresários e tentam isto há vários anos. A esta altura, questionam os avanços depois de todos os investimentos feitos. Se pudessem, creio que já teriam implantado a liderança democrática por decreto, no estilo do ex-presidente Figueredo: “Quem for contra a democracia, eu prendo e arrebento.” O poder divino valeria para os donos da empresa?

Líderes modernos não se veem como deuses, detentores da vida e da morte de seus liderados. A menos que…

Clara se percebe como uma gerente democrática e querida pela equipe. Foi surpreendida quando uma colaboradora procurou o RH da empresa para fazer reclamações da maneira como ela dirige o departamento. Sentiu-se traída e a sua primeira vontade foi demitir a colaboradora, por ser uma maçã podre, que poderia prejudicar toda a equipe. Queria virar o polegar para baixo, mas não tinha o divino poder. Pela política da empresa, terá que aguardar novas ações que comprovem que a colaboradora é mesmo uma maçã podre.

Evaristo diz que não se ilude com esta conversa de chefe democrático que quer ouvir a sua opinião. Ao final, de que vale ele sugerir isto ou aquilo, se vai prevalecer a vontade do chefe? Se é um convite para a participação, ele não está disposto a aceitar. Se nega conscientemente a ir além, embora não explicite isso. Quer saber quais são as ordens e o que lhe cabe fazer. Não nasceu rei e nem para chefe. As decisões virão deles, afirma Evaristo, como um plebeu, que não quer ser nobre.

Nem reis, nem chefes, nem plebeus. Em todos as posições, precisamos de adultos maduros e comprometidos em fazer o seu melhor, para o seu entorno e para si mesmo. Não é uma tarefa fácil. Talvez precisemos mesmo dos deuses. 

Sobre o autor

Julio Sampaio (PCC,ICF) é idealizador do MCI – Mentoring Coaching Institute, diretor da Resultado Consultoria, Mentoring e Coaching e autor do livro Felicidade, Pessoas e Empresas (Editora Ponto Vital). Texto publicado no Portal Amazônia e no https://mcinstitute.com.br/blog/.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista

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