Com uma perna só, mais rápido e mais longe

No acidente, Venâncio foi salvo duas vezes: pelos médicos e pelo seu modelo mental de viés positivo. Ao invés de lamentar e levar uma vida amargurada, Venâncio criou uma nova forma de viver.

Venâncio é um homem que passa alegria e se comunica facilmente. Acabara de conhecê-lo, num breve encontro, em um café, e já admirava o seu bom astral. Ele relatava uma viagem em que o seu carro elétrico parou exatamente na chegada a um hotel e que, dito por ele: “Graças a Deus, não parou no meio da estrada. O conserto demorou uns três dias, mas tudo bem. Foi até bom, pois aí aproveitei e dei uma recauchutada na minha perna, que já estava precisando”. Mostrou-me, então, por debaixo da mesa, uma perna mecânica, explicando-me, rindo, que, de tempos em tempos, precisava fazer manutenção nela, o que não entendi bem o que seria.

Venâncio estava de bermudas. Poderia estar de calça comprida e ninguém perceberia que ele não tinha uma perna, mas ele não esconde sua deficiência. Ele é um homem negro e alto, um pouco calvo, forte e está muito bem para os seus 66 anos. Mais do que a perna mecânica, o que se destaca em Venâncio é o sorriso.
Ele era bombeiro e, em um acidente de trabalho, um caminhão passou por cima das duas pernas. No hospital, antes de “apagar” pelo efeito da anestesia, o médico lhe disse: “talvez precisemos sacrificar as suas pernas”. Meio grogue, falando com dificuldades, ele respondeu: “Pode amputar, doutor, o que eu quero é viver”. Horas depois, ao acordar da cirurgia suas primeiras palavras foram: “E as pernas, doutor? O médico ia respondendo: “Infelizmente…” “Foram as duas pernas, doutor? O senhor amputou as duas pernas?” interrompeu Venâncio. “Não, infelizmente, precisamos sacrificar uma das pernas”, respondeu o médico. Venâncio falou prontamente: “Graças a Deus! Graças a Deus, ainda tenho uma perna”.
Imagem: Reprodução/LinkedIn

Venâncio não reclamou da perna que perdeu. Ao contrário, seu sentimento espontâneo foi de agradecer pela perna que ficou. Ninguém conseguiria fazer isto forçadamente, apenas para fazer gênero. É o modelo mental de Venâncio que o fez reagir desta forma. Talvez seja da sua natureza. Talvez tenha construído ao longo de sua trajetória. Sua história não é de facilidades. De origem humilde e nascido em Minas, morava em Bangu, um bairro da zona oeste do Rio. Não teve muitos estudos, mas conseguiu entrar no Corpo de Bombeiros, onde se estabilizou.

No acidente, foi salvo duas vezes: pelos médicos e pelo seu modelo mental de viés positivo. Ao invés de lamentar e levar uma vida amargurada, Venâncio criou uma nova forma de viver. É grato pela perna mecânica que recebeu, é grato pela aposentadoria e é grato pela indenização que lhe permite ter uma vida materialmente confortável. É ele quem diz: “nunca tinha ido ao exterior antes do acidente e agora passo a maior parte do tempo viajando com a minha mulher. Já fui aos Estados Unidos, a alguns países da Europa e até ao Marrocos. No Brasil, viajo só de carro. Já fui ao Sul e ao Nordeste. Tenho feito também muitos amigos. Deus foi muito bom comigo. Não posso reclamar da vida”.

Venâncio é um exemplo prático do que os estudos da psicologia e da neurociência indicam, assim como o que os filósofos estoicos já defendiam: a felicidade depende muito menos de fatores externos, que não temos domínio, do que de fatores internos. Mais determinante é como lidamos com os acontecimentos, sejam eles desejáveis ou não. Tudo pode ser bom, assim como tudo pode ser ruim. Com quem está o poder da escolha? Mokiti Okada nos ensina: “quem vive agradecendo caminha para a felicidade, quem lamuria, para a infelicidade”.

No Método MCI de Felicidade, a gratidão é um dos seis exercícios essenciais de felicidade. Mas, não basta agradecer o que é bom. Como em tudo, podemos evoluir, avançando e agradecendo pelo que, aparentemente, não é bom, até que possamos agradecer por todas as coisas, pois podemos tirar bom proveito de tudo. Isto seria viver na frequência da gratidão. Será que um dia chegarei lá? Sei que estou muito longe disso, mas a consciência me ajuda a dar pequenos passos. Venâncio, com uma perna apenas, parece estar indo mais longe e mais rápido. E você, está conseguindo agradecer e tirar o melhor proveito dos acontecimentos?

Sobre o autor

Julio Sampaio (PCC,ICF) é idealizador do MCI – Mentoring Coaching Institute, diretor da Resultado Consultoria, Mentoring e Coaching e autor do livro Felicidade, Pessoas e Empresas (Editora Ponto Vital). Texto publicado no Portal Amazônia e no https://mcinstitute.com.br/blog/.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista

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