Agenda positiva e o camarote do governador

Há situações em que poderemos precisar do luto, do curtir a dor, do lamber as feridas. O problema é quando este momento se prolonga e nos aprisiona.

Quando enviuvei, senti um grande vazio interior. Parecia que as coisas tinham perdido o sabor. Que os projetos já não faziam sentido. Que agora era deixar passar o tempo, e passar com ele. Um dia, porém, decidi que iria sair. Iria conhecer gente, paquerar, viver uma nova experiência. Haveria um show da Marisa Monte no Teatro Guaíra, em Curitiba. Na época, fazia sucesso uma música que começava com: “Ainda bem que um dia encontrei você, você que me faz feliz, você quem me faz sorrir.” Parecia o cenário perfeito para iniciar um novo ciclo. Eu me preparei para o show, como quem vai para um primeiro encontro. Depois de 32 anos, estava solteiro novamente. Era o momento de criar uma agenda positiva.

Cheguei cedo e ocupei o meu assento. Alguém tinha o mesmo número que o meu. Como ele estava em grupo e eu sozinho, um funcionário do teatro ponderou se eu me incomodaria de trocar de lugar. Mas não havia lugares disponíveis. Lotação esgotada. “Eu vou arranjar para o senhor o melhor lugar do teatro”.

Sim, ele fez isso. Ou o que ele achava que era o melhor lugar: o camarote do governador. Um verdadeiro apartamento, com vários ambientes, um espaço para dezenas de pessoas, por detrás de uma sacada lateral ao palco e à plateia. Ficava fechado a maior parte do tempo e com muitas luzes para acender e eliminar a escuridão. “Melhor impossível”, disse ele para mim. “Aqui, ninguém vai incomodá-lo”. Sim, ninguém iria me incomodar. Ninguém iria me ver. Eu não veria ninguém. Nem na saída do show, vi ou fui visto. Foi assim, a primeira saída para paquerar. Se não foi um sucesso, restou a agenda positiva.

Foto: Reprodução/LinkedIn

 No dia seguinte, como fazia todos os finais de semana, fui para o Rio, seguindo uma rotina familiar, que já não fazia sentido, mas que, por alguma razão, eu cumpria religiosamente. Neste sábado, em um jantar que quase não aconteceu, por desinteresse de parte a parte, reencontrei uma colega de curso. Casamos três anos depois. A música da Marisa Monte se tornou a nossa música. Ponto para a agenda positiva.

Ciclos se encerram, mas quando e como começa o novo ciclo?

Teoricamente, podemos dizer que o novo ciclo se inicia imediatamente após o final do outro, mas não é bem assim. Se este fim for uma perda, poderemos precisar do luto, do curtir a dor, do lamber as feridas. Em algumas situações, isto pode ser mesmo essencial. O problema é quando este momento se prolonga e nos aprisiona. Há pessoas que permanecem no luto o resto da vida, em um processo de autossabotagem contínuo.

A partida de um ente querido, um negócio que não deu certo, uma separação ou uma demissão podem ser um soco no estômago, ou uma pancada na cabeça, deixando-nos atônitos por um tempo. Humanamente, pode ser preciso chorar, gritar, sofrer. Mas não para sempre. Tão logo quanto possível é preciso levantar, sacodir a poeira e seguir adiante. Mais do que simplesmente seguir, é preciso criar uma agenda positiva.

Que novas oportunidades se abrem neste novo ciclo? O que vai ser legal fazer diferente? O que podemos realizar agora que não podíamos antes? Quem conheceremos? Que boas notícias nos esperam? Para algumas pessoas, pensar assim é muito difícil. Fogem do que chamam de autoilusão e caem no pior tipo delas, que é a desesperança, acompanhada do pessimismo. Sim, novos ciclos trazem novas oportunidades, mesmo os que nos chegam forçados, contra a nossa vontade. Para desfrutar de um novo ciclo, no entanto, é preciso criar uma agenda positiva.

O camarote do governador poderia ser o melhor local do teatro ou um espaço frio, escuro, de profunda solidão. Ele poderia ser qualquer coisa. O que ele não poderia era anular a minha agenda positiva. Só eu mesmo poderia fazer isso.

Sobre o autor

Julio Sampaio (PCC,ICF) é idealizador do MCI – Mentoring Coaching Institute, diretor da Resultado Consultoria, Mentoring e Coaching e autor do livro Felicidade, Pessoas e Empresas (Editora Ponto Vital). Texto publicado no Portal Amazônia e no https://mcinstitute.com.br/blog/.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista

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