True Crimes: interesse por casos reais de violência cria teorias e relembra acontecimentos em Manaus

Um vídeo publicado no Youtube apontou uma teoria de um suposto novo serial killer que teria surgido na capital do Amazonas.

As produções de ‘True Crime, que do inglês significa crimes reais, tem sido cada vez mais difundidas nos últimos anos. Documentários, séries, podcasts, os mais diversos meios de propagação tem sido usados para contar as histórias de crimes reais que chocaram o mundo, dos mais diversos tipos. 

Em trecho de uma matéria do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP/USP), o professor doutor Avelino Rodrigues, do Departamento de Psicologia Clínica, explica que obras de true crime no mundo do entretenimento buscam expor a versão dos envolvidos e “o interesse pelo gênero existe por se tratar da natureza humana e, ao ser consumido por meio de filmes, livros e séries, passa por um processo de sublimação, quando o conteúdo (não os crimes em si), passa a ser aceito e valorizado pela sociedade”.

“O ser humano contém muitas possibilidades construtivas, mas, também, destrutivas. Os conteúdos destrutivos emergem, mas transformados em obras de arte — por exemplo, na forma dos filmes”, declarou o professor em junho de 2020.

Muitas produções do tipo, consumidas no Brasil, são “importadas” como forma de entretenimento, mas versões regionais também fazem parte do “catálogo”. Como é o caso do canal ‘Colecionador de ossos’, apresentado por Bryan Emmendörfer, com vídeos que contam casos criminais que ocorrem em todo o mundo.

Um exemplo é um caso recente que ocorreu no Amazonas e gerou diversas especulações. No último dia 7 de novembro, um vídeo foi publicado no canal falando do caso de uma ossada humana encontrada na praia da Ponta Negra, um dos pontos turísticos mais populares de Manaus, culminando em uma teoria sobre o possível surgimento de um serial killer (assassino em série) na capital amazonense.

No vídeo, a história faz uma ligação entre a relação de ossadas encontradas nos últimos meses, em diferentes lugares da cidade e na região metropolitana. Um dos casos de mais destaque é da ossada encontrada pelos banhistas no dia 9 de outubro. Os vídeos do momento em que os bombeiros retiram o esqueleto da água viralizaram nas redes sociais. As imagens são chocantes, mas pareciam não abalar a população que registrava o momento.

Após esse episódio, devido ao período da seca, outras ossadas humanas começaram a surgir na orla da cidade. Assim, a teoria do vídeo traz um mapeamento de outros 14 casos que aconteceram na cidade, levando a acreditar que seria uma forma de modus operandi (modo de operação) de algum serial killer.

Foto: Reprodução / Atlas da Violência

Entretanto, o vídeo reforça que os casos de criminalidade cresceram em Manaus no último ano. De acordo com dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado no fim de junho deste ano, Manaus teve aumento de 48,9% no número de mortes violentas entre 2020 e 2021. O anuário também aponta um ranking das cidades mais violentas do Brasil, onde Manaus está entre as seis capitais que apresentaram alta no número em todo o país. 

A Secretaria de Segurança Pública do Estado do Amazonas (SSP-AM) realizou um levantamento entre os meses de janeiro a agosto de 2022 e registrou 853 casos, 5,4% a menos do que no ano anterior. Mas apesar da redução local, a taxa geral de violência cresceu no Brasil. Dados do Atlas da Violência, realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), apontam que em 2019 houve 45.503 homicídios no país, o que corresponde a uma taxa de 21,7 mortes por 100 mil habitantes, segundo o Sistema de Informação sobre Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM/MS).

Voltando à análise do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2021, o número de mortes violentas intencionais chegou a 1.670.

Outro ponto a se pensar é que a região amazônica é alvo de narcotráfico, pois na região há uma integração e conexão de redes ilegais do tráfico de drogas como a cocaína, e estas redes são produzidas a partir da interação espacial que envolve os rios e as cidades da região. 

O Amazonas é uma das portas de entrada da cocaína de origem peruana e de skank de origem colombiana, por exemplo, usando o rio Solimões e o rio Javali como rotas. 

“É diante deste contexto que as facções do crime organizado que atuam no Brasil passaram a enxergar a Amazônia enquanto uma região estratégica para a geopolítica do narcotráfico, que é constituída por essa relação transfronteiriça que envolve múltiplos agentes cada um com sua função específica no universo do crime. Facções da região sudeste do Brasil, a exemplo do Comando Vermelho, originária do Rio de Janeiro, e do Primeiro Comando da Capital (PCC), proveniente de São Paulo, passaram então a ter interesses em atuar nas áreas de fronteira, bem como em cidades consideradas importantes para a fluidez da droga. O interesse destas facções está relacionado na busca pelo controle das principais rotas do tráfico de drogas na Amazônia. Todavia, algumas facções locais compreenderam melhor os mecanismos de funcionamento das redes ilegais através da Amazônia e, dessa forma, o estado do Amazonas e o estado do Pará, considerados como os grandes “corredores” de circulação de mercadorias ilícitas (drogas, madeiras e minérios contrabandeados), tornaram-se o lócus de surgimento de grupos criminosos regionalizados, tais como Família do Norte (FDN-AM) e Comando Classe A (CCA-PA)”,

trecho do Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

Na Amazônia Legal, 34 facções foram registradas, divididas entre os Estados do Amazonas, Amapá, Acre, Pará, Mato Grosso, Roraima, Rondônia, Tocantins e Maranhão.

As principais facções são: Comando Vermelho (CV), Família do Norte (FDN) e Primeiro Comando da Capital (PCC). O CV e o PCC estão em 8 dos 9 Estados da Amazônia Legal. Diferente dos outros Estados, o Mato Grosso é o único comandado unicamente pelo Comando Vermelho (CV). 

Foto: Reprodução / Anuário Brasileiro De Segurança Pública 2018-2021

Por conta da disputa por território, diversos casos de crimes e assassinatos já foram registrados na Amazônia. Entre eles, um dos mais brutais da história do Amazonas, foi a rebelião no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus, em 1° de janeiro de 2017.

No total, 56 pessoas foram torturadas e assassinadas. Segundo a SSP-AM, o motim foi causado por confrontos de organizações criminosas rivais. As negociações duraram cerca de 17 horas. O massacre foi considerado o segundo maior do Brasil, ficando atrás apenas do Massacre do Carandiru.

Foto: Reprodução / Polícia Civil do AM

Uma situação mais recente foi o “foguetório”, que aconteceu em outubro de 2021, quando foi supostamente declarada guerra entre as facções criminosas Comando Vermelho (CV) e Cartel do Norte (CDN), deixando a população assustada na época.

Casos de Serial Killers em Manaus

Por conta dessas e outras histórias violentas que marcam o Amazonas, as teorias de serial killers estão longe de fazer parte apenas da recente repercussão do gênero de histórias de true crime.

Nas décadas de 1950 e 1960, por exemplo, a cidade de Manaus foi aterrorizada por uma série de assassinatos que tinham sempre como denominador comum a presença de um personagem: o comerciante cearense José Osterne de Figueiredo.

O primeiro caso foi a morte do biscateiro Anacleto Gama, ocorrido em 1953, seguido pelo assassinato do merceeiro Antônio Dias, em 1954, e finalizando com o estrangulamento do engraxate Walderglace Grangeiro, de 13 anos de idade, em 1968. 

Todos apresentavam características idênticas ao modus operandi do assassino, que tinha características de sadismo e agressões sexuais, o que levou a se acreditar que existia, de fato, um assassino em série na cidade.

A Crítica, 08 de outubro de 1953. Foto: Reprodução / Durango Duarte

E não para por aí. Em 2014, dois irmãos foram presos acusados de seduzir e assassinar 10 homens, todos homossexuais, no ano de 2013. Jucenildo Soares Damascena, de 18 anos, e Ricardo Damascena Cunha, de 19 anos, foram presos em cumprimento a um mandado de prisão pela morte de um estudante de jornalismo, Steve Host da Costa Barros, 36 anos, assassinado no dia 29 de novembro de 2013, na Zona Leste de Manaus. 

Durante a apresentação à imprensa, na Delegacia Especializada em Roubos, Furtos e Defraudações (Derfd), os irmãos contaram como assassinaram Steve Host e também falaram sobre os outros crimes. “Matei ele porque me prometeu dinheiro e não me deu. Não me arrependo. Morreu, morreu. É menos um gay”, disse Ricardo Damasceno à época.

As investigações foram iniciadas em novembro de 2013, após a morte do estudante de jornalismo. O caso aconteceu quando Ricardo, segundo as declarações, considerado pelas autoridades como “um maníaco”, conheceu o rapaz em um bar e 20 dias depois o assassinou e roubou com a ajuda do irmão mais novo.

Além do universitário, outras vítimas foram confirmadas: Henrique Júnior Rabelo Maio, 31 anos, encontrado morto em um hotel na rua Floriano Peixoto, no Centro de Manaus, no dia 18 de novembro de 2013; Carlos Macambira da Silva, 41 anos, achado morto em um sítio, no bairro Santa Etelvina, Zona Norte; e o industriário Jucinei José de Araújo Barbosa, 46 anos, morto na residência dele, no bairro Nova Cidade, também na Zona Norte, no dia 16 de dezembro de 2013.

O estudante de jornalismo Steve Host da Costa Barros, 36 anos, assassinado no dia 29 de novembro de 2013. Foto: Divulgação

Mão Branca

Em 1980, o Brasil teve suas atenções voltadas para uma série de assassinatos que aconteceram na cidade de Campina Grande, interior da Paraíba. Estima-se que, entre janeiro e junho daquele anos, 59 pessoas foram mortas e todas possuíam um detalhe em comum: elas tinham marcas parecidas na forma como foram mortas, uma espécie de “marca registrada”.

Tudo começou com o assassinato de Carlos Roberto Alves, um conhecido marginal da época, e continuaram ao longo dos meses. Em geral, as vítimas eram pequenos delinquentes locais que já haviam sido presos e detentos que desapareciam misteriosamente das celas ou ainda ex-presidiários que já haviam cumprido pena.

As marcas deixadas nos cadáveres tinham um padrão: os corpos eram crivados de balas de diversos calibres, com sinais evidentes de tortura, abandonados em locais desertos pela cidade. Cada qual apresentando particularidades que indicavam certo caráter simbólico ou alegórico no ritual que envolvia o ato de matar. 

Por exemplo, os que haviam sido ladrões eram encontrados com as mãos mutiladas e os que tinham fama de falastrões ou delatores com tiros na boca. De acordo com os relatos, as vítimas eram somente pessoas que tinham algum envolvimento criminal. O autor se declarava defensor de órfãos, viúvas e inocentes e não acreditava que estava fazendo crime, mas justiça.

Em Manaus, o “justiceiro” encaminhou uma carta para um dos principais jornais da época, Jornal A Notícia, que publicou em 16 de março de 1980 uma manchete que informava a chegada do Mão Branca.

Foto: Reprodução / Instituto Durango Duarte

De acordo com a notícia, Mão Branca teria encaminhado uma carta informando que chegaria à cidade no mês de abril, para se vingar dos crimes que aconteceram. Segundo a carta, ‘Mão Branca’ era uma organização de justiceiros que estariam investigando durante três meses algumas mortes que ocorreram na cidade e foram acobertadas pela polícia.

Uma lista com 77 suspeitos foi criada pela organização, que os “marcou para morrer”. A matéria também noticiava que Mão Branca havia telefonado pessoalmente à redação do jornal para informar a sua transferência para Manaus.

Em 17 de abril de 1980, o mesmo jornal publicou em sua manchete o relato de uma mala encontrada com o símbolo do justiceiro dentro de um carro na porta de um hotel. Dentro da mala havia várias armas de diferentes calibres.

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