Judoca paraense cega é convocada para treinar com Seleção Brasileira

Deficiente visual desde os cinco anos e treinando judô desde os 12, Larissa Oliveira, hoje com 17, não acreditou quando recebeu a notícia da primeira convocação de treinamento da Confederação Brasileira de Desportos de Deficientes Visuais (CBDV). “Eu estava em casa quando o meu telefone tocou e era o meu sensei, Reinaldo, dizendo que recebeu um e-mail informando que eu tinha sido convocada para treinar com a seleção agora em dezembro, visando o Parapan-Americano de Jovens, em março do ano que vem em São Paulo. Eu nem acreditei, cheguei a perguntar se era brincadeira e ele disse que não ia brincar com uma coisa dessas. Passei o dia sem acreditar, só depois que foi caindo a ficha”, conta a atleta.

Os treinos serão de 4 a 11 de dezembro, em São Paulo, com tudo pago. Mas antes Larissa vai representar o Pará nas Paralimpíadas Escolares 2016. Este ano, os jogos também serão na cidade de São Paulo, no período de 21 a 26 de novembro. A delegação paraense será composta por 101 integrantes, sendo 64 atletas que irão disputar medalhas nas modalidades de goalball, bocha adaptada, natação, atletismo, futebol de 7, tênis de mesa e judô. A competição é realizada pelo Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), Ministério do Esporte e Confederação Brasileira do Desporto Escolar (CBDE). Na última edição dos jogos, o Pará conquistou o 4º lugar no quadro de medalhas, com 17 de ouro, 14 de prata e 13 de bronze, totalizando 44 medalhas. 

Atleta mostra as medalhas que conquistou. Foto: Divulgação
Outro judoca paraense convocado para a Seleção foi Thiego Marques, que mora em Parauapebas. Ele foi campeão da categoria até 60kg do Grand Prix Infraero de Judô Para Cegos – Etapa Final, disputado no dia 12 de novembro, em Belém. O atleta, que tem inúmeras medalhas, já figura algum tempo em listas de convocação e, junto com Larissa, é uma das apostas para o do judô paralímpico brasileiro.

Com um histórico de vitórias e medalhas expressivos na bagagem, apesar da pouca idade, Larissa enfrentou muitos problemas depois que desenvolveu a síndrome de Stevens-Johnson, causa da sua cegueira. A doença produz uma reação alérgica grave que causa erupções cutâneas podendo afetar olhos, nariz, uretra, vagina, trato gastrointestinal ou trato respiratório, e ocasionando processos de necrose. A síndrome acomete, aproximadamente, dois a três indivíduos em cada um milhão na Europa e Estados Unidos. Não tem preferência por sexo, idade ou etnia. Geralmente, decorre de uma reação alérgica a algum medicamento, e os sintomas podem se manifestar até três dias após a ingestão do medicamento, como foi no caso de Larissa.

“Desde os oito meses de vida a Larissa tem uma saúde muito frágil e já tinha alergia à amoxicilina. Ela tinha acabado de completar cinco anos quando teve um resfriado e tomou um xarope que desencadeou a síndrome de Stevens-Johnson. Quando vi minha filha cheia de feridas e sangrando pela boca, entrei em desespero e pensei que ela fosse morrer. Lembro até hoje o dia em que nos demos conta de que ela havia perdido a visão. Foi na enfermaria do Hospital das Clínicas, aqui em Belém. Ela estava em recuperação e com os olhos ainda muito inflamados. Uma manhã, quando acordou, ela pediu para que eu ligasse a luz, mas já estava tudo claro. Então percebemos que ela não estava enxergando. Não acreditei no que estava acontecendo”, relata Ana Paula Oliveira, mãe de Larissa.

Ela já perdeu a conta de quantos médicos procurou e das promessas de que recebeu de que Larissa poderia voltar a enxergar. Até 2013, elas iam todos os anos para São Paulo, com auxílio do TFD (Tratamento Fora do Domicílio), para consultas com especialistas. “Eu ainda acredito que ela possa voltar a ver. Queria mesmo conseguir uma consulta para ela no Hospital São Paulo, que é referência em oftalmologia no Brasil, pra ver o que eles dizem”, conta Ana Paula.

Esporte

O Judô surgiu na vida da Larissa, quando ela menos imaginava. A jovem conta que sempre gostou de artes marciais, mas nem sabia que um cego podia lutar. “Eu sempre achei muito legal praticar artes marciais, acompanhava as Olimpíadas e já tinha vontade de lutar. Foi quando fui chamada por uma estudante de Educação Física que estava fazendo um trabalho de conclusão de curso e ia avaliar a pratica do judô para cegos. Fui a apenas três aulas, mas meu cadastro ficou na Asfam (Associação Souza Filho de Artes Marciais) e começaram a me ligar convidando para praticar o judô. Então eu pensei: por que não? Estou lá até hoje”, conta Larissa.

A jovem judoca não se deixa abater pelas limitações. Foto: Divulgação
A Asfam desenvolve o projeto Dorinha, que garante às pessoas com deficiência a oportunidade de praticar esportes, ensinando técnicas de judô. Atualmente, são cerca de 150 pessoas beneficiadas, entre elas, portadores de autismo, síndrome de Down, deficiência visual, paralisia cerebral e deficientes físicos. O Núcleo de Articulação e Cidadania do Governo do Pará (NAC) e a Secretaria de Esporte e Lazer (Seel) apoiam a Asfam, e outros atletas, por meio do Plano Estadual de Ações Integradas à Pessoa com Deficiência – Existir. O NAC foi responsável pela realização da Regional Centro-Norte de Goalball, que ocorreu pela primeira vez, em abril desse ano, em Belém. O Pará é considerado pelo Comitê Paralímpico Brasileiro uma referência em talentos no esporte. Em junho, Belém foi escolhida para representar a região Norte no revezamento da tocha paralímpica, que ocorreu em 2 de setembro.

Medalhas

As medalhas mais importantes Larissa conquistou a partir de 2012 nos Jogos Escolares Brasileiros (JEB’s), quando conquistou dois ouros, uma prata e um bronze. No ano seguinte participou do Grand Prix Internacional e ganhou prata. Em 2014 foram duas medalhas no JEB’s (uma prata e um bronze), três medalhas no Grand Prix Nacional (um ouro, uma prata e um bronze) e um ouro no Grand Prix Internacional. No ano passado Larissa conseguiu duas pratas no JEB’s e um ouro no Grand Prix Nacional. Com tantas medalhas, a atleta já vislumbra um futuro no tatame e se espelha em um ídolo: o tetracampeão paraolímpico no Judô, Antônio Tenório, prata nos Jogos Paralímpicos Rio 2016 e maior nome do judô paralímpico brasileiro da atualidade.

“Esses dias em São Paulo vou mostrar que eu sou capaz, que sou boa, para me firmar e ficar lá. Quem sabe garanto uma vaga na seleção principal. Quero participar das paralimpíadas em Tóquio e vou fazer de tudo para chegar lá”, revelou a atleta. A convocação foi motivo de muita alegria na família. “Eu fiquei muito feliz, pois eu sempre soube que a Larissa tinha potencial para isso. Mas quem ficou empolgado foi o pai dela, que não para de falar disso. Já espalhou pra todo mundo. Ele tem muito orgulho da nossa filha, assim como todos nós”, comemora Ana Paula.

Com a renda que recebe do programa Bolsa Atleta, do Ministério do Esporte, e do benefício para pessoas com deficiência, Larissa leva uma vida simples no distrito de Icoaraci, onde mora com os pais, que são autônomos, e a irmã Lana, de 8 anos. Estudante do 2ª ano da Escola Estadual Teodora Bentes e frequentadora da Unidade Educacional Especializada José Alvares de Azevedo, referência no atendimento de deficientes visuais no Pará, Larissa pretende fazer vestibular para o curso de Direito. Segundo ela, se o judô não der certo – o que sua trajetória já mostra ser algo improvável – a metao plano é ser promotora de Justiça, profissão que sempre admirou.

Barreiras

Sobre as dificuldades por conta deficiência e o preconceito que sofre, a jovem dá uma lição de vida. “Preconceito todo mundo sofre e depende muito da cabeça de cada um para lidar com isso. Eu aceito críticas construtivas e o que não me ajuda, jogo fora. O que importa é o que eu acho e o que eu quero pra mim”.  Questionada se gostaria de voltar a ver, a atleta disse que tem dúvidas “Às vezes sim, às vezes não. Eu não sei como seria a minha vida hoje se eu pudesse ver. Não sei se estaria me preparando para ir treinar com a Seleção e tantas outras coisas que consegui. Não lembro de muitas coisas de quando eu enxergava, mas tenho saudade de correr, como corria quando era criança e brincava livremente sem ninguém pra me conduzir. Agora eu quero focar no judô e em tudo que posso conseguir na condição que estou agora”, contou Larissa.

Publicidade
Publicidade

Relacionadas:

Mais acessadas:

Pará perde Mestre Laurentino; artista completaria 99 anos em janeiro de 2025

Natural da cidade de Ponta de Pedras, na Ilha do Marajó, ele era conhecido como o roqueiro mais antigo do Brasil.

Leia também

Publicidade