Jogo criado no Museu Paraense Emílio Goeldi ensina evolução de espécies

O jogo elaborado pelos biólogos Alexandre Bonaldo e Horácio Higuchi desafia jovens e adultos a classificar espécies animais em grupos com ancestral comum.

Fotos: Divulgação/Museu Goeldi

Um jogo digital, criado por pesquisadores do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), para auxiliar pessoas de diferentes faixas etárias a compreenderem a evolução e classificação de espécies animais, está sendo utilizado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), no Rio de Janeiro, com muito entusiasmo. “Filogenia dos vertebrados” leva o usuário a comparar, por exemplo, espécies de mamíferos com características semelhantes, para então deduzir se os animais pertencem ao mesmo grupo ou a grupos diferentes.

Responsável pela elaboração do jogo, o biólogo Alexandre Bonaldo ressalta a importância de democratizar informações científicas como estas.

“O pensamento evolutivo é uma das grandes conquistas do método científico. Todas as pessoas têm o direito de ter acesso aos conceitos que definem esse pensamento, mesmo que isso tenha pouco a ver com suas realidades ou mesmo as confronte com seus sistemas de crença. A própria ideia de preservação da natureza surge do Iluminismo, ao recolocar a humanidade de volta, ao lado dos outros organismos. Só podemos preservar aquilo que entendemos como importante”, argumenta.

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Para ilustrar as minúcias do desafio proposto pelo jogo, o biólogo Horácio Higuchi, parceiro de Bonaldo na construção do jogo, menciona o grupo de marsupiais, conhecidos, em especial, por darem à luz filhotes prematuros que se arrastam para dentro de uma bolsa na barriga da mãe, onde se fixam aos mamilos e se alimentam até completar seu desenvolvimento. Entre eles estão os cangurus e os gambás.

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“Há alguns que se parecem muito com cachorros (o lobo-da-tasmânia, Thylacinus) e outros que lembram ratos (o gambá ou sariguê, Didelphis), embora não tenham parentesco próximo com cães ou roedores”, contrasta.

O fato é que, com a emergência da Teoria da Evolução, considera-se fundamental para uma classificação zoológica consistente o agrupamento de animais por meio da existência de um ancestral comum, do qual ao menos uma característica singular entre os animais é a base desse agrupamento.

O especialista destaca que, para fazer isso, deve-se examinar profundamente cada representante desses grupos à procura de alguma característica que só ele e seus parentes próximos apresentem. Horácio Higuchi detalha que “essa característica deve ser uma novidade na história evolutiva do grupo, ou algo que se modificou a partir de uma forma ancestral de aspecto diferente”.

Desafio

Na prática, várias características são examinadas e, muitas vezes, elas podem ser conflitantes. O lobo-da-tasmânia, por exemplo, tem focinho, orelhas, cauda e porte de cachorro, assim como o gambá em relação ao rato; entretanto, os dois animais têm em comum algo que cães e roedores não têm: o marsúpio (bolsa ventral). “Isso significa que o ancestral comum dos marsupiais tinha essa bolsa e que os ancestrais desse ancestral ou não a possuíam, ou a tinham num aspecto diferente”, justifica Horácio.

Bonaldo explica que “o jogo da árvore evolutiva pode ser adaptado para qualquer grupo de organismos, o que dá à proposta uma grande flexibilidade para atender públicos diferentes. Por exemplo, ao invés da história geral dos vertebrados, como feito na versão original, pode-se optar por mostrar a evolução de um grupo de aves amazônicas, em função da separação de suas populações ancestrais por barreiras históricas, como os grandes rios. Poderíamos até mesmo mostrar a formação histórica de palavras comuns em diferentes línguas, como exemplo da evolução da linguagem em culturas humanas. Então, esse é um instrumento para contar a história comum que nós humanos temos com o planeta”.

O jogo

O aplicativo criado pelos pesquisadores do Museu Goeldi surgiu da necessidade de traduzir alguns conceitos científicos básicos sobre evolução de uma forma lúdica.

“Uma das ideias que pretendíamos passar é a de que os clados, ou seja, as linhagens de animais e plantas que compartilham ancestrais comuns, são entidades históricas, reconhecidas por características derivadas únicas. Considerando que a proposta da exposição foi de abranger um público amplo, essa atração específica deveria se dirigir a estudantes de ensino médio e superior, mas também ser acessível e atraente para todos os públicos”, relembra Bonaldo.

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O jogador vai se deparar, inicialmente, com três grupos de organismos, número mínimo para serem estabelecidas hipóteses de classificação. E, para os três grupos de organismos, uma série de características é oferecida, sendo apenas uma a correta.

O usuário passa de fase à medida em que acerta as características derivadas que indicam as relações evolutivas entre os organismos apresentados. Em cada fase subsequente, um novo clado é adicionado e novas características são apresentadas. Este processo se repete até que se complete a árvore filogenética.

“No caso da exposição permanente, escolhemos representar a evolução dos vertebrados, incluindo peixes, répteis e nós, mamíferos. Mas o programa pode ser adaptado para contar a história evolutiva de qualquer grupo biológico. Esse tipo de abordagem, em que se propõem ao público a construção de filogenias através de ferramentas interativas, é comum em museus do exterior, e tem se mostrado importante na tarefa de transmitir conceitos científicos para o público em geral, especialmente em um momento em que se prega o negacionismo”, aponta Bonaldo.

Parceria

Professora do Departamento de Neurobiologia da Universidade Federal Fluminense (UFF), a bióloga Lucianne Fragel explica que a instituição estreou, em agosto, o jogo criado pelo Museu Goeldi, durante a realização do Ciência sob Tendas, centro de ciências itinerante sediado em Niterói. A programação da universidade integra a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia e inclui atividades de anatomia comparada, tanto com animais marinhos quanto com animais terrestres, a partir de fragmentos, como ossos de tartaruga e mandíbula de tubarão.

“Funcionou super bem. Todas as nossas atividades são mediadas por alunos de graduação e pós-graduação. Mas, a ideia era deixar o jogo livre para que o público pudesse jogar. Estamos atendendo uma escola no município do interior do Rio de Janeiro, que é Cordeiro”, conta ela, reafirmando a intenção de oferecer “uma atividade conjunta, com uma parte de manipulação animal e uma parte digital”, disse.

Titular da Coordenação de Museologia do Museu Goeldi, Emanoel Fernandes de Oliveira Júnior contextualiza que o jogo foi desenvolvido no âmbito da exposição “Diversidades amazônicas”, aberta ao público em setembro de 2022, com o objetivo de instigar os visitantes a interagir com os conteúdos propostos pelo eixo “Espécies”, um dos cinco que compõem a mostra original. “A cessão de uso do jogo faz parte de uma colaboração que o Museu Goeldi está construindo com a Universidade Federal Fluminense (UFF) e que se iniciou nos primeiros meses deste ano”, relembra. A parceria estende para o interior do Rio de Janeiro uma experiência que estava restrita aos visitantes do Parque Zoobotânico do Museu Goeldi, em Belém.

“Seguimos trabalhando no incremento desta mostra e estamos tentando entender, a partir de informações coletadas junto ao público, que outros conteúdos podem ser associados a este aplicativo no intuito de otimizar a experiência dos visitantes com ele. O certo é que este é um recurso muito interessante, que facilita a compreensão em torno das origens e da expansão da biodiversidade na Amazônia”, conclui Emanoel.

*Com informações do MPEG

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