Jogo educacional criado no Pará facilita ensino de Ciências a estudantes com TEA

A ideia da pedagoga Bianca Pantoja surgiu quando, em 2018, recebeu a missão de mediar, em sala de aula, um aluno TEA grau 03, nível severo. 

Para o filósofo canadense Marshall McLuhan (2005), a tecnologia é uma extensão do corpo. Em um mundo cada vez mais tecnológico, a criação de mecanismos voltados à redução das dificuldades impostas por limitações fruto de deficiências tem sido grande aliada no processo de tornar experiências cotidianas mais acessíveis. Nesse contexto, tecnologias assistivas, termo que se refere às ferramentas que buscam proporcionar ou ampliar habilidades funcionais de pessoas com alguma deficiência, têm possibilitado conquistas importantes em diferentes campos, impactando diretamente a qualidade de vida, inclusão e independência de uma parcela da população que, somente no caso de pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), chega a 70 milhões no mundo e 2 milhões no Brasil, segundo estimativas.

Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Alfabetização, Leitura, Escrita, Literatura, Cibercultura, Formação e Trabalho Docente (Gepasea) e do Grupo de Estudos e Pesquisas Práticas e Saberes Docentes (Gepsad), a pedagoga Bianca Pantoja viu-se desafiada em 2018, quando recebeu a missão de mediar, em sala de aula, um aluno TEA grau 03, nível severo. 

A experiência acabou sendo decisiva na escolha do tema que ela explorou no mestrado finalizado em janeiro do ano passado. Pantoja é autora da dissertação ‘Um estudo sobre o uso da tecnologia assistiva no ensino de ciências para alunos com transtorno do espectro autista: criação do aplicativo e software educacional Casulo TEA’.

“Eu realmente me apaixonei pela temática. Eu tive muito medo de como proceder e vi que precisava estudar. Eu busquei muito e, nessa busca, eu me encantei. É algo muito prazeroso a gente saber que pode ensinar e ver que a pessoa é capaz de aprender, que tem competência, tem habilidades, tem potencial. É algo muito bom. É realmente maravilhoso”, diz emocionada a pesquisadora.

Foto: Bianca Pantoja/Acervo pessoal

O estudo foi defendido pelo Programa de Pós-Graduação em Docência em Educação em Ciências e Matemáticas da Universidade Federal do Pará e contou com a orientação do professor Marcelo Marques de Araújo. Com o apoio de estudantes da graduação na área de Ciência da Computação e Cinema e Audiovisual, Bianca desenvolveu um aplicativo e um software educacional voltados ao processo de ensino e aprendizagem da temática do corpo humano a alunos autistas. Os produtos funcionam off-line e estão disponíveis para download gratuito no Play Store e no eduCAPES.

Aplicativo/software conquista ao explorar diferentes sentidos 

Nomeados como Casulo TEA, aplicativo e software funcionam de maneira simples e autoexplicavas. No total, são três temáticas comuns divididas em abas – “higiene”, “esqueleto” e “acessibilidade” – além de “partes do corpo”, no caso do aplicativo, e “sentidos”, para quem opta pelo uso do software. Classificado como jogo educacional, o Casulo TEA permite aos usuários ir conquistando fases.

Os produtos são ilustrados e bem coloridos e funcionam de maneira muito similar. No aplicativo, ao clicar na aba “Higiene”, por exemplo, o jogador é convidado a fotografar partes do corpo ou objetos ligados ao jogo. Por exemplo: dente, sabonete, cabelo e shampoo. Em seguida, aparece uma tela com 4 imagens de produtos de higiene: fio dental, escova de dente, shampoo e sabonete. Clicando em cada imagem, é possível escutar todas as explicações para, em seguida, participar da “hora das perguntas”.

“O software educacional e aplicativo foi concebido como estratégia metodológica para auxiliar no processo de ensino e aprendizagem dos alunos com TEA, pois tais estudantes, por conta do transtorno, possuem, como características, grandes dificuldades de concentração, dificuldades de retenção do conhecimento e rendimento escolar”, explica Bianca.

“Os indivíduos com TEA demonstram grande afinidade pela área da tecnologia. Antes mesmo da pesquisa, eu pude observar isso com meu aluno. Eu cheguei a usar outros aplicativos com ele, e, quando eu trazia essas atividades, eu sentia que ele participava mais, que o tempo de concentração dele era maior, que ele prestava muita atenção e conseguia reproduzir. Enfim, era nítido que eu conseguia o maior domínio, conseguia interagir muito mais com ele, e isso me estimulava muito. Eu ficava muito feliz”, 

detalha a pesquisadora, que, antes de iniciar o mestrado, testou outras aplicações educacionais disponíveis.

Produto é aliado para diferentes públicos de estudantes

No percurso de desenvolvimento do aplicativo/ software, Pantoja desenvolveu uma pesquisa qualitativa, de cunho exploratório, classificada como estudo de caso. Ela contou com a participação de três alunos do Ensino Fundamental II do Colégio Tenente Rego Barros diagnosticados com TEA. Com diferentes níveis e graus do transtorno – do verbal leve ao severo não verbal – os estudantes puderam testar e validar o produto desenvolvido.

“A avaliação inicial do produto mostrou a relevância da pesquisa e a possibilidade de contribuir para o processo de ensino e aprendizagem, tanto dos alunos com TEA quanto dos demais alunos da turma que possam apresentar outras dificuldades específicas de aprendizagem; pois, após análise do teste aplicação, foi constatado que o Casulo TEA conseguiu alcançar os objetivos propostos também pelo software, com os alunos participantes do estudo demonstrando interesse em aprender a utilizar a tecnologia e interagindo por todo o período de testes, além de terem conseguido passar de fase e terem respondido ao questionário”, avalia Pantoja, que também ouviu professores de Ciências acerca do produto desenvolvido.

Após um ano da defesa, Bianca faz planos para dar continuidade à pesquisa. “Este é um tema que realmente me conquistou. Entre as expectativas para continuidade da pesquisa, está a possibilidade de transformar a dissertação em livro, como sugerido pelo meu orientador, conseguir investimentos para, quem sabe, conseguir disponibilizar o aplicativo também para IOS e, sem dúvida, seguir com o doutorado, aprimorando o que já temos”, aponta Bianca.

*O conteúdo foi originalmente publicado pelo Jornal Beira do Rio, edição 166, da UFPA, e escrito por Edmê Gomes.

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