Aplicativo Farm.Go pode conectar o agricultor familiar com os consumidores de produtos orgânicos na cidade e deve ser apresentado no Vale do Silício, Califórnia (EUA), até o final do ano.
O Instituto Claro divulgou neste mês de maio, os projetos vencedores da 8ª edição do Campus Mobile, concurso de inovação e empreendedorismo realizado pela Associação do Laboratório de Sistemas Integráveis Tecnológico (LSI-TEC), com patrocínio do Instituto Claro e apoio da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). Entre os vencedores, Maurício Pantoja, aluno do Instituto Federal do Pará (IFPA), campus Abaetetuba, que conquistou o primeiro lugar na categoria Smart Farms.
Maurício Pantoja tem 24 anos e é aluno do IFPA Campus Abaetetuba. O estudante desenvolveu, em parceria com o amigo Rômulo Figueiredo Farias, o aplicativo Farm.Go —agricultura familiar em um click — que atende aos critérios de impacto social, inovação, design, usabilidade e acessibilidade. O resultado da competição foi divulgado no dia 6 de maio pelo Instituto Claro. O prêmio consiste em R$ 6 mil reais para aprimorar o produto e uma viagem de imersão ao Vale do Silício, com tudo pago, para participar da etapa internacional da competição.
O aplicativo Farm.Go foi testado na cidade de Abaetetuba durante dois meses. Para a competição, os jovens cadastraram 20 usuários que compraram a produção de quatro agricultores familiares. Cada usuário realizou três compras, totalizaram 60 vendas dentro do Programa Campus Mobile.
No momento, o aplicativo passa por ajustes e em breve estará disponível para baixar no Play Store e no site https://www.farmgo.eco.br/. “A nossa loja estava disponível para baixar. Mas para funcionar em um sistema híbrido, tivemos que tirar do ar”, esclarecem.
Esta inovação está diretamente relacionada às práticas de Ciências Biológicas vividas por Pantoja dentro das comunidades nas quais ele desenvolveu estudos científicos.
“Dentro do IFPA, trabalhei com pesquisas sobre o tratamento comunitário de água utilizando o carvão ativado a base do caroço de Miriti; e qualidade das águas nas ilhas de Abaetetuba. Procurei me envolver com projetos que buscavam impacto social nas comunidades parecidas com a minha, comunidades ribeirinhas com dificuldades de acesso à informação, políticas públicas, água potável e segurança”, ressalta Pantoja.
O fato do IFPA contar com professores e técnicos multidisciplinares, de acordo com o jovem, lhe possibilitou ter acesso a um conhecimento muito mais amplo, para além do próprio curso.
“Esta multidisciplinaridade faz da gente empreendedor. O fato do IFPA ser ligado às comunidades ribeirinhas e a comunidades de estradas, muito voltado para o social, nos permite ter contato humanizado com os problemas que elas enfrentam. O convívio e proximidade com a agricultura familiar me fez percebe que a principal dificuldade era comercializar a produção. Perceber isso me fez busca soluções para aplica diretamente e junto a estas comunidades” comenta Pantoja.
O aplicativo foi testado pela metodologia mvp, produto mínimo viável, que consiste em realizar vários testes: com cliente, usuário, tempo de entrega e qualidade do produto.
“Fizemos estes testes para verificar se o cliente pagaria para ter uma sacola retornável e personalizada da Farm.Go, como alternativa para evitar usar muitas embalagens ou caixas de papelão. Com o resultado, percebemos que as pessoas não querem só aplicativo. Elas querem um site também e preferem sistema híbrido. Foram diversas variáveis analisadas neste período. A previsão é que o Farm.Go esteja funcionando plenamente no final de junho”, garante Pantoja.
“O corpo técnico do programa da 8ª Campus Mobile recomendou uma série de orientações para melhorias e um planejamento a seguir. Foi por esta razão e para evitar erros que tiramos o Farm.Go do ar. Sabemos que nossos produtores parceiros estão precisando muito que a gente volte logo, mas precisamos adequar melhor alguns pontos. Quando formos para o Vale do Silício precisamos apresentar as melhorias executadas no projeto. Nossa inovação precisa chegar lá sem erros, pois lá ocorrerão premiações e rodadas de investimento”, explicam os empreendedores.
Com o prêmio, os jovens acreditam que vão melhorar a logística, ampliar o catálogo de produto e garantir ainda mais qualidade e higiene em todas as etapas— da produção à comercialização —. “A gente acabou de sair da startup. Temos muitas ideias ainda para implementar. Pretendemos tornar a plataforma híbrida, para que funcione em IOS, Android e Web”, destaca Rômulo.
Quem é Maurício Pantoja e Rômulo Figueiredo Farias? Como esta parceria começou?
Concluinte do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas do IFPA, campus Abaetetuba, Pantoja demonstra conhecer de perto as dificuldades e desafios enfrentados pelas comunidades ribeirinhas e da agricultura familiar de Igarapé-Miri, onde mora sua família, assim como as enfrentadas pelas comunidades de Abaetetuba e municípios da região.
Certo de que a solução para todos os problemas se inicia pela educação, ele busca nos estudos as alternativas para amenizar os danos causados pela falta de acesso à informação, às políticas públicas como saneamento básico e água potável na região.
Como vários ribeirinhos e moradores de Boca do Caji, comunidade do município de Igarapé-Miri, Pantoja estudou o ensino básico em uma escola de ensino modular. Foi neste período que conheceu o professor Gilberto Luís Sousa da Silva que, por meio de palestras e exemplos de superação por meio dos estudos, o ajudou a ver a iniciação científica como caminho capaz de identificar alternativas e meios para promover as melhorias tão necessárias a toda população da região.
No ensino médio, tomou mais gosto pela iniciação científica e teve a oportunidade de apresentar vários projetos em feiras nacionais e em eventos internacionais (Emirados Árabes e Estados Unidos). No ano de 2015, participou da Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace) realizada pela Universidade de São Paulo (USP). No ano de 2019, já na graduação, viu na categoria Smart Farms da Campus Mobile, programa de empreendedorismo e inovação, também da USP, voltada para alunos do ensino superior, a chance de melhorar um projeto específico para as comunidades rurais com aplicação da tecnologia mobile.
A Campus Mobile coincidiu com o final da graduação no IFPA, período em que Pantoja buscou direcionar suas pesquisas científicas para o campo do empreendedorismo social, aplicando algumas técnicas aprendidas no Instituto e fora dele, desenvolvendo modelo de negócio que pudesse ajudar a população das pequenas comunidades. “Comunidades essas com as quais eu me identificava muito, pois eu vim de uma delas, onde havia o modelo de cooperativismo e associativismo”, comenta Pantoja.
Por conta da própria origem e do grande contato com as comunidades dependentes da agricultura familiar, o estudante percebeu que a maior dificuldade era na comercialização da produção, pois a única feira da cidade funcionava somente aos sábados. Após encontrar e delimitar o problema, o próximo passo foi propor a solução: o Farm.Go. Surgia assim a ideia do aplicativo campeão, uma plataforma on-line para auxiliar os pequenos agricultores a ofertarem os produtos diretamente aos consumidores na cidade. Os pontos chaves do modelo de negócio é a logística e o cadastro de parceiros para a entrega. A qualificação dos produtores também é algo que está sendo pensado e será feito ao longo do aprimoramento do aplicativo.
Com a solução na cabeça, Pantoja fez parceria com o estudante concluinte do curso Técnico em Informática, Rômulo Figueiredo Farias, 19 anos, para conseguir desenvolver o aplicativo e se inscrever na Campus Mobile. Os dois buscaram se cadastrar na competição, porém somente Maurício atendia ao critério de ser de nível superior. Mas, isso não os impediu de formar a dupla para o desenvolvimento da solução. No período das aulas, os dois trabalhavam juntos em Abaetetuba. Durante a etapa presencial, lá em São Paulo, Pantoja apresentava o trabalho e fazia networking e, em Abaetetuba, Farias programava e readequava o aplicativo. Os dois trocavam ideias pela internet para dar continuidade ao Farm.Go, pois a equipe poderia ser composta por mais pessoas, embora no máximo três poderiam representar o projeto na competição.
Farias é natural de Abaetetuba. Assim como Maurício, gosta de desafios e de estudar. Conta que interessou por lógica e programação bem antes do ensino médio. Aprendeu a programar ainda em casa, assistindo vídeos e lendo textos pela internet. Inicialmente, programava no caderno. Quando entrou no IFPA, nas primeiras aulas, já se destacava pelo conhecimento prévio na área de informática e programação. Com o auxílio e orientação dos professores do IFPA, teve oportunidade de aprimorar o que sabia e vislumbrar outras possibilidades de pesquisas com Arduíno em iniciação científica. Ajudou a programar uma estação meteorológica com Arduíno e se tornou bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) um programa financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Participou de vários projetos e eventos dentro do IFPA como, por exemplo, o Simpósio de Tecnologia da Informação do Campus Tucuruí (SIMTEC), Arduino Days e Update do Campus Abaetetuba, e do I Seminário Internacional de Linguagens, Culturas, Tecnologias e Inclusão (Silicti) do Campus Castanhal. Paralelo aos eventos do IFPA, a convite do professor Gilberto, se inscreveu na Febrace 2020 e com os outros colegas apresentou o projeto campeão da Categoria Marinha do Brasil.
Pantoja e Farias agradecem o apoio recebido de seus familiares, ao professor Gilberto que os incentivam e ajudam desde do ensino médio em suas pesquisas, à equipe da USP e ao Instituto Claro que realizaram o evento, concederam o apoio e recurso para Pantoja ir até São Paulo para a etapa presencial da Campus Mobile.
O ex-professor de Matemática de Pantoja, Gilberto Luís Sousa da Silva, que hoje é Coordenador de Incentivo à Pesquisa da Secretaria Municipal de Educação de Abaetetuba e presidente do Instituto Açaí: Ciência e Cidadania na Amazônia, relata que o jovem foi criado sem pai, na Comunidade Boca do Caji, nas ilhas de Igarapé-Miri.
“Seu avô lhe dava uma mesada de 40 reais. E olha que receber mesada não é algo comum na comunidade. Maurício estava convencido de que os estudos e a iniciação científica seria um caminho para conhecer o mundo. Se inspirava em Regiane Silva, uma jovem que tinha as mesmas condições que ele e que trilhou uma trajetória fantástica com o projeto do Matapi Ecológico. Assim, todo mês, quando recebia a mesada, comprava óleo diesel para que o gerador de energia pudesse ficar ligado por mais tempo à noite para poder estudar. Na comunidade não havia energia elétrica. Ele enfrentou e enfrenta muitas dificuldades. Perseverou nos sonhos, com o projeto de Farelo de Bucha do Miriti participou de várias feiras de ciência pelo Brasil, como a MOCINN em 2010, em Fortaleza, quando tomou o primeiro banho de mar. Continuou a aperfeiçoar suas pesquisas e foi mais longe, a Abu Dhabi, Dubai, Estados Unidos, ganhou vários prêmios e se tornou exemplo para os outros alunos”.
O professor Gilberto garante que tudo isso só foi possível devido à educação pública, ao apoio da Prefeitura de Igarapé-Miri de Abaetetuba, Fundação Amazônia Paraense de Amparo à Pesquisa (FAPESPA), Governo do Estado do Pará, IFPA, CNPq e principalmente por existir professores que acreditam no potencial de seus alunos.
“Acabei adotando Maurício como meu filho, pois como era muito pobre e não tinha acesso à internet e nem computador ele passava a maior parte do tempo em minha casa e ao fazer o vestibular passou em 8 faculdades, escolheu cursar Ciências Biológicas no IFPA, campus Abaetetuba e veio morar com minha família”.
As etapas da Campus Mobile
A Campus Mobile começou em outubro de 2019, com 685 participantes de 25 estados do país. Em dezembro do mesmo ano, o Farm.Go foi um dos 94 selecionados para a etapa de desenvolvimento. O critério para participar era estar na graduação ou ser recém-formado. Pantoja era o único da dupla que cursava graduação e conseguiu se inscrever na competição. Nesta primeira etapa, passou por uma fase de formação, em janeiro de 2020, com palestras on-line ministradas por especialistas em tecnologia, inovação e, também, com integrantes da banca avaliadora de sua categoria na competição.
A penúltima etapa foi um período de imersão em São Paulo (SP), onde participou, ao longo de uma semana, de forma presencial, de maratonas de programação (hackatons), mentorias, palestras, oficinas, visitas técnicas e apresentações dos projetos. Ao término de tudo isso, o aplicativo Farm.Go foi um dos 18 escolhidos para a final. Como os demais finalistas, a dupla recebeu uma quantia em dinheiro para auxiliar na última fase que era composta por uma série de metas a serem cumpridas no prazo de dois meses.
Depois de seis meses de muito networking, palestras on-line e presenciais, maratonas de programação, muito trabalho para o aprimoramento de seu projeto, Pantoja e Farias souberam que o aplicativo Farm.Go foi vencedor da categoria Smart Farms da 8ª edição do programa Campus Mobile. O resultado foi divulgado no dia 6 de maio. Foram contempladas soluções tecnológicas em seis categorias: Educação, Diversidade, Smart Cities, Smart Farms, Saúde e Games.
Os R$ 6 mil de prêmio deve ser revestido para aprimoramento do aplicativo. Além disso, faz parte do prêmio uma viagem de imersão ao Vale do Silício (Califórnia, EUA), onde os jovens conhecerão algumas das maiores empresas da área de tecnologia do mundo e participarão de outra etapa em âmbito internacional. A data da viagem não foi divulgada pelos organizadores da Campus Mobile, tudo depende do desenrolar da pandemia de coronavírus.
Campus Mobile
Voltado para estudante de graduação ou recém-formado, o Campus Mobile é um programa anual, destinada a quem tem interesse em desenvolver aplicativo ou serviço de telefonia móvel. Para participar basta ter espírito criativo e empreendedor, gostar de aprender e de trocar experiências com pessoas de diferentes áreas.
Nesta edição de 2019, os estudantes podiam escolher uma das seis categorias do programa: Diversidade, Educação, Smart Cities, Smart Farms, Games ou Saúde. Os desenvolvedores concorriam a uma viagem de imersão ao Vale do Silício e a prêmios em dinheiro. Podiam participar universitários e recém-formados, em equipes de até 3 membros.
O Campus Mobile é uma iniciativa do Instituto Claro, em parceria com a Associação do Laboratório de Sistemas Integráveis Tecnológico (LSI-TEC), com o apoio do Laboratório de Sistemas Integráveis da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (LSI-USP), que orienta jovens no desenvolvimento de projetos que visam o desenvolvimento social e econômico do Brasil.