Luar na casa comunal Wai Wai. Comunidade Katual TI Trombetas Mapuera, Roraima. Foto: Claide Moraes
O Instituto de Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo (USP) publicou o dossiê “Amazônia contra o Antropoceno”, organizado pelos professores Claide de Paula Moraes e Miguel Aparicio, ambos do Instituto de Ciências da Sociedade (ICS) da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa).
Na publicação constam nove artigos de arqueólogos, antropólogos e ecólogos, indígenas e não indígenas, entre eles, docentes pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Arqueologia e Antropologia (PPGAA) da Ufopa.
“Frente a concepções que instalam a Amazônia numa posição passiva no cenário climático e no debate mundial sobre o Antropoceno, o dossiê chama a atenção para outras vertentes da ação humana na Amazônia, colocando em destaque formas de interação com outros seres vivos e com as paisagens que talvez devam ser classificadas como antiantropocênicas”, explicam os professores que organizaram o dossiê.
Para eles, as visões convencionais sobre a Amazônia têm dado uma especial relevância às características de sua biodiversidade. Com menor frequência é reconhecido o destaque da sua sociodiversidade, componente fundamental na configuração da Amazônia e, nas últimas décadas, tão ameaçada quanto a biodiversidade.
Os impactos sobre as florestas da Amazônia incidem também, em grande escala, sobre as formas de vida humana que modelaram suas paisagens. Com todo o avanço predatório sobre seus sete milhões de quilômetros quadrados, no século XXI, a Amazônia continua sendo o lar de uma ampla diversidade de povos indígenas, falantes de cerca de 180 línguas, além de inúmeras populações tradicionais que se estabeleceram na região em períodos mais recentes.
“Com frequência a Amazônia é pensada como um repositório de biodiversidade, que pode inclusive retardar o fim apocalíptico das danosas ações antropocênicas, desde que seja preservada em sua integridade. Esta integridade é frequentemente confundida com uma ideia de natureza prístina, intocada, uma ‘floresta virgem’ que teria se tornado na atualidade um receptáculo de danos antropocênicos”, completam.
“A partir da perspectiva da Arqueologia, da Antropologia e da Ecologia queremos trazer para o debate o que os pelo menos 12 mil anos de história humana na Amazônia mostram sobre uma convivência com o ambiente que imprimiu marcas profundas nas paisagens. Frente a um viés homogeneizante no debate do Antropoceno, pretendemos destacar os impactos positivos para a manutenção da biodiversidade promovidos pelas populações indígenas e tradicionais da Amazônia, num movimento divergente e resistente aos modelos próprios da invasão colonial, em contínuo processo de avanço”, alertam.
Para concluir, os pesquisadores esclarecem os seus objetivos:
“Queremos com esta discussão trazer subsídios para mostrar que a preservação da Amazônia é vital para um caminho de futuro diferente da perspectiva antropocênica, fundamentado antes de tudo na manutenção de suas populações nativas e de seus conhecimentos milenares. Estes conhecimentos não devem ser encarados como essenciais só para sua própria proteção, muitas vezes pensada de maneira folclórica, mas como conhecimento acumulado que desafia inclusive nossa dicotomia entre preservação e produção, natureza e cultura, cisão que sustenta nossas práticas antropocênicas. A imaginação perspectivista das populações amazônicas, bem como as diferentes formas de relacionalidade peculiares nas diversas populações tradicionais e nas suas maneiras de habitar a floresta, provocam a racionalidade antropocênica do paradigma ocidental. Elas insistem numa cosmopolítica em que a coexistência entre sujeitos humanos e não humanos abre a possibilidade de múltiplas versões de mundos múltiplas versões de uma floresta em transformação. A coevolução entre povos e paisagens continua promovendo uma Amazônia cuja diversidade persiste nas margens do Antropoceno”.
*Com informações da Ufopa