Áreas de terra firme da Amazônia brasileira são mais vulneráveis, porém menos pesquisadas

A coleta de dados resultou de um esforço colaborativo de cientistas de instituições do Brasil e de outros países que integram e sintetizam informações sobre a biodiversidade amazônica. 

Com o objetivo de compreender onde estão as lacunas de conhecimento e de orientar políticas públicas para resolver o problema do conhecimento sobre biodiversidade, pesquisadoras(es) que atuam na Amazônia, por exemplo, docentes do Instituto de Ciências Biológicas (ICB/UFPA) vinculados ao Projeto SYNERGIZE (SYNthesising Ecological Responses to deGradation In amaZonian Environments), mapearam os locais e os fatores determinantes da pesquisa ecológica em toda a Amazônia brasileira.

A coleta de dados resultou de um esforço colaborativo de cientistas de instituições do Brasil e de outros países que integram e sintetizam informações sobre estudos da biodiversidade amazônica. O projeto foi financiado pelo Centro de Síntese em Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (SinBiose), pela chamada CNPq/MCTIC SinBiose (N.º 17/2019), e é coordenado por Joice Ferreira (Embrapa Amazônia Oriental) e Filipe França (Universidade de Bristol), os dois professores do Programa de Pós-Graduação em Ecologia (PPGECO) da UFPA.

O trabalho publicado na Revista Current Biology reúne metadados de comunidades ecológicas coletados em 7.694 locais para nove grupos de organismos (invertebrados bentônicos, heterópteros, Odonata, peixes, plantas aquáticas, aves, vegetação lenhosa, formigas e besouros “rola-bosta”) e em diferentes tipos de ecossistemas, incluindo florestas de terra firme, florestas alagáveis e em ambientes aquáticos – igarapés, rios e lagos.

Por meio de um modelo de aprendizado de máquina, a pesquisa mapeou:

1 – a probabilidade de pesquisa na Amazônia brasileira, entre 2010 e 2020; 

2 – identificou a vulnerabilidade do bioma às mudanças ambientais. “Usamos cinco preditores: acessibilidade; distância das instalações de pesquisas; posse de terra; degradação e comprimento da estação seca”, explica a pesquisadora Raquel Carvalho, que liderou o estudo.

Uma das principais conclusões do estudo refere-se às lacunas de conhecimento, que são maiores na terra firme do que nas zonas úmidas e nos ecossistemas aquáticos. Isso significa que as áreas de terra firme são menos pesquisadas do que as áreas alagáveis. De maneira geral, a desigualdade da pesquisa ecológica entre os habitats atribui-se à restrição logística e aos fatores de influência humana, como acessibilidade e distância das instalações de pesquisa.

“Isso revela a importância que um pequeno grupo de especialistas locais tem na amostragem de alguns grupos de organismos. Por exemplo, a maioria das amostragens (95%) de invertebrados aquáticos (Heteroptera e Odonata) está concentrada no leste da Amazônia (Pará) e vem de grupos de pesquisadores da UFPA”,

comentou Raquel Carvalho.

Apesar de o trabalho evidenciar que há menos investigação sobre a biodiversidade das florestas de terra firme, é estimado que 15-18% desse ecossistema sofrerá mudanças severas no clima ou no uso da terra até 2050. Por isso o SYNERGIZE sugere a adoção de medidas imediatas, como a ampliação de recursos, a expansão e o aprimoramento das políticas e o fortalecimento das cooperações.

Do contrário, não será possível estabelecer seu estado atual, menos ainda monitorar como está mudando e o que está sendo perdido.

“As instituições de ensino e de pesquisas amazônicas são fundamentais para gerar conhecimento e contribuir para a diminuição das lacunas de informações no bioma”,

avalia o coautor da pesquisa, professor Leandro Juen (ICB/UFPA).

 Soluções

Segundo o SYNERGIZE, a Amazônia é a região do país que menos recebe investimento para pesquisas em biodiversidade. As assimetrias são igualmente acentuadas dentro do próprio bioma, pois os grandes centros urbanos concentram mais investimentos. 

Em relatório (policy brief), o grupo apresenta algumas sugestões para ultrapassar as limitações das pesquisas ecológicas na Amazônia, como a TAOCA – uma plataforma de dados nacional que objetiva ampliar e consolidar o conhecimento ecológico sobre a biodiversidade da Amazônia.

Atualmente, a TAOCA reúne dados padronizados de centenas de colaboradores para comunidades de aves, besouros escarabeíneos e formigas coletadas na Amazônia brasileira. São informações de quase 900 mil indivíduos, de 2.500 espécies, coletadas em mais de 4.000 sítios florestais.

“Os dados ecológicos da TAOCA podem servir de base para entender como as atividades antrópicas e as mudanças climáticas influenciam a biodiversidade e, consequentemente, as diferentes funções ecológicas/serviços ecossistêmicos associados à biodiversidade”, afirma Filipe França, um dos coordenadores do projeto. “Igualmente, a plataforma possibilita maior visibilidade dessas informações e pode auxiliar os tomadores de decisões e as agências ambientais que precisam dos dados integrados.”

Outra contribuição relevante do SYNERGIZE foi o estabelecimento de uma rede de pesquisa sobre biodiversidade amazônica formada majoritariamente por pesquisadoras(es) e instituições da Amazônia, possibilitando aumentar as colaborações e parcerias entre os grupos. Em 2022, por exemplo, foi aprovada a criação de Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT) na Região Norte. A UFPA sedia um dos seis INCTs, intitulado “Sínteses da Biodiversidade Amazônica” (SinBiAm). A cocoordenação do projeto será executada pelos professores: Leandro Juen (ICB/UFPA) e Filipe França (Universidade de Bristol), ambos também professores do Programa de Pós-Graduação em Ecologia (PPG-ECO) da UFPA; Juliana Schietti e Fabrício Baccaro (Universidade Federal do Amazonas); além de outras(os) pesquisadoras(es) que fazem parte do comitê de gestão do projeto. Mais informações aqui.

“A Amazônia é uma das regiões de maior biodiversidade do planeta. Apesar de muitas oportunidades, realizar estudos e pesquisas na região é muito desafiador, principalmente em decorrência da falta de investimento em pesquisa no bioma, aliado à dificuldade de acesso e de logística para chegar às áreas de estudos. Com isso, temos muitas lacunas de informações dos dados de biodiversidade. Esse cenário somente será mudado se o trabalho for realizado em rede de pesquisa, similar àquela que realizamos no projeto, valorizando e possibilitando que as(os) pesquisadoras(es) que atuam em todas as regiões possam contribuir e ter reconhecimento na produção desse conhecimento”,

comenta Leandro Juen.

“Os resultados desse estudo são importantes para orientar ações mais estratégicas de fomento às pesquisas na Amazônia. Nossos estudos apontam que não basta apenas aumentar os recursos disponíveis, é necessário ir além, direcionando as pesquisas para os locais mais carentes de dados”, afirma a doutora Joice Ferreira.

Sobre 

O SYNERGIZE é um dos sete projetos aprovados na primeira chamada do Centro de Síntese em Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos SinBiose/CNPq. Com uma estrutura de pesquisa inovadora no cenário nacional, o SYNERGIZE foi criado em razão da necessidade de integrar informações de diferentes disciplinas para gerar conhecimento novo e relevante, dos pontos de vista científico e social. 

O projeto reuniu 29 pesquisadores, incluindo pós-doutorandos, estudantes de doze instituições nacionais e cinco internacionais. A saber: Embrapa Amazônia Oriental, Universidade de Bristol, Instituto Nacional de Pesquisa na Amazônia, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Lancaster University, Manchester Metropolitan University, Museu Paraense Emílio Goeldi, Naturalis Biodiversity Centre, Universidade de São Paulo, Universidade Federal de Lavras, Universidade Federal do Acre, Universidade Federal do Amazonas, Universidade Federal do Mato Grosso, Universidade Federal do Pará, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Universidade Federal Rural da Amazônia, University of Leeds e Virginia Tech.

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