“Não é festa, é revolução!”
Foi com essa frase, dita ao comandante da Intendência boliviana em Xapuri (AC), que Plácido de Castro deu início à derradeira tentativa de tornar independente o território do Acre, no dia 6 de agosto de 1902, mesmo dia em que a Bolívia comemorava sua libertação do domínio espanhol.
- Contexto: No dia 6 de agosto de 1902 iniciaram-se os confrontos da Revolução Acreana. Os conflitos entre brasileiros que ocupavam a região desde meados de 1870 e o governo boliviano a quem o território pertencia legalmente pelos direitos de exploração da terra já duravam pouco mais de três anos. O principal interesse dos dois grupos era a exploração do látex. Os confrontos só acabaram em 1903 com a anexação do Acre ao Brasil.
A escolha da data pode soar irônica, mas não foi apenas uma escolha estratégica de Castro, um gaúcho de 26 anos que já havia lutado na Revolução Federalista, no Rio Grande do Sul, alguns anos antes e estava no território acreano para trabalhar como agrimensor.
Em 2022, o historiador Marcus Vinícius Neves explicou que o plano original era começar o confronto no dia 14 de julho daquele mesmo ano. O destino, porém, interveio.
“As armas não chegaram, e eles marcaram uma nova data, a de 6 de agosto, que é o dia da independência boliviana. O 7 de Setembro do Brasil é o 6 de agosto na Bolívia e, contando que neste dia estava acontecendo festa cívica, as pessoas não esperavam um ataque num dia como este”, explicou o historiador.
Os bolivianos tinham ainda o interesse em arrendar o território para o Bolivian Syndicate, uma empresa formada por estadunidenses e ingleses que tinham interesse em controlar a área.
A luta armada contra o exército boliviano foi o ápice de um conflito que se desenhava desde 1870, quando os primeiros brasileiros, vindos na maioria da região Nordeste do Brasil, começaram a ocupar a região do “Aquiry”, nome indígena que significa ‘rio dos jacarés’ e acabou dando nome ao estado.
“A Revolução é resultado de um longo processo histórico que se vivia, não só no Acre como na Amazônia, que foi o primeiro ciclo da borracha. A borracha se tornou tão valiosa quanto ouro, o que fez com que milhares de brasileiros subissem os rios atrás. Por isso, o Acre foi ocupado”, disse Neves.
Inicialmente, o governo boliviano não deu muita atenção a ocupação brasileira na região, já que se tratava de uma região de difícil acesso e que até então, não possuía grande importância econômica. Foi só quando o coronel boliviano José Manuel Pando teve que se refugiar na região no final do século 19 , após uma tentativa de golpe, que se deu conta do tamanho da presença brasileira e buscou alertar o governo.
O ‘ouro branco’ da Amazônia
Com quase 30 anos de atraso, o governo boliviano percebeu que aquela área de floresta cheia de seringueiras nativas era na verdade uma fonte de riqueza com possibilidades quase ilimitadas, já que o uso da borracha se tornava essencial para diversas indústrias, em especial a automobilística.
Nessa época, o Acre já era responsável por 60% de toda a borracha produzida no mundo.
“Quando o governo da Bolívia, em 1899, pretendeu se estabelecer no Acre e cobrar os impostos da borracha, houve uma revolta brasileira que deu origem ao processo que a gente chama de Revolução Acreana”, contou Neves.
Imperador Galvez e as Repúblicas Independentes do Acre
A primeira insurreição contra o domínio espanhol, ocorreu em julho de 1899, quando o jornalista e diplomata espanhol Luís Galvez Rodriguez de Arias proclamou a República Independente do Acre.
O governo de Galvez, que passou a ser chamado de ‘imperador’, durou apenas 100 dias, pois ele foi destituído do cargo pelo Exército brasileiro, que respeitando o Tratado de Ayacucho, assinado entre os dois países em 1867, considerava o Acre território boliviano.
Em novembro do ano seguinte, houve uma nova insurreição. Liderados pelo jornalista Orlando Correa Lopes, um grupo de brasileiros tenta novamente proclamar a República Independente do Acre. O movimento, que ficou conhecido como “Expedição dos Poetas”, devido o grande número de jornalistas e literatos que a compunham, foi facilmente expulso do território pelos bolivianos.
‘Bolivian Syndicate’
Sem conseguir resolver a situação do Acre, mas ainda querendo lucrar com a região, a Bolívia fechou um acordo para arrendar os direitos de exploração da terra com empresários estrangeiros. Entra em cena o Bolivian Syndicate, uma companhia criada em Londres em 1901 e que tinha até mesmo um primo do presidente dos Estados Unidos, Theodore Roosevelt, como um dos diretores.
O projeto era um negócio de 5 milhões de libras e o plano era que os investidores pudessem explorar a região por até 30 anos. A companhia recebeu autorização do governo boliviano para administrar o Acre, recolher impostos, instalar serviços públicos e até mesmo criar um exército próprio.
A população brasileira no Acre, que já passava de 60 mil pessoas naquele momento, reagiu. Pouco mais de um ano depois, começou o conflito armado e o Bolivian Sindycate viria a receber uma compensação de 110 mil libras esterlinas por parte do governo brasileiro para desistir do negócio.
Os ingleses teriam ainda levado mudas de seringueira para a Malásia, então colônia inglesa, o que acabou causando anos depois o final do 1º Ciclo da Borracha no Acre.
Independência
A chegada de Plácido de Castro ao Acre finalmente mudou a sorte dos brasileiros que desejavam se estabelecer no território.
“Quando Plácido de Castro, à frente de um exército de seringueiros, invade a cidade de Xapuri e a toma das autoridades, dá início a última fase da Revolução Acreana. A fase mais sangrenta, que levou os seringueiros a pegar em armas e ir a luta contra os bolivianos”, ressalta Marcus Vinícius.
Segundo o historiador, até hoje não é possível saber com clareza quantas pessoas morreram no conflito e qual lado teve mais perdas, já que as histórias são divergentes.
“As fontes brasileiras aumentam a quantidade de vítimas brasileiras, diminuem a de vítimas bolivianas, aumentam o número de tropas bolivianas e diminuem a quantidade na tropa brasileira. E as fontes bolivianas fazem o inverso. Eu estimo de maneira grosseira que cerca de 500 pessoas tenham morrido nos seis meses que duraram esses combates”, diz.
Os combates da Revolução Acreana duraram seis meses e terminaram janeiro de 1903 com a assinatura do Tratado de Petrópolis pelo qual o Acre passou a ser reconhecido como parte do Brasil.
Toda essa história já foi contada em ‘Amazônia: de Galvez a Chico Mendes’, minissérie escrita pela novelista Glória Perez e que foi ao ar na TV Globo em 2007.
Legado da Revolução
Para o historiador, mais que anexação do território acreano ao Brasil, a Revolução deixou marcas culturais que podem ser notadas ao longo dos últimos 122 anos.
“Foi uma luta contra os estrangeiros para que o Acre se tornasse Brasil. Mas logo depois o governo brasileiro criou no Acre um território federal e os acreanos foram novamente à luta para que tivessem autonomia política e depois quando a Ditadura Militar veio querer moldar o Acre e trazer os fazendeiros, houve novo momento de resistência dos seringueiros contra a transformação da floresta em pasto. Ou seja, o acreano tem na sua identidade uma marca de luta, resistência e defesa do Acre que permaneceu por toda sua história e começa exatamente na Revolução Acreana”, reflete.