Elas Fazem Acontecer. Esta frase de empoderamento feminino vai muito além de uma simples construção sintática. Ela reflete o espírito empreendedor cultivado em cerca de 300 mulheres acreanas que veem, na sororidade e na união, uma oportunidade de prover o sustento e de mostrar a força da mulher no mundo dos negócios.
Entender o papel da mulher empreendedora é compreender, em primeiro lugar, que há desafios que não são enfrentados por homens no geral. Segundo, o Perfil Nacional da Mulher Empreendedora, emitido pelo Projeto Desenvolve Mulher Empreendedora, que também traça a realidade acreana, pelo menos 37% são chefes de família e 68,5% realizam as tarefas de cuidado com a casa. O levantamento foi feito em parceria com a Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB), Conselho Nacional da Mulher Empreendedora e da Cultura (CMEC) e Sebrae Nacional.
Além disto, o Acre ainda é o estado com a menor proporção de mulheres entre donos de negócios do país. Ao todo, 23.564 mulheres são donas do próprio negócio no estado e representam apenas 24% de líderes empresariais. Deste total, 10% dessas mulheres são empregadoras no estado.
Acre tem a menor proporção de mulheres donas dos próprios negócios no país, segundo pesquisa do Sebrae. Foi assim, com base no ativismo e na necessidade de reverter estes números, bem como empoderar e lutar pela autonomia das mulheres, que a empreendedora e educadora social Lidianne Cabral, de 44 anos, resolveu criar a associação ‘Elas Fazem Acontecer’, que já realizou mais de 20 feiras no estado do Acre.
Ela, que também é produtora cultural, contou ao a Rede Amazônica que abriu o próprio negócio em 2019, iniciando de uma forma muito promissora. Foi então que Lidianne sentiu a necessidade de falar mais sobre empreendedorismo feminino nas redes sociais, dado os desafios que surgem ao longo do caminho e, posteriormente, a dificuldade maior: a pandemia de Covid-19, que impossibilitou encontros presenciais e que ainda ocasionou a perda de um ente querido.
A partir de então, ela e outras mulheres começaram a se reunir virtualmente, a cada 15 dias, ao que ela descreve como ‘terapia coletiva’, já que elas compartilharam seus anseios, dificuldades e perspectivas para o futuro. A educadora ressalta também que a maioria dessas empreendedoras são mães solteiras com várias outras atividades para exercer e precisam se desdobrar para estar 24 horas ativa no negócio, responderem as redes sociais e conseguir um capital de giro.
Movimento de mulheres empreendedoras ‘Elas Fazem Acontecer’ também trabalha o empoderamento feminino nas acreanas. Em razão de ter tido experiência com gestão pública e em movimentos de políticas para as mulheres, Lidianne conta que resolveu pedir ajuda para o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), que forneceu capacitações sobre marketing digital, precificação e como desenvolver o próprio negócio durante os períodos de reclusão.
Após quase um ano de ações, mais mulheres se achegaram ao movimento. Com a flexibilização das medidas de restrição social, mas mantendo uso de máscaras, os primeiros encontros sociais foram ganhando força em praças públicas. O que começou com seis, depois pulou para oito, logo se multiplicou por 10 e já na primeira feira, 80 mulheres apresentavam seus negócios na primeira edição da feira.
Protagonismo
Apesar do espírito de liderança, Lidianne faz questão de destacar que o movimento foi criado por meio da união feminina, e não somente por iniciativa dela. A união entre elas vai do presencial ao virtual, ambiente onde se mobilizaram inicialmente.
Ela comenta ainda que o Acre tem um jeito único de empreender, de uma forma mais afetiva, de pessoas que se conhecem, e que laços vão se criando por meio disto. Além dela, que idealizou o ‘Elas Fazem Acontecer’, Lidianne contou com a ajuda de Denila Soares, Ligia Martins, Jo Braga, Melissa Braga, Laina Cacela e Thayane Santos.
O uso das ferramentas tecnológicas ainda continuam com mais força, já que elas, agora em maior quantidade, permanecem trazendo os anseios e dificuldades. Com isto, vem-se a ferramenta que pode solucionar estes problemas: o estudo, que traz o desenvolvimento pessoal e, consequentemente, o profissional. Para isto, ela acredita que a capacitação vem como ferramenta-chave para que as mulheres se empoderem, já que trabalham com o autoconhecimento e, ao mesmo tempo, ter uma rede de apoio sólida entre pessoas que compartilham problemas semelhantes e sonhos convergentes.
Resultados
Desde a germinação do Elas Fazem Acontecer até o nascimento dos galhos que compõem esta árvore de mulheres empreendedoras, mais de 20 feiras foram desenvolvidas no Acre, que contribuem também para a movimentação da economia local. Apesar de não mensurarem valores, Lidianne acredita que o giro do capital é estimado entre R$ 50 mil e R$ 100 mil, números estes obtidos por meio de relatórios somados de cada empreendedora.
É importante ressaltar que estas feiras não surgem ‘do nada’. Antes, há uma reunião entre as colaboradoras para que sejam afinados detalhes como: preços, produtos a serem apresentados e demais detalhes, a depender do tema da edição. Ela destaca ainda o apoio do governo do Acre, da prefeitura de Rio Branco, do Sebrae, da Associação Comercial, Industrial, de Serviço e Agrícola do Acre (Acisa), e do Conselho da Mulher Empreendedora (CMEC), na construção e ocupação de espaços públicos que também são de pertencimento das mulheres.
“As nossas feiras acontecem em espaços públicos porque nós entendemos que nós mulheres temos a responsabilidade de dar visibilidade a espaços públicos que não têm acessibilidade a mulheres, que não têm um banheiro público adequado para a mulher, para aquela mãe que precisa trocar a fralda do seu bebê, para aquela mãe que precisa estar ali, para uma mulher que é PCD, uma mulher que tem problema de visão… enfim, a gente faz esse relatório também para a gestão, entregamos o nosso feedback, e deixando claro que nós estamos ali para ocupar o espaço que também é nosso”, complementa.
Mulheres de Negócios
A história do coletivo, que posteriormente se tornou uma associação no final de 2023, foi destaque no Prêmio Sebrae Mulher de Negócios 2023, iniciativa esta que valoriza e incentiva o empreendedorismo feminino no Brasil. O ‘Elas Fazem Acontecer’ levou o 1º lugar e veio a condecorar o sucesso de um grupo de mulheres empoderadas que viram no mundo dos negócios a chance de reforçar o protagonismo e a força feminina.
Agora a luta, segundo a empreendedora, é de conseguir uma estrutura própria. Com isto, estão em busca da captação de recursos para aquisição de mais itens como barracas e tendas. A associação não tem fins lucrativos, há muitos voluntários, mas para fazer acontecer, é preciso pagar serviços de eletricista, logística, aluguel de mesas e cadeiras e até segurança, já que os serviços são feitos por mulheres em um estado que ainda detém o 2º maior índice de feminicídios do país, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
A próxima feira, inclusive, já tem data: 8 e 9 de junho, das 16h às 22h, no Lago do Amor, que fica Rodovia BR-364, bairro Jardim Primavera, em Rio Branco. O tema é voltado às festas juninas, sendo este o primeiro ‘arraiá’ delas. Além da exposição dos pequenos negócios, ainda vai ter música ao vivo, brincadeiras, comidas típicas, bingo, pescaria e a apresentação da primeira quadrilha junina de empreendedorismo feminino.Como retorno, para além do financeiro, ela destaca que o desenvolvimento pessoal é o que as movem, que consequentemente gera conhecimento, oportunidades e expansão dos próprios negócios.
*Por Renato Menezes, do g1 Acre